"Gradualmente, estamos a perder árvores" no Alentejo

Nos últimos 20 anos foram gastos cerca de 350 milhões de euros em florestação e reflorestação de 130 mil hectares de sobro e azinho, investimento que não evitou a morte de milhares de árvores.

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DANIEL ROCHA

Nos anos 50 do século XX, Joaquim Vieira da Natividade, o primeiro estudioso do sobreiro (Quercus suber), identificava nas “pragas, doenças e má técnica, a trilogia fatal dos montados.” E acrescentava um factor que naquele tempo teria uma importância relativa: “omitimos o clima, porquanto este actua em geral apenas como uma causa remota.” Mas o Alentejo está a tornar-se num sítio impróprio para a árvore nacional de Portugal.

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Nos anos 50 do século XX, Joaquim Vieira da Natividade, o primeiro estudioso do sobreiro (Quercus suber), identificava nas “pragas, doenças e má técnica, a trilogia fatal dos montados.” E acrescentava um factor que naquele tempo teria uma importância relativa: “omitimos o clima, porquanto este actua em geral apenas como uma causa remota.” Mas o Alentejo está a tornar-se num sítio impróprio para a árvore nacional de Portugal.

Decorridos que estão quase 70 anos da análise de Vieira da Natividade, a trilogia continua a revelar a sua presença, mas, desta vez, reforçada com as alterações climáticas que desde os anos 80 do século XX, passaram a assumir um papel determinante no declínio do montado de sobro, não tanto na azinheira (Quercus rotundifolia), espécie arbórea que apresenta maior capacidade de resistir a longos períodos de seca, como as que ocorreram ao longo dos últimos três anos.

Pedro Marques Sousa, representante do movimento “Iniciativa Pro-Montado Alentejo - IPMA”, entidade que agrupa autarquias do Alentejo, Ongs ambientais, especialistas e produtores florestais, para reclamar a intervenção no Estado na salvaguarda do sobreiro e da azinheira, explicou ao PÚBLICO a importância decisiva das alterações climáticas no declínio da floresta mediterrânica: “Imagine que os sobreiros claudicavam se tivéssemos mais um ano de seca a juntar às que ocorreram desde 2015, com meses sucessivos de calor. Eu nem quero pensar o que acontecia à indústria corticeira. Seria um caso muito sério” frisa Marques Sousa, revelando que cerca de 70% da actual mancha de montado no Alentejo “está ameaçada se prosseguirem os dias de intenso calor, a baixa humidade atmosférica e a escassez de água no solo.

Os alertas sobre o declínio das plantações de sobro e azinho não são de agora. O Inventário Nacional de Mortalidade (INM) do sobreiro e azinheira realizado entre 2004 e 2006, na Beira Interior Sul, Alto Alentejo, Alentejo Central, Baixo Alentejo, Alentejo Litoral, Algarve, Península de Setúbal, Lezíria do Tejo e Médio Tejo, contabilizou a morte de 305 438 azinheiras e 329 323 sobreiros que representa uma perda de produção de cortiça de 7 409 767 quilos.

O fenómeno é mais evidente “sobretudo nos povoamentos localizados nas serras de Santiago do Cacém, Grândola e Portel”, frisa o representante do IPMA. E aponta, como principais causas directas, o “índice de aridez do solo que é galopante”, e que ocorre ao longo das últimas décadas, “o maior número de secas” com intervalos mais curtos entre cada uma, e que vierem a ter um” grave impacto” em inúmeras manchas florestais que passaram a sofrer de stress hídrico.

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Daniel Rocha

“Gradualmente, estamos a perder árvores”, confirma Francisco Lopes, que integrou um grupo de especialistas que tinha por função estudar a mortalidade do sobreiro e da azinheira. Apesar de já não exercer funções no Ministério da Agricultura, por ter atingido a idade da reforma, critica os que “procuram uma doença para justificar a morte do sobreiro”. Lembra tempos idos em que “até se arranjou um tratamento baseado numa injecção que era dada no tronco da árvore “e os tratamentos com DDT nos anos 60 do século passado, através de pulverizações massivas feitas com meios aéreos.

