Muitas universidades não registam dados sobre plágio

Todas as instituições têm regulamentos para punir fraude académica e apenas uma, o Politécnico de Beja, não dispõe de software próprio para detectar plágios. Burocracia interna dissuade os professores de reportarem casos.

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teresa pacheco miranda

Dois terços das instituições de ensino superior não dispõem de dados sobre os casos de plágio ou fraude cometidos pelos seus alunos em provas ou trabalhos académicos. Este número é o resultado de um inquérito feito pelo PÚBLICO ao qual responderam mais de metade das universidades e politécnicos públicos. Entre as que recolhem estas informações, registam-se em média 3,3 casos de fraude por ano. É um número “muito baixo”, comenta Aurora Teixeira, do Observatório de Economia e Gestão de Fraude.

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Dois terços das instituições de ensino superior não dispõem de dados sobre os casos de plágio ou fraude cometidos pelos seus alunos em provas ou trabalhos académicos. Este número é o resultado de um inquérito feito pelo PÚBLICO ao qual responderam mais de metade das universidades e politécnicos públicos. Entre as que recolhem estas informações, registam-se em média 3,3 casos de fraude por ano. É um número “muito baixo”, comenta Aurora Teixeira, do Observatório de Economia e Gestão de Fraude.

No final de Novembro passado, a Universidade de Coimbra (UC) anunciou, em comunicado, ter punido 77 estudantes por plágio ou fraude académica nos últimos seis anos. Na sequência da divulgação dessa informação, o PÚBLICO contactou todas as restantes instituições de ensino superior públicas.

O PÚBLICO compilou informação de 16 universidades e politécnicos de um universo de 28. Entre as instituições com mais alunos que não responderam estão o Politécnico do Porto, a Universidade Nova de Lisboa e a Universidade do Minho, que, em 2010, foi a primeira em Portugal a anular um doutoramento por plágio.

Um terço das instituições que respondeu ao PÚBLICO não dispõe de dados sobre as práticas de plágio ou fraude cometidas pelos seus alunos. A Universidade de Lisboa, por exemplo, garante que essas informações existem nas faculdades, mas que a reitoria “não dispõe de uma contabilização” de todos os casos detectados. Resposta semelhante foi dada pelo Instituto Politécnico de Santarém. Esta instituição reconheceu não dispor de “dados monitorizados e estruturados sobre o tema”.

O facto de um terço das instituições de ensino superior não sistematizar dados sobre a fraude académica entre os seus alunos “não é, infelizmente, surpreendente”, avalia a investigadora do Observatório de Economia e Gestão de Fraude Aurora Teixeira, que tem vindo a estudar o plágio e a fraude académica há quase uma década. “Em Portugal, persistem muitos pruridos em tratar destas questões porque há um entendimento de que a existência de casos de plágio ou fraude é algo que mancha a reputação das instituições de ensino superior”, explica.

A situação é, para Aurora Teixeira “preocupante”, uma vez que as instituições de ensino superior “deviam dar o exemplo”. Para esta especialista, que é professora na Universidade do Porto, a melhor forma de as universidades e politécnicos combaterem este tipo de práticas é, precisamente, “reunir e divulgar informação”, como fez a Universidade de Coimbra, “para saber como se pode actuar”.

Os dados recolhidos pelo PÚBLICO ao longo das últimas duas semanas permitem distinguir o tipo de instrumentos usados pelas instituições para prevenir e combater este tipo de práticas dentro das instituições. Todas as universidades e politécnicos têm regulamentos internos com normas específicas sobre plágio e a fraude académica.

As sanções para estes casos variam entre a advertência, a anulação de trabalhos ou provas – o que pode resultar no “chumbo” do aluno envolvido na respectiva disciplina –, podendo chegar à suspensão temporária da frequência dos cursos ou mesmo à interdição de frequência da instituição em casos comprovados de plágio ou fraude. De acordo com as informações recolhidas, nenhuma universidade ou politécnico recorreu a esta última solução. Pelo contrário, as restantes sanções previstas nos regulamentos internos têm sido aplicadas regularmente nos últimos anos.

Ainda de acordo com este inquérito, apenas uma instituição de ensino superior não dispõe de um software informático específico para detecção de plágios ao serviço dos seus professores. É o Instituto Politécnico de Beja que, numa resposta enviada por escrito, diz estar a considerar “adquirir num curto espaço de tempo um programa que ajude a despistar eventuais casos que possam aparecer”. Nos últimos seis anos lectivos, este estabelecimento de ensino superior não detectou qualquer caso de plágio ou fraude académica.

Foram 11 as universidades e politécnicos que aceitaram divulgar os dados sobre esta matéria – onde se inclui a Universidade de Coimbra. Contas feitas, a média de situações de plágio ou fraude académica é de 3,3 casos por ano em cada uma das instituições.

Esta média é calculada pelo PÚBLICO tendo por base a informação disponibilizada pelas instituições. Foram solicitados para os últimos seis anos (os mesmos que foram divulgados pela Universidade de Coimbra). Para permitir comparações nos casos em que apenas foi disponibilizada informação relativa a períodos parciais (o último ano lectivo, por exemplo, ou os três anos anteriores), foi calculada uma média dentro de cada uma instituição.

Assim se chega a um resultado que é considerado “muito baixo” por Aurora Teixeira, da Universidade do Porto. No estudo Integridade Académica em Portugal, que coordenou em 2011, metade dos estudantes confessava ter plagiado em trabalhos académicos. A prática mais comum entre os universitários é a "reciclagem" de um ensaio ou trabalho feito anteriormente para outra disciplina e entregue como se de material original se tratasse. Num estudo posterior, feito quatro anos depois, a investigadora concluiu também que cerca de metade dos alunos copiavam nos exames do ensino superior.

Os casos de cópia ou cábula nos exames são considerados fraude académica. Existem outros exemplos, como o que é reportado por uma instituição onde um aluno se fez passar por um colega para responder a um exame. Os casos de plágio são mais comuns em ensaios ou trabalhos académicos (copiados parcial ou totalmente de outros autores, sobretudo recorrente a informação disponível online). Esta prática é cada vez mais usual também em dissertações de mestrado e até em doutoramentos. Há um caso neste ciclo de estudos em investigação na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, por exemplo.

Estes 3,3 casos de plágio ou fraude são, por isso, “apenas a pontinha do iceberg”, no entender desta especialista. Os casos reportados ao PÚBLICO serão apenas aqueles que chegam ao conhecimento das reitorias e presidências dos politécnicos. Outras situações perdem-se no sistema, admite Aurora Teixeira.

“Dentro das instituições ainda não há procedimentos adequados para lidar” com este fenómeno, expõe. Processos internos demasiado complexos podem desincentivar os professores a reportarem estas práticas e a resolvê-las internamente nas salas de aulas.

As instituições que mais casos reportaram ao PÚBLICO foram o Instituto Politécnico do Cávado e Ave, com 18 situações, todas de plágio (em licenciaturas e também em cursos técnicos superiores profissionais), nos últimos cinco anos; e a Universidade do Porto, com 15 casos, tanto de fraude como de plágio. Esta universidade apresenta apenas dados relativos ao último ano. No caso de Coimbra, dos 77 processos que foram divulgados (nos últimos seis anos), 19 estavam relacionados com plágio e os 56 com fraude.