Selina, o nome da nova praça pública no centro do Porto
A primeira lança na Europa da marca Selina, uma cadeia fundada no Panamá há quatro anos, é um hotel urbano instalado numa das mais concorridas artérias da Baixa do Porto. A marca quer construir-se com a comunidade local – e em troca deu à cidade um novo jardim.
Quando Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável, inscreveu para a posterioridade a expressão “espetar uma lança em África” estava a referir-se às dificuldades que era preciso ultrapassar. Quando a ainda jovem cadeia de hotéis Selina, fundada há apenas quatro anos, mas já com 28 unidades na América Latina, anunciou o primeiro hotel na Europa, não deve ter pensado em lanças, mas antes em bandeiras. E escolheu a Baixa do Porto e uma das suas ruas mais emblemáticas, junto à Praça de Carlos Alberto, para testar um novo conceito.
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Quando Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável, inscreveu para a posterioridade a expressão “espetar uma lança em África” estava a referir-se às dificuldades que era preciso ultrapassar. Quando a ainda jovem cadeia de hotéis Selina, fundada há apenas quatro anos, mas já com 28 unidades na América Latina, anunciou o primeiro hotel na Europa, não deve ter pensado em lanças, mas antes em bandeiras. E escolheu a Baixa do Porto e uma das suas ruas mais emblemáticas, junto à Praça de Carlos Alberto, para testar um novo conceito.
Os hotéis Selina são uma espécie de automóvel híbrido que tanto funciona a corrente eléctrica como a combustível. Também eles se propõem a hospedar tanto quem procura um boutique hotel e não dispensa a privacidade e os pequenos detalhes que lhe dão charme, como dá resposta a quem procura apenas uma cama num dormitório onde encontre segurança e, claro, roupa lavada na cama.
Por serem dois conceitos tão antagónicos no largo espectro da oferta de alojamento, a minha curiosidade em experimentar o que uma cadeia como o Selina se propõe oferecer foi crescendo na exacta proporção em que aumentavam as minhas leituras sobre o hotel e as suas unidades. Experienciei o 29.º hotel da cadeia, o primeiro dos 20 que querem abrir em Portugal nos próximos quatro anos, e o primeiro da Europa, um continente onde ainda não se atrevem a quantificar a ambição, numa sexta-feira à noite. Achei que era um dia perfeito para cruzar todas as valências que a marca se propõe oferecer.
Para ser mais honesta, devo ainda dizer que as razões da minha curiosidade assentavam em dois momentos distintos. Passava muitas vezes na Rua das Oliveiras, as antigas instalações do PÚBLICO no Porto eram ali perto. Mas houve um dia em que as portas do n.º 61 estavam mais escancaradas e percebeu-se que a partir daquele prédio se tinha acesso a um amplo espaço verde. Lembro-me de pensar nos incríveis quintais e nas esplanadas em sítios antes fechados que o movimento de reabilitação urbana no Porto estava a revelar. Já havia obras e eu não conseguia perceber o que eram aquelas estruturas em betão, quais caixotes, todas iguais. Seriam apartamentos? E não pensei mais nisso, até chegar a notícia da inauguração do Selina, com morada acoplada. “Então era isso!...”, pensei.
Foi aí que surgiu o segundo momento da minha curiosidade. Como é que aquele espaço serve o conceito que usam os fundadores do Selina e que passa por “construir comunidades”, criando espaços a pensar nos nómadas digitais? Pessoas que viajam por todo o lado, que trabalham enquanto viajam, que querem experiências em vez de objectos. A comunicação do Selina passa toda pelo conceito de que não oferecem apenas alojamento, mas também espaços para os viajantes se ligarem com outros viajantes e com as comunidades locais. Sim, uma sexta-feira no Porto era um bom dia para testar isso.
Sexta-feira foi, por isso, uma boa noite para perceber que os amplos jardins, que estão cheio de pouffs, bancos e recantos, estavam ocupados por hóspedes estrangeiros, mas também por portuenses. E que a pretensão de quase oferecer à cidade uma nova praça com esplanadas e recantos para o convívio de amigos de velha data e pessoas que acabam de se conhecer já começava a ser uma realidade.
Cheguei bem antes do jantar, para fazer o check-in. Não fiquei em nenhum dos quartos da casa principal, onde está a oferta mais para o segmento das pessoas que procuram um boutique-hotel, mas antes num dos quartos privados que estão virados para o tal jardim. O Selina Porto tem 160 camas, em 18 quartos privados e em dormitórios de quatro, seis e oito hóspedes. Todos eles têm casa de banho e nenhum tem televisor. Alguns têm, como o meu, um lindíssimo leitor de vinis. Um pormenor que me conquistou.
O hotel não oferece (ainda) serviço de restaurante, mas tem estacionado no jardim um food-truck cuja especialidade são os tacos. Não era o que me estava a apetecer – e, vantagem ou problema de quem conhece bem as opções nas redondezas, o jantar havia de ser fora do hotel. O jardim, o food-truck, a música (todos os fins-de-semana, há um DJ set instalado no jardim), o bar, tudo havia de lá estar até à 1h, pelo que tinha tempo para viver o espaço. No regresso do jantar percebi bem que, com apenas dois meses de portas abertas, o Selina Porto já tinha conseguido demonstrar a validade do seu conceito. Serve famílias e mochileiros, trabalhadores e aventureiros.
Vi cirandar pelos corredores famílias com crianças, e imaginei que até então tinham aproveitado para usufruir da sala de cinema (na verdade, um ecrã gigante a encher uma das paredes de uma sala da casa principal onde abundam sofás em vez de cadeiras) ou da biblioteca, onde pontuam livros de viagem, mas não só. Encontrei um viajante solitário agarrado a um computador na sala de co-working, um acolhedor e criativo espaço. Vi grupos de todos os tamanhos e feitios a espalharem-se pelas espreguiçadeiras e pelos bancos de jardim, quase todos com copos de cerveja, ou vinho, que iam buscar ao bar de estilo rústico que existe no edifício principal.
Percebi que é verdade que no Selina só está sozinho quem quer – e, quem quiser, pode muito bem fazê-lo – e que abundam os convites à partilha e ao convívio. Confirmei que tem muita oferta de passeios e experiências para conhecer a cidade – que vão da muito típica visita a uma cave de vinho do Porto às propostas de circuito de arte urbana ou da cidade medieval. E, por falar em experiências, fiquei com vontade de voltar ao Selina no Verão. O deck para a prática de ioga que está instalado no meio do jardim merece uma visita. Afinal, as aulas regulares que oferece não se destinam apenas a hóspedes, mas a quem quer que se inscreva.
Está provado que a filosofia de hotel urbano que se abre à comunidade não é só uma frase apelativa que se inscreve em panfletos comunicacionais. É posta em prática. Entretanto, a Baixa da cidade do Porto ganhou com o Selina um novo jardim. E está prometido que em 2019 chega o segundo ao Porto e o primeiro a Lisboa. Há ainda unidades previstas, ou em construção, para a Ericeira, Vila Nova de Milfontes (Alentejo), Douro (Norte), Albufeira e Lagos (Algarve), Peniche (Centro) e arquipélago dos Açores.
A Fugas esteve alojada a convite do Selina Porto