Mas nem com estes procedimentos os povoamentos de sobreiro se tornaram mais saudáveis. Com efeito, nos anos 90 os serviços florestais foram alertados para o elevado número de árvores mortas ou decrépitas que apareciam em grande parte do Alentejo, impondo a necessidade de se avançar para a recuperação dos montados.

Entre 1986 e 2000, dados do Ministério da Agricultura referem que foram plantados cerca de 118 000 hectares de novos povoamentos de sobreiro e 23 000 hectares de azinheira. Num posterior balanço que a Associação Portuguesa de Cortiça (APCOR) efectuou ao período que decorreu entre o ano 2000 e 2015, as novas plantações superaram “os 130 000 hectares de sobreiros plantados em Portugal e Espanha”. Tudo somado, perfaz 271 000 hectares de novas florestações.

O investimento concretizado na renovação do montado de sobro foi de quase 350 milhões de euros. “Temos de admitir que o resultado final é um imenso falhanço” dos programas de florestação financiados pelo Estado, referiu ao PÚBLICO Nuno de Almeida Ribeiro, professor na Universidade de Évora. Estas plantações já tinham antecedidas de uma outra campanha que decorreu entre os anos 40 e 60 do século passado e colocou nos campos do Alentejo, sobretudo no vale do Sado e do Tejo quase 100 mil sobreiros.

Grande taxa de mortalidade

Apesar de tudo, e decorridas mais de duas décadas das primeiras campanhas de plantação, alguns dos povoamentos que resistiram às ondas de calor e ao prolongado tempo seco “estão prestes a fornecer cortiça” realça Francisco Lopes, enquanto o Ministério da Agricultura reconhece que apesar do aumento no número de árvores plantadas, persistem “grandes taxas de mortalidade e um excessivo número de árvores debilitadas.


Com efeito, a plantação de novas árvores no Alentejo, “regista uma taxa de sobrevivência que não é muito elevada” salienta Domingos Patacho, coordenador do grupo de trabalho das florestas da Quercus. E explica porquê: “Plantar sobreiros para aguentarem os verões que estão a fustigar o Alentejo, torna difícil a sobrevivência das pequenas árvores”. Nas actuais circunstâncias, “é importante manter algum ensombramento para reduzir também a temperatura do solo, criando assim condições de desenvolvimento das novas árvores por beneficiarem da cobertura dos exemplares maiores, que garantem protecção durante o Verão e das geadas no Inverno.

Francisco Lopes diz que “continua a verificar-se o aparecimento de clareiras nos povoamentos de montado” e a consequente redução de árvores por hectare que causam o desaparecimento do ambiente suberícola. E recorda o que Vieira Natividade dizia nos anos 50: “o sobreiro vive bem em ambiente suberícola”, mas este ecossistema está ameaçado. Marques Sousa revela que os adensamentos com sobreiros e azinheiras, plantados em 2005, “foram varridos pela seca.”  

Os montados que há alguns anos tinham entre 100 a 120 árvores por hectare, apresentam agora metade ou até menos. Sabe-se que a perda de árvores debilita um ecossistema porque deixa de ter condições para resistir às alterações climáticas, com secas mais recorrentes e alterações nos períodos em que ocorre a precipitação atmosférica. É neste contexto que “surgem as pragas e doenças, e o inevitável declínio das áreas afectadas”, acentua o docente da Universidade de Évora. “Deixar as clareiras abertas é fomentar a mortandade” sintetiza Marques Sousa.

O risco da desertificação

Acresce ainda um outro constrangimento: a legislação que protege o sobreiro e a azinheira “está constantemente a criar situações de excepção” que permitem os “abates, por vezes ilegais, de árvores, para serem substituídas por culturas superintensivas de olival ou amendoal”, argumenta o dirigente da Quercus.

A experiência e o conhecimento que Almeida Ribeiro colheu ao longo de décadas de estudo sobre os ecossistemas mediterrânicos permitem-lhe concluir que “não há nada de novo para justificar a mortandade do sobreiro”. As causas dos males que afectam as árvores “estão no tratamento dos solos com grades de disco, na perda de matéria orgânica e na dificuldade em manter reserva hídrica” a trilogia de que já falava Vieira Natividade. 

