Georges Dussaud: “A Índia não é uma viagem banal”
L’Odeur de l’Inde é o novo álbum de fotografia do artista francês, que recupera também o texto homónimo que Pier Paolo Pasolini escreveu depois de uma viagem àquele país-continente em 1961, acompanhado por Alberto Moravia e Elsa Morante.
É verdade que, ao fundo, entrevemos a silhueta da arquitectura exótica do Taj Mahal, além de que há mulheres felizes a passear em riquexós, ou pedaços de uma natureza luxuriante. Mas também vemos cidadãos de corpo vergado sob o peso do trabalho, crianças quase nuas, a desordem do trânsito ou as marcas de uma pobreza generalizada…
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É verdade que, ao fundo, entrevemos a silhueta da arquitectura exótica do Taj Mahal, além de que há mulheres felizes a passear em riquexós, ou pedaços de uma natureza luxuriante. Mas também vemos cidadãos de corpo vergado sob o peso do trabalho, crianças quase nuas, a desordem do trânsito ou as marcas de uma pobreza generalizada…
“A Índia não é uma viagem banal”. Quem o diz é o fotógrafo francês Georges Dussaud (n. Brou, 1934), que acaba de editar um novo álbum, L’Odeur de l’Inde (Les Éditions de Juillet), reunindo uma selecção de imagens que registou naquele país-continente em cinco viagens realizadas nas décadas de 1990 e 2000.
L’Odeur de l’Inde adopta um título já com história, pois retoma o texto integral – agora acrescentado com as fotografias de Dussaud – do livro homónimo de Pier Paolo Pasolini (1992-1975) inicialmente publicado em Itália pela Longanesi, em 1962 (e em Portugal em 2008, com o título O Cheiro da Índia, pela 90º Editora), revisitando a experiência da viagem que o escritor-cineasta fizera em 1961 àquele país na companhia do casal de escritores Alberto Moravia (1907-1990) e Elsa Morante (1912-1985).
Quem conhece esse relato de Pasolini sabe da impressão negativa com que o autor de Accatone – o seu filme de estreia, realizado nesse mesmo ano – saiu da Índia, mesmo se entre a miséria mais extrema conseguiu intuir a “espiritualidade mais inesperada nos confins de uma humanidade primitiva”.
E como é que Georges Dussaud conciliou a visão de Pasolini com a sua experiência pessoal nesse país (e a da sua companheira Christine, cúmplice fiel de uma obra que vai já em quatro décadas de exposições e livros)? “É verdade que ele, e nós, vimo-nos confrontados com cenas chocantes, insuportáveis, que nos incomodaram e nos fizeram perder as nossas referências”, responde o fotógrafo ao P2.
Como aconteceu com Pasolini, Dussaud também testemunhou na Índia a brusca passagem de situações difíceis de suportar para outras “cheias de uma ternura infinita”. E se admite que o seu olhar se cruzou, inúmeras vezes, com as impressões descritas pelo escritor italiano, virou mais vezes a sua Leica para “a beleza, a graça e a atmosfera sagrada” de um país que, de resto – realça Dussaud –, também ofereceu a Pasolini a oportunidade de realizar um filme como As Mil E Uma Noites (1974).
Georges Dussaud é um autor com obra sobejamente reconhecida em Portugal, país que visitou pela primeira vez em 1980 e que, desde então, tem vindo a percorrer e a fotografar repetidamente, ano após ano, com uma atenção especial às terras do Norte, entre o Douro e Trás-os-Montes – uma carreira que lhe valeu, de resto, ter sido a figura homenageada na última edição do encontro Plast&Cine, em Bragança, em Outubro. Foi na capital transmontana que falou ao P2 da sua nova publicação, e comparou a sua experiência na Índia com a quem tem vivido junto das populações portuguesas, seja em cidades como Bragança e o Porto, seja nas aldeias das Terras do Barroso.
“A diferença entre a Índia e Portugal é que aqui nós temos uma grande proximidade cultural, e aquilo que vemos não mexe propriamente connosco”, nota Dussaud. Nas viagens que fez à Índia entre 1993 e 2006, percorrendo várias cidades e estados do país – de Calcutá a Benares, de Uttar Pradesh a Karnaka –, o casal Dussaud experimentou situações bem diversas. “Quando estivemos no sul, em Kerala, fomos acolhidos por um casal de dançarinos profissionais, e aí conseguimos uma certa intimidade, e a possibilidade de entrar no seu quotidiano; por exemplo, ir às escolas, onde normalmente os fotógrafos não são autorizados a entrar”, diz Dussaud, admitindo, no entanto, que nada é aí tão fácil como em Portugal.
“Mas rapidamente descobri que se tratava de um país formidável para fotografar, um lugar onde estamos permanentemente a ser surpreendidos com cenas de um quotidiano que decorre mais nas ruas e no campo do que propriamente dentro das casas”, acrescenta o fotógrafo, que disse ter experimentado “uma solicitação visual permanente”. E que muito rapidamente se sentiu “à vontade para fotografar as pessoas”.
L’Odeur de l’Inde, que saiu em França em Dezembro, é a segunda experiência de Georges Dussaud com a chancela bretã Les Éditions de Juillet, depois de Intuitions Photographiques (2009), uma selecção de imagens e reflexões sobre fotografia, com texto da jornalista Christine Barbedet, e que curiosamente reúne fotografias da Índia e de Portugal, e também da Irlanda.