Dívida do SNS a credores aumentou mais de 50% entre 2014 e 2017
Avaliação é do Tribunal de Contas. Ministério da Saúde melhorou em 2017 a qualidade da prestação de contas e a transparência com que trata a sua informação financeira. Contudo, a dívida a fornecedores e credores tem escalado. Governo garante reforços orçamentais.
No final de 2017, o Ministério da Saúde devia a fornecedores e outros credores mais de 2969,7 milhões de euros, o que se traduziu num “forte agravamento” da dívida consolidada no lapso de um ano (+21,4% face a 2016). É um aumento de 51,6% em relação a 2014, altura em que a dívida se situava nos 1,9 mil milhões, concluiu o Tribunal de Contas (TdC).
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No final de 2017, o Ministério da Saúde devia a fornecedores e outros credores mais de 2969,7 milhões de euros, o que se traduziu num “forte agravamento” da dívida consolidada no lapso de um ano (+21,4% face a 2016). É um aumento de 51,6% em relação a 2014, altura em que a dívida se situava nos 1,9 mil milhões, concluiu o Tribunal de Contas (TdC).
“A situação económico-financeira do Serviço Nacional de Saúde (SNS) permanece débil, apesar da ligeira evolução positiva em 2017”, concluiu, num relatório divulgado nesta terça-feira, o Tribunal de Contas (TdC), que auditou a Conta Consolidada do Ministério da Saúde de 2017.
O aumento da dívida consolidada – valor onde se inclui a dívida em atraso – foi acompanhado e é “consequência”, diz o TdC, da diminuição das transferências do Estado para o SNS. No triénio 2015-2017 foram transferidos 26,3 mil milhões de euros, menos cerca de 6,1% (1610,9 milhões) do que no período 2012-2014, detalha o relatório. Contudo, o ano de 2017, em específico, foi já de aumento das transferências do Orçamento do Estado para o SNS, precisamente para regularizar os pagamentos em atraso a fornecedores externos. Sem essa injecção o SNS não conseguiria cumprir as suas responsabilidades financeiras acumuladas, acrescenta o tribunal. No final do ano, porém, o resultado líquido consolidado (o lucro menos as despesas com salários, juros de dívidas, amortizações…) foi negativo em 345,8 milhões de euros.
“Face a 2016, o rácio de autonomia financeira (0,07) aumentou 0,013 e o rácio de solvabilidade (0,07) aumentou em 0,015, ou seja, uma evolução muito moderada”, escreveu o TdC. Estes dois rácios ilustram a dependência face a capitais externos. Quanto mais próximo de zero e longe de um, maior é a dependência da empresa face aos capitais alheios. Contudo, essa recuperação é “manifestamente insuficiente para repor os níveis de 2014, em que o rácio de autonomia financeira foi de 0,24 (+0,17) e o rácio de solvabilidade 0,31 (+0,24)”. Entre 2015 e 2017, SNS acumulou resultados negativos no valor de 1,14 mil milhões de euros.
Olhando para o grupo Ministério da Saúde como um todo, o TdC observa que, embora alguns indicadores evoluam positivamente, continua a ser evidente a “incapacidade do Ministério da Saúde para fazer face atempadamente aos seus compromissos e um problema de liquidez”. Em 2017, registou um resultado líquido de menos 283,7 milhões de euros. Uma melhoria de cerca de 8% face a 2016, mas ainda aquém de 2015 (menos 256,7 milhões de euros). Se se excluir a ADSE deste cálculo, o resultado líquido de Ministério da Saúde agrava-se em cerca de 77 milhões de euros. É ainda assim melhor do que em 2016.
O rácio de liquidez geral é “demonstrativo da carência de liquidez do grupo Ministério da Saúde, indicando que, sem financiamento adicional, o ministério não teria capacidade para pagar atempadamente cerca de 43% das dívidas que se vencem no próximo ano”, observa o TdC.
O tribunal recomenda ao ministro das Finanças e à ministra da Saúde que tomem “medidas conducentes à recapitalização” do SNS, com “planos de saneamento financeiro de médio e longo prazo e de acordo com uma orçamentação por programas e plurianual”.
Em resposta ao TdC o Ministério das Finanças dá conta de que, para este ano, prevê "um conjunto de medidas estruturais" e um “reforço orçamental de 588,7 milhões de euros, sendo que destes 491,9 milhões são aplicados directamente nos Hospitais EPE” (Entidades Públicas Empresariais). Refere ainda que continuará o esforço de recapitalização destes hospitais, “por via de injecções financeiras para cobertura de prejuízos transitados, o que permitirá a continuação da trajectória de diminuição da dívida (e dos pagamentos em atraso) aos fornecedores durante o ano de 2019.”
Menos inconsistências nas contas
A equipa de auditores pretendia também perceber o impacto das recomendações feitas em relatórios anteriores na “integralidade, fiabilidade e transparência” das contas consolidadas de 2017, avaliando, entre outros aspectos, em que medida persistiam as “inconsistências” que vinham a ser detectadas desde 2014 entre a informação reportada pelas várias entidades do Ministério da Saúde. O TdC detectou, ao longo dos anos, várias situações em que o registo de saldos e transições dentro do ministério não batia certo de entidade para entidade.
Nesse aspecto, a tutela da Saúde teve nota positiva: ao acolher propostas do TdC a Administração Central do Sistema de Saúde (ACCS) conseguiu reduzir as diferenças de conciliação que existiam entre entidades “em cerca de 79,2% face a 2016”, melhorando, com isso, a “qualidade e transparência da informação financeira” que presta. O valor acumulado das diferenças de conciliação entre activos e passivos era de 805,1 milhões de euros em 2017, que compara com os 3865,2 milhões, de 2016.
Uma parte significativa (38%) destas diferenças de conciliação diz respeito a três hospitais – o Centro Hospitalar Universitário do Porto, o Centro Hospitalar Universitário de São João e o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central. O tribunal diz que estes hospitais não reflectem na contabilidade as orientações da tutela relativas à conciliação de registos contabilísticos com a ACSS. Os auditores recomendam, por isso, à ministra da Saúde que adopte as medidas necessárias para que os conselhos de administração dos hospitais públicos cumpram essas determinações.
Quase metade das entidades sem contas certificadas
Na base destas incongruências está também o facto de não existir um sistema de informação único e integrado que sirva de base ao processo consolidação de contas do Ministério da Saúde.
O TdC dá ainda conta de que, em 2017, as contas de 27 das 59 entidades do Ministério da Saúde não foram objecto de revisão legal, apesar de estarem obrigadas a tal. Também tem sido recorrente e voltou a registar-se um elevado número de reservas (31) nas Certificações Legais das Contas emitidas. Apenas a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde – Infarmed, teve uma Certificação Legal das Contas “limpa”.
No entanto, o TdC não viu da parte do Ministério das Finanças “um esforço relevante” para corrigir esta situação e melhorar a qualidade da prestação de contas das entidades públicas. Por isso, deixa um alerta: “A ausência de revisão legal das contas num conjunto significativo de entidades e a existência de reservas às contas na maioria das entidades para as quais foi produzida a Certificação Legal das Contas, constitui um indicador de risco acrescido da existência de distorções nas demonstrações financeiras consolidadas."