Estes factores somados às alterações climáticas, passaram a alimentar uma opção radical: como o Alentejo deixou de ter condições para a manutenção dos ecossistemas baseados nos montados de sobro e azinho, vários empresários agrícolas e alguns investigadores, advogam a sua transferência mais para norte, sobretudo para a Beira Baixa, alegando-se que, no sul do país, as temperaturas são cada vez mais elevadas e os períodos de seca mais frequentes e prolongados.

O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) Eduardo Oliveira e Sousa já assumiu, publicamente, a necessidade de mudar o montado, alegando que o Alentejo está a transformar-se num “cemitério de sobreiros” devido ao excesso de calor que só possibilita a plantação de oliveiras, certamente com o suporte de rega.

Francisco Lopes reage à proposta que defende a transferência de sobreiros e azinheiras para fora do Alentejo, com uma frase que atribui a Gonçalo Ribeiro Teles: “Por cada sobreiro que morre no Alentejo há um camelo que entra pelo Algarve”. O IPMA repudia o abandono dos montados do sul do país. Significaria “expor mais de 30% do território nacional à desertificação física e humana”. O caminho que esta organização preconiza é outro: erguer no Alentejo uma barreira florestal, solução que “aumentaria a probabilidade de precipitação e uma maior infiltração de água no solo” factor determinante que iria obstar ao stress hídrico.

Almeida Ribeiro aponta o dedo ao Estado português. E deixa um aviso: “Se as entidades públicas não fizerem uma planificação sobre o modo de intervir e rapidamente, na recuperação do montado, dificilmente teremos sobreiros dentro de alguns anos”. O docente da Universidade de Évora explica: “é óbvio que o aumento da temperatura ambiente tornou a Beira Baixa mais quente e consequentemente mais propícia ao montado. Mas esta realidade não diz que o Alentejo deixou de ter condições”.

A solução passa pela expansão e adensamento das manchas de montado no sul do país. Mas tem custos. E estes, superam e muito, os 13,2 milhões de euros que o Governo destinou ao sector no Orçamento de Estado para 2019. O IPMA reclama uma verba de 60 milhões de euros.

Nos últimos surgiu uma nova metodologia baseada no regadio. Mas para Almeida Ribeiro que tem em mãos precisamente o projecto que está a ser dinamizado pela Corticeira Amorim, deixa uma advertência: “O projecto de regar sobreiros só pode ser encarado como uma alternativa de carácter pontual. Não faz sentido, transformar uma floresta de sequeiro numa floresta de regadio.

Marques Sousa apresenta uma solução alternativa: “Necessitamos de sombras para proteger o solo o mais depressa possível e isto só se consegue com o crescimento rápido de sobreiros, que passa pela rega gota-a-gota, que se tornou indispensável”

O representante do IPMA admite que a revitalização do montado “não está na agenda diária do Governo” quando se sabe que “ninguém tem hipótese de pedir dinheiro ao banco para plantar azinheiras”. Garantir dinheiro por cinco anos, nos apoios à plantação de sobreiros “não garante as árvores plantadas” refere Marques Sousa, um argumento que é reforçado por Francisco Lopes :”Temos de ter prémio (apoio) para instalação do sobreiro, para a sua manutenção e para a perda de rendimento” lembrando que o montado “é um sistema lento”, pois só ao fim de 25 anos é que se recolha a primeira cortiça da árvore.

Os dados da APCOR são reveladores: uma das principais ameaças à sustentabilidade da indústria corticeira encontra-se na disponibilidade de matéria-prima. Numa campanha normal, o montado português é capaz de produzir em média 100 mil toneladas de cortiça (75 400 toneladas em 2017), quando na década de 1960 podia disponibilizar 221 mil. Para suprir essa redução da oferta, as empresas viram-se forçadas a aumentar as suas importações de 41 mil toneladas em 2009 para 87 mil no ano passado, o que se explica também pelo forte aumento da procura mundial de produtos de cortiça na última década.