Senador garante que Trump está a reconsiderar retirada da Síria

Depois de um anúncio intempestivo, que ignorou conselhos dos assessores e foi feito sem consultar aliados, um republicano agora tenta limitar os estragos.

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Reuters/BASSAM KHABIEH

Donald Trump é conhecido pela imprevisibilidade das suas decisões (e do anúncio dessas decisões) e pela teimosia que demonstra quando é contrariado (a sua insistência em ter financiamento para o muro na fronteira com o México mantém o governo sem financiamento). Também pode mudar de ideias sobre a retirada das tropas na Síria – segundo o senador Lindsey Graham foi exactamente isso que fez, ao garantir-lhe que continua empenhado em derrotar o Daesh e que está a “reconsiderar a retirada” dos 2000 militares americanos que colaboram com os curdos no combate aos jihadistas.

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Donald Trump é conhecido pela imprevisibilidade das suas decisões (e do anúncio dessas decisões) e pela teimosia que demonstra quando é contrariado (a sua insistência em ter financiamento para o muro na fronteira com o México mantém o governo sem financiamento). Também pode mudar de ideias sobre a retirada das tropas na Síria – segundo o senador Lindsey Graham foi exactamente isso que fez, ao garantir-lhe que continua empenhado em derrotar o Daesh e que está a “reconsiderar a retirada” dos 2000 militares americanos que colaboram com os curdos no combate aos jihadistas.

Desta vez, mesmo que o Presidente dos Estados Unidos recue isso não vai fazer desaparecer as consequências do seu anúncio, a 19 de Dezembro. A decisão que terá sido tomada durante um telefonema com o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, numa conversa que teria como objectivo convencê-lo a não atacar os curdos sírios, principais aliados dos EUA no terreno, já levou a duas demissões: a do secretário da Defesa, Jim Mattis, e a de um dos principais responsáveis americanos no combate aos radicais do Daesh, Brett McGurk.

Para além disso, o anúncio de Trump pôs em marcha uma série de acontecimentos que mudaram o xadrês no combate pelo controlo do Nordeste do país. Com medo de ser esmagada pelas forças turcas na cidade fronteiriça de Manbij, a principal milícia curda, as YPG (Unidades de Defesa do Povo), o braço armado do PYG (Partido da União Democrática), pediu ajuda ao regime de Bashar al-Assad, tendo chegado a um acordo para que as forças leais ao ditador assumam as posições que os curdos vão abandonar.

“Enorme erro, ao estilo Obama”

Seja como for, não é certo que Trump cumpra o que disse a Graham, o influente senador da Carolina do Sul, defensor das Forças Armadas e do papel dos EUA no mundo. “Penso que estamos numa situação de pausa onde estamos a reavaliar a melhor maneira de conseguir os objectivos do Presidente de que mais pessoas paguem mais e façam mais”, afirmou Graham depois do encontro com Trump, numa referência às queixas recorrentes do Presidente sobre a participação dos aliados da NATO nos esforços militares internacionais e nos seus custos.

O que Graham não explicou é o que quer dizer com “reavaliar” a situação e de que forma é que a retirada pode ser adiada ou, pelo menos, feita de uma forma progressiva. O jornal The New York Times especula que em causa possa estar apenas a garantia dada aos oficiais de que podem contar com mais do que 30 dias para organizarem uma saída ordenada.

Inicialmente, Graham, cada vez mais crítico da política externa da Casa Branca, descreveu a decisão de retirada como um “enorme erro, ao estilo [Barack] Obama”. Segundo disse agora aos jornalistas, Trump assegurou-lhe que “vai garantir que o trabalho ali fica feito”. “Ele prometeu destruir o ISIS [acrónimo em inglês para Estado Islâmico do Iraque e do Levante, como o Daesh também é conhecido]. Ele vai manter essa promessa”, diz o senador, que se encontrou com Trump durante o fim-de-semana.

“Penso que estamos a reduzir a velocidade das coisas de uma forma inteligente”, afirmou à saída da Casa Branca. “O Presidente está a reconsiderar como é que fazemos isto. Ele está frustrado, eu percebo.”

“E depois, quem é que nos ajuda?”

Em declarações à CNN, Graham manifestou a sua preocupação com o facto de a retirada deixar “os aliados curdos” expostos a ataques da Turquia.

“Se sairmos agora, os curdos vão ser massacrados”, disse. “E depois, quem é que nos ajuda no futuro? Quero combater o inimigo no seu quintal, não no nosso. Por isso é que precisamos de forças mobilizadas no Iraque e na Síria e no Afeganistão durante algum tempo”, defende.

Os EUA recusaram qualquer envolvimento directo na Síria até que o Daesh decapitou dois jornalistas americanos em menos de um mês, pouco depois de conquistar um vasto território e cidades importantes na Síria e no Iraque, no Verão de 2014. Na altura, o Presidente Obama juntou uma coligação de países para bombardear alvos dos radicais, primeiro no Iraque, bastente mais tarde na Síria. E só no Outono de 2015 é que enviou um pequeno número de forças especiais para aconselhar e treinar os curdos – que os EUA já financiavam.

Obama adiou muito a decisão de enviar americanos e só o fez depois de muitas tentativas para armar vários grupos da oposição a Assad que também se viram a braços com a ameaça do Daesh. O número de forças no terreno foi aumentado e estará hoje nos 2000 (apesar de alguns analistas bem informados dizeram que será um pouco superior). Estes estabeleceram uma rede de bases e pistas aéreas no Nordeste da Síria, mas a maioria estará precisamente em Manbij, que a Turquia ameaçava invadir há meses.

“Assegurar que o Daesh não regressa”

Graham, como outros, tem avisado que sair da Síria vai prejudicar a segurança nacional dos EUA ao permitir que o que resta do Daesh reagrupe e possa voltar a ameaçar cidades de onde foi expulso, ao mesmo tempo que significa uma traição aos curdos que combatem os jihadistas e pode também aumentar a capacidade de o Irão (com a Rússia, o principal aliado do regime sírio, tem militares e milícias no terreno, assim como armamento) ameaçar Israel.

Numa intervenção televisiva antes de ir à Casa Branca, Graham explicou o que tencionava dizer ao Presidente: “Vou-lhe pedir que se sente com os seus generais e reconsidere como fazer isto. Abrandar. Garantir que fazemos isto bem. Assegurar que o Daesh nunca vai regressar”.

Antes do anúncio da retirada, Trump já prometera a Erdogan que ia deixar de armar as YPG – para Ancara, são um grupo terrorista tal como o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão, que combate o Estado turco). Durante o telefonema citado pela imprensa americana, a 14 de Dezembro, Erdogan perguntou a Trump porque é que os EUA mantinham tropas na Síria, se o Daesh já foi derrotado? Com o que sobra do grupo, insistiu, a Turquia pode bem. “OK, vou retirar, fiquem vocês com isso”, terá dito Trump, deixando o próprio Erdogan aflito, a tentar explicar-lhe que o Daesh ainda existe e não está, de facto, derrotado.

O Pentágono diz que está a avaliar planos para uma “retirada deliberada e controlada”, que pode passar por uma saída ao longo de um período de 120 dias.