Índia: a importância das cebolas na reeleição de Modi
O preço das cebolas traçou o destino de governos indianos no passado. Agora, o primeiro-ministro, Narendra Modi, está a enfrentar uma crise semelhante que pode ameaçar a sua vitória nas eleições de Maio.
A queda do preço das cebolas fez cair governos em eleições na Índia no passado. Agora, o preço deste produto básico entrou em colapso e muitos agricultores empobrecidos garantem que vão fazer o primeiro-ministro Narendra Modi pagar por isso nas eleições deste ano.
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A queda do preço das cebolas fez cair governos em eleições na Índia no passado. Agora, o preço deste produto básico entrou em colapso e muitos agricultores empobrecidos garantem que vão fazer o primeiro-ministro Narendra Modi pagar por isso nas eleições deste ano.
Quedas acentuadas nos preços das cebolas e batatas, ambos alimentos básicos para os 1,3 mil milhões de indianos, atingiram gravemente a economia rural nos grandes estados.
Em entrevistas com dezenas de agricultores no final de Dezembro, os jornalistas da Reuters identificaram ressentimento contra o partido nacionalista hindu, o Partido Bharatiya Janata (BJP), de Modi, por não ajudar a manter os rendimentos nas zonas rurais, onde vive a maioria da população.
“Independentemente do que façam nos próximos meses vou votar contra o BJP. Não vou repetir o erro de 2014”, disse Madhukar Nagare, um produtor de cebola em Nashik no estado de Maharashtra, referindo o seu apoio ao BJP nas últimas eleições gerais.
Nas eleições estaduais de 1998, uma forte variação do preço da cebola levou à queda do governo do BJP na capital Nova Deli.
Nas eleições gerais de 1980, os elevadíssimos preços da cebola ajudaram Indira Gandhi (Partido do Congresso) a derrubar um governo de coligação que integrava políticos que mais tarde formaram o BJP.
Nas últimas semanas, agricultores afectados pela queda dos preços organizaram protestos, bloquearam auto-estradas e inundaram as estradas de cebolas depois de os preços terem caído para uma rupia por quilo (um fragmento de um cêntimo de euro), uma colheita que custa cerca de oito rupias (pouco mais de um cêntimo) a produzir.
Porém, devido à acção dos intermediários, os consumidores não saíram beneficiados com os preços baixos.
Em Maharashtra, o principal estado produtor de cebola, os preços do produtor caíram 83%, uma desvalorização influenciada pelos excedentes da colheita da temporada anterior e pelo baixo número de pedidos de exportação do Médio Oriente e do Sudeste asiático.
E no estado mais populoso da Índia, o Uttar Pradesh, que foi crucial na vitória de Modi nas eleições de 2014, há um problema semelhante relativamente aos preços das batatas.
Maharashtra e Uttar Pradesh são ambos dominados por eleitores rurais que, em conjunto, foram responsáveis pela eleição de 128 deputados dos 545 membros da câmara baixa do Parlamento. Isso significa que resultados eleitorais fracos nestes dois estados podem levar a uma derrota de Modi nas eleições marcadas para Maio ou podem fazer com que os nacionalistas hindus seja forçado a formar um governo de coligação.
Os agricultores dizem que as falhas no programa governamental de apoio às colheitas e a fraca procura externa contribuíram para o actual excesso de cebolas. E, enquanto o preço da cebola desceu, aumentaram os custos dos fertilizantes e nutrientes para as plantações, graças, em parte, ao enfraquecimento da rupia.
Talvez o mais importante de tudo, o BJP entrou em funções no Governo em 2014 determinado em abandonar a política de subsídios – o que pode ter resultado enquanto os preços se mantiveram relativamente altos, mas deixou vulnerável o partido nas zonas agrícolas, quando os preços desceram.
A Reuters tentou falar com o gabinete do primeiro-ministro, mas não obteve resposta.
“Estamos a passar pela pior fase”
Muitos agricultores culpam Modi por não resolver as falhas de um programa de protecção de preços que cobre apenas 7% dos 263 milhões de agricultores indianos, deixando a maioria dos produtores à mercê dos intermediários.
Também criticam o primeiro-ministro por não criar mais instalações de processamento de alimentos e de armazenamento a frio, o que lhes permitiria armazenar as suas colheitas em vez de serem obrigados a vendê-las imediatamente.
“Votámos no BJP à espera de melhores dias, tal como foi prometido por Modi, mas agora estamos a passar pela pior fase”, disse Madhav Pawase, produtor de cebola, apontando para a sua colheita podre armazenada numa instalação temporária na vila de Hivargaon, a cerca de 130 quilómetros a nordeste de Bombaim, o centro financeiro da Índia.
“Eu gastei mais de 80 mil rupias [mil euros] para produzir 15 toneladas de cebolas nos meus dois acres de terra [quase um hectare], mas com os preços actuais não vou recuperar mais de 3000 rupias”, acrescentou Pawase.
Alguns agricultores optaram por deixar as cebolas apodrecer nos campos, argumentando que a colheita e o transporte dos produtos para os mercados apenas iriam aumentar as suas perdas.
O BJP foi derrotado pelo Partido do Congresso, o partido dos Gandhi, na oposição, em três dos estados considerados principais nas eleições locais em Dezembro por causa da revolta rural, e o Governo de Modi está sob pressão para dar apoios aos agricultores.
O Partido do Congresso cancelou as dívidas relativas a empréstimos de agricultores nos três estados em que o BJP perdeu e exigiu que o Governo federal fizesse o mesmo em todo o país.
Embora o BJP não tenha, até ao momento, comentado a questão das dívidas dos empréstimos agrícolas, Rajiv Kumar, que dirige o think thank governamental Niti Aayog, disse que a anulação das dívidas não é a solução para os problemas no sector agrícola.
Syed Zafar Islam, um porta-voz do BJP, disse que o Governo iniciou uma série de passos para ajudar os agricultores a obterem preços rentáveis, incluindo um projecto para informar electronicamente os agricultores sobre os preços de mercado em tempo real e ajudá-los a vender directamente aos compradores, eliminando a figura do intermediário. “É um processo que está a decorrer, mas os resultados só vão começar a ser notados dentro de quatro anos”, explicou.
Mas, sinal de que o Governo de Narendra Modi está a começar a olhar para a crise de forma séria, o executivo duplicou os incentivos à exportação para os produtores de cebola para os 10%. O Governo explicou em comunicado que esta medida vai resultar numa melhoria dos preços das cebolas no mercado doméstico.
Preço das batatas
Em Mujahidpur, no Uttar Pradesh, o maior produtor de batata da Índia, os agricultores lamentam-se pela queda de 86% do preço do produto, que está nas 2500 rupias (31,5 euros) por tonelada.
“Perdi todo o investimento de 100 mil rupias que fiz para produzir batatas num hectare”, disse Gopi Chand, de 55 anos, sentado junto aos campos amarelos e brilhantes da mostarda. Chand explicou que ele e outros agricultores da região desistiram das batatas para começarem a produzir mostarda.
Os agricultores nesta região também se queixam do aumento dos custos de produção.
O preço do fertilizante fosfato de diamónico subiu de 400 para 1450 rupias por um saco de 50 quilos, disse Babloo Singh, de Mujahidpur. As taxas aplicadas a este fertilizante subiram por causa do aumento dos preços no exterior e à fraca moeda indiana.
“Os custos mais altos e os preços baixos da batata deixaram-nos endividados”, disse Singh. “A situação teria sido diferente se houvesse mais instalações de armazenamento a frio e fábricas de processamento de alimentos no nosso estado.”
A queda no preço não beneficiou os consumidores graças à cadeia de intermediários.
Em Lasalgaon, o maior centro de comércio de cebolas do país, a maioria dos agricultores está a vender os seus produtos a duas rupias por quilo. Mas os consumidores em Bombaim estão a pagar 20 rupias por quilo. Entre Lasalgaon e Bombaim, separadas por 220 quilómetros, os comerciantes dizem que as cebolas passam por pelo menos quatro levas de intermediários, que lhes adicionam uma significativa margem por cada um.
Reuters