Escola reserva campo de jogos para meninas e pai queixa-se à comissão para a igualdade de género
Um pai confrontou a escola, que considera que esta é uma forma de discriminação positiva.
Nuno Mário Antão estava esta terça-feira numa reunião de pais no Centro Escolar de Marinhais, em Salvaterra de Magos e, de repente, viu na parede o horário do campo de jogos: segunda-feira, 1.º ano; terça-feira, 2.º ano; quarta-feira, 3.º ano; quinta-feira, 4.º ano; sexta-feira, meninas. Este último a cor-de-rosa.
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Nuno Mário Antão estava esta terça-feira numa reunião de pais no Centro Escolar de Marinhais, em Salvaterra de Magos e, de repente, viu na parede o horário do campo de jogos: segunda-feira, 1.º ano; terça-feira, 2.º ano; quarta-feira, 3.º ano; quinta-feira, 4.º ano; sexta-feira, meninas. Este último a cor-de-rosa.
Ficou indignado. O que queria dizer aquilo? Segregação por género num campo de jogos de uma escola de primeiro ciclo do Portugal do século XXI? “Explicaram-me que o que lá jogam é futebol e que os meninos não deixam as meninas jogar com eles. Se não deixam, têm de ser ensinados a deixar!” A igualdade de género já é tema obrigatório no ensino básico e secundário.
É um membro activo da comunidade. Destacado militante do PS na terra, passou pela assembleia de freguesia, pela assembleia municipal e pela Assembleia da República. E foi presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Salvaterra de Magos.
O filho, João Mário, de sete anos, já lhe tinha falado naquela divisão. “Falei com a professora e ela disse-me que ia ver, mas isso não estava em lado algum. Hoje, fui à reunião de pais relativa às avaliações do primeiro período e vi aquilo no quadro”, conta. O documento tem data de 24 de Setembro de 2018.
“Na escola do meu filho é igual”
Não perdeu tempo. Falou com a adjunta da directora do agrupamento, Ana Arrais, que lhe garantiu que as alunas podiam jogar em qualquer dia. Fez queixa à CIG - Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, receoso de tal prática noutras escolas. Ao final do dia, acompanhou o filho a um treino de futebol e outro pai disse-lhe: “Na escola do meu filho é igual.”
“Há, ainda, um longo caminho a percorrer”, desabafou na sua página de Facebook, partilhando uma fotografia do horário, na qual sobressai a sexta-feira pintada a rosa. “As miúdas acham normal a violência no namoro, as mulheres assassinadas são cada vez mais... mas sosseguem que à sexta o campo de jogos é vosso!”, ironizou. “Que brincadeira as meninas farão no campo de jogos à sexta-feira?”, questionou uma amiga. “Fico extremamente curiosa.”
Contactada pelo PÚBLICO, Ana Arrais sustentou que se trata de uma medida de discriminação positiva. As crianças têm aulas de educação física, como em qualquer escola. Aquele horário regula apenas a utilização do campo de jogos no recreio, isto é, num tempo organizado pelas próprias crianças. Cada dia está atribuído a uma turma, o que inclui rapazes e raparigas, “mas há que ser realista”: os rapazes tendem a jogar futebol e as raparigas tendem a não jogar futebol. Para garantir que elas também têm oportunidade de usar aquele espaço, a escola reservou-lhes a sexta-feira.
O problema, diagnostica, começa na mais tenra infância, com as famílias a darem bonecas às meninas e bolas aos meninos. “As miúdas precisam de mais incentivo". “À sexta-feira podem jogar de forma mais tranquila.” E jogam o que lhes apetecer. Elas e “aqueles miúdos que ficam de fora porque são um bocadinho mais gordinhos ou porque não gostam de jogar com a mesma violência que os outros”.
Ana Arrais convidou Nuno Mário Antão para ir à escola na próxima sexta-feira na hora do recreio verificar, com os seus próprios olhos, que “os miúdos estão tranquilos”. E ele aceitou o repto. “A questão não é a tranquilidade das actividades”, reage. “O modelo da mulher a trabalhar na cozinha e o homem a ver a bola na sala também era muito tranquilo.”
Os estudos de género indicam que a construção social da diferença entre masculino e feminino desponta na infância e vai sendo desenvolvida nas fases posteriores da vida. Além dos familiares, amigos e colegas, a escola participa no reforço dos estereótipos de género. E isso, no entender de Nuno Mário Antão, tem de ser contrariado.