O problema maior não está no acesso!
O concurso nacional de acesso é um resquício do tempo (não tão distante) em que ensino secundário significava “ensino liceal” totalmente homogéneo.
O nosso maior atraso educativo não está hoje no ensino superior, mas no insucesso/abandono do ensino secundário que pode atingir perto de 30% da coorte. No acesso ao ensino superior temos ainda problemas de equidade, um atraso ignorado nas políticas nacionais e pouco trabalhado a nível institucional.
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O nosso maior atraso educativo não está hoje no ensino superior, mas no insucesso/abandono do ensino secundário que pode atingir perto de 30% da coorte. No acesso ao ensino superior temos ainda problemas de equidade, um atraso ignorado nas políticas nacionais e pouco trabalhado a nível institucional.
O concurso nacional de acesso (CNA) ao ensino superior é alimentado principalmente pela via científico-humanística do ensino secundário que abrange um pouco mais de 40% da coorte, uma percentagem comparável à de outros países europeus e norte americanos. A criação muito tardia dos cursos Técnicos Superiores Profissionais (TeSP) deprime ainda o indicador de diplomados nos 30-34 anos que passará para mais de 45% quando o seu impacto chegar aos 30 anos de idade dos jovens estudantes. Esta a realidade atual. Na próxima década teremos de enfrentar a quebra demográfica, mas uma simples extrapolação da tendência observada desde 2000 permite prever que o CNA vai resistir razoavelmente, não baixando mais de 5%, o que será mais do que compensado pelos estudantes de TeSP que irão prosseguir para licenciatura (ver dados técnicos em maissuperior.blogspot.com). Temos assim uma garantia razoável de que a rede de ensino superior manterá a procura estudantil, enquanto prossegue o trabalho de atração de mais estudantes internacionais.
Um jovem que termine hoje o ensino secundário pode optar por uma de três vias de ensino superior: (i) um ciclo curto de 3 semestres com um 4º semestre obrigatório de estágio para o diploma de TeSP; (ii) uma licenciatura de 6 semestres desenhada para a entrada no mercado de trabalho numa área profissional bem definida ou; (iii) um mestrado integrado de 10 a 12 semestres ou uma licenciatura de 6 semestres desenhada para a continuação de estudos num mestrado de 4 semestres tendo em vista (em geral) uma área profissional reconhecida. O atraso claro do sistema português está nos ciclos curtos de TeSP que recebem hoje cerca de 5% da coorte enquanto têm mais de 20% dos estudantes de ensino superior em Espanha e França e bastante mais nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, alguns destes ciclos curtos são planeados para a transferência de estudantes para cursos mais longos (de 4 anos nos Estados Unidos), mas na maioria dos países europeus esta transição é difícil e rara. Em vários países europeus, os ciclos curtos têm uma entrada mais competitiva do que muitas licenciaturas universitárias. Claramente, temos aqui uma fragilidade a ultrapassar.
Como em todos os países, a entrada em alguns cursos terá de ser seletiva e deve ser desenhada de modo a garantir o sucesso dos admitidos. O processo de seriação/seleção deve focar-se na identificação do potencial dos candidatos e ser transparente para que todos compreendam o resultado. Nos países com currículo secundário homogéneo, as suas provas finais (ou outra equivalente) são normalmente usadas. Nos países com currículos diversificados, recorre-se a testes menos dependentes dos conhecimentos específicos próprios de cada currículo. Para os cursos mais competitivos, os exames ou testes nacionais podem não ter a necessária elasticidade de avaliação e muitas instituições estão a usar testes próprios de competências. No primeiro grupo está o sistema de A-levels britânico e a selectividad espanhola. O melhor conhecido segundo caso é o dos Estados Unidos onde, a inexistência de um currículo nacional e uma forte diferenciação das missões das universidades levou à universalização dos testes. (O teste SAT do College Board é usado anualmente por mais de 2 milhões de jovens, uma percentagem da coorte semelhante à que se apresenta em Portugal ao CNA.) Em todos os casos, a opção de via terminal do ensino secundário determina o espaço de escolha de entrada no ensino superior.
O concurso nacional de acesso é um resquício do tempo (não tão distante) em que ensino secundário significava “ensino liceal” totalmente homogéneo. Hoje, a via de acesso pelo CNA é complementada por um sistema de concursos locais por onde são admitidos em licenciaturas cerca de 1/3 dos estudantes. São em geral as menos competitivas onde o teste deve avaliar apenas o potencial de sucesso do candidato e a seriação é menos importante. A admissão em cursos de TeSP está nesta segunda categoria.
Para mantermos a credibilidade e o prestígio social dos nossos diplomas e graus académicos, interessa reforçar a sua qualidade e garantir o rigor na avaliação do potencial dos candidatos. O CNA tem garantido elevados padrões que interessa manter, o que não impede o alargamento do acesso a outros públicos e o crescimento acompanhado da diversificação dos objetivos.