Uma “encenação” em Dover e muita contestação ao no deal no regresso da novela do “Brexit”

Trabalhistas e conservadores movimentam-se para bloquear saída da UE sem acordo, no dia em que o Governo ensaiou, com apenas 89 camiões, uma solução para evitar disrupções na alfândega, pensada para seis mil veículos. Corbyn fala em “farsa”, camionistas em “perda de tempo”.

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Finda a pausa natalícia e reabertas as portas do Parlamento, a classe política britânica retomou esta segunda-feira o debate sobre o emaranhado processo do “Brexit”. Com a votação decisiva do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, marcada para dia 15, com um desfecho imprevisível, o Governo de Theresa May prossegue os preparativos para um divórcio sem acordo. Em Kent teve lugar um ensaio com 89 camiões, descrito por quem participou como uma “perda de tempo” e pela oposição como uma “encenação”.

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Finda a pausa natalícia e reabertas as portas do Parlamento, a classe política britânica retomou esta segunda-feira o debate sobre o emaranhado processo do “Brexit”. Com a votação decisiva do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, marcada para dia 15, com um desfecho imprevisível, o Governo de Theresa May prossegue os preparativos para um divórcio sem acordo. Em Kent teve lugar um ensaio com 89 camiões, descrito por quem participou como uma “perda de tempo” e pela oposição como uma “encenação”.

Ao mesmo tempo, em Westminster, conservadores e trabalhistas lançaram estratégias para bloquear o no deal.

O Partido Trabalhista prepara-se para apoiar uma emenda à lei do Orçamento. Proposta pela sua deputada Yvette Cooper, a emenda pretende restringir a capacidade do Governo para aprovar alterações fiscais num cenário de “Brexit” sem acordo, prevista numa das cláusulas da actual legislação. A proposta tem o apoio de membros de outros partidos e estabelece que a referida cláusula só pode ser aplicada com a autorização dos deputados.

Um outro movimento contestatário ao no deal partiu de uma iniciativa promovida por Caroline Spelman (Partido Conservador) e Jack Dromey (trabalhista). Os dois deputados escreveram uma carta à primeira-ministra a implorar por uma rejeição do mais imprevisível dos cenários. Segundo os media britânicos, já terá sido assinada por mais de 200 parlamentares, de diferentes partidos.

Mas o prato forte do dia foi o simulacro em Kent, no Sudeste do país. O objectivo era testar uma das soluções pensadas pelo executivo conservador para atenuar as demoras na alfândega, causadas pelo controlo forçoso das mercadorias que entram e saem do Reino Unido, através do porto de Dover e das infra-estruturas adjacentes. Uma realidade inevitável num cenário de não-acordo

Pela região de Dover passam diariamente cerca de dez mil camiões de mercadorias. Simulações recentes do Imperial College London e das Auto-Estradas de Inglaterra estimam que, por cada minuto extra de controlo alfandegário no Eurotúnel – que liga Folkestone (Inglaterra) a Calais (França) – em hora de ponta, a fila de veículos pode aumentar em 16 quilómetros na auto-estada M20, o principal acesso rodoviário entre o porto e os arredores de Londres.

Para evitar o congestionamento das vias de comunicação na região de Kent, o Governo quer transformar o inactivo aeroporto de Manston, localizado a cerca de 30 quilómetros a Norte do porto, num parque de estacionamento capaz de albergar seis mil camiões. E por isso simulou uma enchente de veículos no percurso entre Manston e Dover.

O ensaio envolveu a mobilização de colunas de camiões através da estrada A256, primeiro às 8h e depois às 11h, e correu às mil maravilhas, com o percurso a ser percorrido em cerca de uma hora. A razão do sucesso, apontam os camionistas e entidades ligadas ao sector dos transportes, foi o número “irrelevante” de veículos que participaram.

“Foi uma perda de tempo. É verdade que experimentaram alguma coisa, mas fazer isto com 80 camiões não é testar o sistema”, afirmou um camionista ao Guardian. “O trânsito aqui é moderado. Não será nada assim se houver um no deal”, apontou outro.

A Road Haulage Association, uma associação comercial dedicada ao transporte rodoviário britânico, reagiu na mesma linha. “É impossível reproduzir, com 80 camiões, o efeito de ter um um número potencial de seis mil camiões dentro e nos arredores de Kent e Manston. Este planeamento deveria ter sido feito há meses e, preferencialmente, numa escala maior. Duvido que muitos camionistas tenham ficado impressionados com este ensaio”, aponta Rod McKenzie, director-geral na associação. “Os críticos podem olhar para isto com um exercício de fachada”, assume.

De Kent para a bancada trabalhista na Câmara dos Comuns de Westminster, em Londres, o tom não mudou muito. Na sessão plenária da tarde, no dia da reabertura dos trabalhos no Parlamento, Jeremy Corbyn rotulou o simulacro como uma “encenação”, montada pelo Governo para forçar os deputados a terem de escolher entre o acordo de May ou um divórcio sem acordo – chamou à estratégia de “Projecto Medo”.

“Hoje assistimos a uma farsa, com camiões alinhados para encenar um engarrafamento em Kent, numa tentativa de mostrar à UE que o Governo está preparado para um no deal”, acusou o líder do Labour. “Mas o Governo não engana ninguém. A realidade é que não existe uma maioria nesta câmara que apoie o no deal. Porque é que o Governo não encara esta realidade e pára de gastar o nosso tempo e dinheiro?”, questionou.

Corbyn esteve no Parlamento para inquirir Theresa May – ausente para lançar um novo programa para o serviço nacional de saúde) – sobre as garantias adicionais que, segundo um porta-voz de Downing Street, estariam a ser discutidas entre a primeira-ministra e alguns líderes europeus, para facilitar a aprovação do tratado de saída, contestado por todos os partidos com assento parlamentar.

Fontes europeias, citadas pelo Guardian, insistem na impossibilidade de se alterarem quaisquer disposições ao texto negociado entre Londres e Bruxelas. Admitem apenas reforçar a intenção de fechar um acordo de parceria económica até ao início de 2021, evitando, dessa forma, a manutenção do Reino Unido numa união aduaneira, acordada pelas partes para evitar uma fronteira física entre Irlanda do Norte e República da Irlanda.