Donos da ANA já recuperaram 19% do que pagaram pela privatização dos aeroportos
Em cinco anos, o grupo francês Vinci já lucrou 587 milhões de euros, a que somam os resultados de 2018. Concessão aos aeroportos nacionais dura até 2062 e passou entretanto a PPP, prevendo-se que comece a partilhar receitas com o Estado de forma crescente a partir de 2023.
Nos primeiros cinco anos de operação em Portugal, o grupo francês Vinci já lucrou 587 milhões de euros através da ANA. Este valor, obtido nos exercícios de 2013 a 2017, equivale a 19% do investimento que lhe garantiu a vitória na privatização da empresa que gere os aeroportos a nível nacional, no final de 2012. Os valores de 2018 ainda não são conhecidos, mas vão certamente fazer subir a fasquia para cima dos 20%.
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Nos primeiros cinco anos de operação em Portugal, o grupo francês Vinci já lucrou 587 milhões de euros através da ANA. Este valor, obtido nos exercícios de 2013 a 2017, equivale a 19% do investimento que lhe garantiu a vitória na privatização da empresa que gere os aeroportos a nível nacional, no final de 2012. Os valores de 2018 ainda não são conhecidos, mas vão certamente fazer subir a fasquia para cima dos 20%.
Para garantir a compra da ANA, a Vinci avançou com 3080 milhões de euros, dos quais 1200 milhões correspondem à concessão dos aeroportos por cinquenta anos, e outros 700 milhões corresponderam a dívida assumida.
Na altura da privatização da ANA, a operação de aeroportos era residual no seio do grupo francês, tradicionalmente orientado para a construção, mas presente em vários negócios. Depois de garantir a gestão dos dez aeroportos portugueses, número que sobe para onze com o Montijo (e que após a assinatura do acordo de financiamento da expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa com o Governo, esta terça-feira, depende agora da Avaliação de Impacte Ambiental), a Vinci foi crescendo através de aquisições e hoje já está no Camboja, Chile, Japão, República Dominicana e também na Sérvia, além de França.
Salto em frente
Há poucos dias, no final de Dezembro, a Vinci deu um salto em frente ao garantir a compra de 50,01% do capital de Gatewick, o segundo maior aeroporto britânico, por 2,9 mil milhões de libras (3,2 mil milhões de euros). Ainda assim, olhando para as receitas do grupo em 2017, os aeroportos pesaram apenas 3% do total (1,4 mil milhões de euros num bolo de 40,2 mil milhões).
Em Portugal, o grupo francês está também presente na Lusoponte, que detém a concessão da Ponte Vasco da Gama (elo de ligação ao futuro aeroporto do Montijo) e da Ponte 25 de Abril, com 40,98% do capital por via da Vinci Highways.
Depois de um arranque menos lucrativo logo ao início da operação em Portugal, período em que o esforço financeiro também foi maior, a ANA conheceu em 2017 o seu melhor ano com um resultado líquido de 248 milhões, impulsionado pelo crescimento de turistas e novos recordes de passageiros nos aeroportos (com Lisboa a liderar ao atingir os 26 milhões, prevendo-se agora novos investimentos de relevo ligados à expansão do aeroporto Humberto Delgado, em paralelo ao Montijo). Actualmente, a empresa é liderada por Thierry Ligonnière (presidente executivo), cabendo o cargo de chairman a José Luís Arnaut, ligado ao PSD e ex-ministro.
Receitas a caminho do Estado
O volume de negócios da Vinci no mercado nacional também tem vindo a subir, chegando aos 760,6 milhões em 2017 -- assente nas tarifas cobradas --, e tudo aponta para que o ano passado tenha sido marcado por novos recordes. Se o negócio continuar a crescer, isso também terá impactos directos para o Estado a médio prazo, uma vez que, conforme ficou estipulado no momento da privatização, a ANA terá de partilhar receitas ligadas à concessão, numa fórmula de cálculo crescente que começa em 1% da receita bruta (entre o 11.º ano e o 15.º) e vai até aos 10% (entre o 41.º ano e o 50.º e último ano).
De acordo com os dados do Governo, o primeiro pagamento, de nove milhões de euros, será realizado em 2023, a mesma altura em que se perspectiva o primeiro ano completo do Montijo em termos operacionais. Até ao final dessa década, a verba prevista para o Estado soma 86 milhões de euros, e a tendência é sempre a subir (o cálculo do Executivo termina em 2062, último ano da actual concessão, com uma estimativa de encaixe de 165 milhões de euros só nesse período).
Uma nova PPP
A previsão de encaixe por parte do Estado surge pela primeira vez na proposta do Orçamento do Estado para 2019, na rubrica das Parcerias Público-Privadas (PPP). Isto quando, até aqui, os aeroportos foram sempre classificados como uma concessão, e não uma PPP.
De acordo com os esclarecimentos do Ministério das Finanças ao PÚBLICO, a mudança ocorreu no início do ano passado, sem precisar a data. Segundo fonte oficial, a alteração da classificação de concessão para PPP “resultou exclusivamente de um aperfeiçoamento da terminologia jurídica que lhe estava associada e que, desta forma, se afigura mais correcta, nada se modificando em substância, nem quanto à execução do contrato, nem quanto a fluxos financeiros e impactos orçamentais”.
“Desta forma”, acrescenta a mesma fonte, remetendo a questão para a lei das PPP criada em 2012 (ponto 1 do artigo 2.º), “a alteração da sua denominação não resultou de qualquer alteração contratual ou de qualquer evento externo ao contrato, mas antes de uma melhor classificação jurídica da sua real situação, mantendo-se esta última inalterada”.
A questão, pelo que se percebe das explicações das Finanças, surgiu agora por causa da preparação do Programa de Estabilidade 2019-2023 (a divulgar em Abril), com o último ano a englobar já a previsão dos fluxos financeiros das PPP que reúnem a vertente positiva dos aeroportos (de resto, as outras têm apenas gerado encargos, com destaque para as rodoviárias).
Por parte do Ministério do Planeamento e Infra-estruturas, fonte oficial sublinhou, questionada pelo PÚBLICO, que a passagem a PPP nada tem a ver com a construção do Montijo, a primeira obra de raiz da Vinci/ANA (sem custos para o Estado).
Ao PÚBLICO, Mariana Abrantes de Sousa, especialista em PPP, afirmou que a concessionária ANA “passou a ser uma PPP desde a privatização”, pelo que, diz, “deve ter sido um lapso não incluir na lista de PPP desde 2012”, questionando-se mesmo se será este o único caso. “O surpreendente”, acrescenta, “é que só agora passem a incluir as estimativas de receita futura no quadro de encargos com PPP”.
O Ministério das Finanças garante que a vertente aeroportuária também será devidamente acompanhada pela Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos (UTAP), embora ainda nada conste no site da entidade que ajuda a fiscalizar as contas das PPP rodoviárias, da ferrovia, da saúde e da segurança. Já a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), ligada ao Parlamento, ainda não se pronunciou sobre as projecções plurianuais das PPP inscritas no OE para 2019, e que, pela primeira vez, incluem as previsões de receitas (com os aeroportos) e não apenas encargos.