Manuel Luís Goucha: “Não branqueio ditaduras nem ditadores, mas o politicamente correcto é perigoso”

O apresentador do programa Você na TV revela que não decidiu a presença de Mário Machado. Quem o fez foi o autor da rubrica. Goucha defende, no entanto, que esta é "uma oportunidade de ouro para confrontar argumentos e ideias. Chama-se a isso viver em democracia".

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Rui Gaudencio/ Arquivo

Mário Machado, condenado várias vezes por crimes relacionados com ódio racial,​ foi convidado do programa Você na TV desta quinta-feira, com Manuel Luís Goucha e Maria Cerqueira Gomes – “Precisamos de um novo Salazar?” foi ainda o tema da rubrica Diga de Sua (In) Justiça.

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Mário Machado, condenado várias vezes por crimes relacionados com ódio racial,​ foi convidado do programa Você na TV desta quinta-feira, com Manuel Luís Goucha e Maria Cerqueira Gomes – “Precisamos de um novo Salazar?” foi ainda o tema da rubrica Diga de Sua (In) Justiça.

A presença do líder da Nova Ordem Social, que já motivou várias queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), não foi discutida internamente, revela Manuel Luís Goucha em conversa com o PÚBLICO, mas, tal como frisou no início do programa, acha importante que os programas televisivos debatam ideias que possam ser polémicas: "É uma oportunidade de ouro para confrontar argumentos e ideias. Chama-se a isso viver em democracia".

Foi o Manuel Luís Goucha quem escolheu Mário Machado para o programa?
A minha primeira pergunta no programa de ontem foi dirigida ao autor da rubrica: “Bruno Caetano, eu cheguei no dia 26 e soube que íamos ter este convidado, porque é que o convidaste?” Ele explicou e a partir daqui fizemos uma conversa com o Mário Machado procurando, eu e a Maria [Cerqueira Gomes], fazer sempre o contraditório. Se não havia aqui um elemento que contradissesse as suas convicções assumimos esse papel. E fizemo-lo de forma muito clara. Nem a Maria nem eu nos revemos nas ideias do convidado. Mas as ideias, por muito perigosas que sejam, devem ser debatidas e contrariadas com outras ideias que nos parecem justas e que a própria História e práticas democráticas nos provaram que são justas.

Quem viu a conversa teve uma opinião. Da parte da tarde, as coisas inflamaram-se, mas eu sei que a maior parte não ouviu a conversa. É a manipulação, muito vinculada pelas redes sociais. Nem eu nem a Maria convidámos Mário Machado, mas a partir do momento em que ele é nosso convidado temos uma conversa e vamos enfrentar os argumentos.

Como encara a polémica?
A discussão que se gerou foi sobretudo centrada nas redes sociais e é óbvio que a maior parte das pessoas não foi ver a conversa. Porque se fosse percebia que tanto a Maria como eu fomos muito firmes a contestar os pontos de vista. Fizemos aquilo que depois foi feito na TVI24, com um membro da SOS Racismo. Devia ter sido convidado? As ideias de Bolsonaro vingaram sem um debate televisivo. Eu sou da opinião que não devemos ter medo dos debates televisivos, pelo contrário. É uma oportunidade de ouro para confrontar argumentos e ideias. Chama-se a isso viver em democracia. Senão, através das redes sociais, estas ideias podem colher frutos como colheram.

Actualmente onde está o perigo? Na televisão ou nas redes sociais? Não se acabe com as redes sociais, mas não deixem que manipulem. A minha função como entrevistador é falar com todos, desmontando argumentos com dados. Não se fala de Salazar sem se falar de censura, de liberdades restringidas, do Tarrafal, do exílio, da deportação ou da PIDE.

Não estando de acordo com as opiniões do entrevistado, não achou que seria uma espécie de branqueamento trazê-lo ao programa?
Nem eu nem a Maria branqueámos a conversa. É preciso ser contundentes na defesa dos valores da liberdade. Eu não quero ditadores no meu país, sejam de direita ou de esquerda. Uns e outros, em nome de ideologias, restringem a liberdade de pensamento e anulam a individualidade em nome de um colectivo.

A questão de o trazer foi debatida internamente?
A decisão foi exclusivamente do autor da rubrica. Nós viemos de férias de Natal e a rubrica já estava agendada e feito o convite.

E a seguir? Houve alguma discussão sobre o tema?
Não, porque às 13h os comentários eram elogiosos, apesar de não estarem de acordo com a presença de Mário Machado. Isto [a polémica] dura dois dias… Os títulos são enganosos na maior parte das vezes. A opinião pública é manipulada pelos títulos. Quantas vezes já conversei com homens de direita e as minhas opções e convicções sempre foram muito firmes. Delas não cedo, a não ser que me provem que estão erradas. Não branqueio ditaduras nem ditadores, nem de direita nem de esquerda, mas a ideologia do politicamente correcto é perigosa — a não ser que viole a Constituição. Eu expliquei que o racismo e a xenofobia eram inconstitucionais.

Foi o próprio Manuel Luís que pôs a sondagem, onde se perguntava se precisamos de um novo Salazar, no seu Facebook?
Fui eu que pedi uma sondagem com aquela pergunta, como peço se é a favor da corrida de touros. A maioria, como eu estava à espera, disse que não queria um ditador. Qual é o problema? É bom recordar que num programa recente da RTP, os telespectadores elegeram a figura de Salazar como o maior português de sempre. Concordei? Claro que não. Mas é uma figura que faz parte da nossa História, uma figura incontornável do século XX. É bom que se fale dela com tudo aquilo que ela implica. Até para não voltarmos a ter outros Salazares.