O declínio dos partidos do centro político em Portugal
Três fatores podem explicar a crise da oposição não socialista ao atual Governo.
A cerca de um ano de eleições legislativas, o PSD e o CDS parecem arrastar-se, como sonâmbulos, para uma derrota eleitoral que, salvo algum evento cataclísmico que afete a área do poder, poderá ser histórica. Histórica não só pelo peso dos maus resultados prováveis, mas também pela fragmentação das opções de voto potenciada por micro-partidos dissidentes (a “Aliança” e o “Chega”), e ainda pela ausência de líderes alternativos credíveis às atuais chefias partidárias.
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A cerca de um ano de eleições legislativas, o PSD e o CDS parecem arrastar-se, como sonâmbulos, para uma derrota eleitoral que, salvo algum evento cataclísmico que afete a área do poder, poderá ser histórica. Histórica não só pelo peso dos maus resultados prováveis, mas também pela fragmentação das opções de voto potenciada por micro-partidos dissidentes (a “Aliança” e o “Chega”), e ainda pela ausência de líderes alternativos credíveis às atuais chefias partidárias.
A anemia do PSD e CDS ocorre, paradoxalmente, num tempo em que na Europa o populismo de direita está em maré alta, os desgastados partidos do centro-direita ainda sobrevivem em coligação na maioria dos Estados e os partidos socialistas agonizam em vésperas de um péssimo resultado nas eleições europeias. Três fatores podem explicar a crise da oposição não socialista ao atual Governo.
O primeiro fator prende-se com o legado da austeridade. Tanto em 2002, como em 2011, os executivos PSD/CDS lidaram com pesadas crises financeiras herdadas dos governos de centro-esquerda, adotando medidas de austeridade que os estigmatizaram junto de uma franja da população que não as compreende nem aceita. Essa franja utilitarista prefere, face à alternativa oferecida por uma oposição ligada a um passado recente de sacrifícios, apoiar um Governo socialista que, num ciclo económico favorável, geriu com habilidade e imaginação a política de rendimentos, mantendo-lhe ou melhorando-lhe o nível de vida no curto prazo.
O segundo fator liga-se à incapacidade do PSD e do CDS em fazerem uma oposição eficaz e constituírem, conjuntamente, uma alternativa coerente e atrativa de poder, verificando-se que a maior oposição ao atual Governo (sentida a partir de greves e protestos) é oriunda da sociedade civil e assume natureza inorgânica.
Para muitos, mesmo para os que apoiaram a nova liderança do PSD (como o autor destas linhas), esta revelou-se uma deceção. Se é certo que Rui Rio enfrenta um grupo parlamentar dividido, putativos candidatos a líder do partido que diariamente o fustigam nos media e uma comunicação social hostil, não é menos certo que o mesmo não fez muito para evitar esse desgaste, ao usar uma truculência nem sempre justificada contra militantes, adversários internos, magistrados e os media, facto incompreensível para quem não domina as redes sociais.
Haverá também que convir que a maioria dos membros da direção constitui um “melting pot”, cujo perfil e currículo não convence setores do eleitorado de que seriam melhores ministros do que os do Governo atual. No plano estratégico, perguntar-se-á como é que a atual direção pretende mobilizar a militância e potenciais votantes com uma política de “galões mornos” no apoio, por vezes não solicitado, a medidas da atual maioria, dando a impressão de que ao invés de querer ganhar eleições, pretende antes substituir-se à “geringonça” como parceiro do PS? Semelhante estratégia, a subsistir, não ganha votos ao centro e pode até gerar um aumento da abstenção ou o voto em outros partidos, incluindo o PS, pois há quem seja tentado a favorecer uma maioria absoluta socialista que evite a entrada do Bloco no Governo.
O PSD foi marcado por lideranças fortes e Cavaco como primeiro-ministro constitui, ainda, um paradigma, pelo que um vasto setor elegeu Rio para que este encarnasse uma liderança desse tipo. Muitos terão esperado que urbanizasse o discurso e avançasse soluções para a tributação asfixiante das classes médias que sustenta vícios de um pesado Estado-assistencialista; a sustentabilidade da previdência; a ineficiência do sistema de saúde; o sequestro do sistema de ensino pela Fenprof; e os desafios do controlo da imigração. Até agora, essa aposta falhou.
Quanto ao CDS, surpreende que a marcação que faz ao Governo, seguida de soluções alternativas pontuais, não tenha dado frutos, atento o desalento que grassa nas bases do PSD. Não se entende porque é que o CDS marca passo atrás do Bloco e não faz fulgir a sua mensagem. Alguns dirão que o eleitorado cristão-conservador não digere a agenda de alguns jovens liberais “avant garde”. Outros, argumentarão que os conservadores e liberais torcem o nariz à doutrina social do Papa Francisco que a líder do partido diz ter como bandeira. Outros, ainda, acharão "kitsch” a colagem às reivindicações dos “coletes amarelos” na desalentada versão nacional.
O terceiro fator do declínio do PSD e do CDS é estrutural e deriva do facto patológico de Portugal ser o único Estado europeu em que as preferências do eleitorado da direita e do centro-direita não têm representação nos programas e no discurso político desses dois partidos que insistem na sua natureza centrista. Não está sequer em causa que Portugal seja dos poucos países da União Europeia onde não existem partidos populistas à direita, mas sim o facto de ser o único País que não tem, sequer, um partido conservador ou de centro-direita. As causas do fenómeno são ainda inconclusivas, podendo ser avançadas três: i) a ilegalização dos partidos direitistas durante o PREC deixou o PSD e o CDS a cobrir o eleitorado desse setor; ii) A inércia clubista dos eleitores portugueses favoreceu um sistema partidário petrificado que se defende, combatendo a génese de novos partidos; iii) A existência de uma cultura do “politicamente correto” dominada pela esquerda a qual, a partir do establishment político e do “Clube dos Amigos Disney” das faculdades das ciências sociais, articulados com os media dominantes, estigmatiza o ideário da direita política, que ora identifica com o neoliberalismo, ora com um populismo rotulado de fascista.
Em tempos de insatisfação inorgânica de parte da sociedade civil, a oferta ideológica do PSD e CDS às classes médias urbanas e rurais consiste num receituário que poderá ter passado o prazo de validade. O regresso afunilado à social-democracia “a preto e branco” do PSD, na sua versão leve, tem o demérito de concorrer com uma ideologia análoga corporizada pelo PS, da qual tende a não se diferenciar. Já a democracia cristã do CDS (que, salvo na Alemanha, se encontra em vias de extinção) já não entusiasma os eleitores. Não havendo um golpe de leme, os resultados das próximas eleições podem ter efeitos tectónicos nos dois partidos centristas e, numa Europa em ebulição, nada garante que os partidos tradicionais sejam eternos, como se comprova com o colapso do PS francês e do Pasok grego.
Alguns acalentam a esperança de que, após um mau ato eleitoral, se possa restruturar o sistema partidário na área do centro-direita, tal como sucede em Espanha, com o PP, o Ciudadanos e até o Vox condenados a entender-se. É uma hipótese que nunca prosperará sem líderes credíveis e com carisma e se o processo for conduzido sempre pelos mesmos, com a reciclagem de velhos programas que ignorem as preferências do eleitorado. Refundações partidárias que passem por deitar vinho novo em odres velhos não inverterão o ciclo de declínio do centro político em Portugal.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico