Miguel Oliveira: “O meu ídolo agora sou eu”
Miguel Oliveira, vice-campeão mundial de Moto3 e Moto2, prepara-se para o derradeiro desafio na classe rainha de MotoGP. E garante ter tudo para vir a festejar um título com a bandeira nacional.
Seria inimaginável ainda há uns anos, mas Portugal terá mesmo um representante na classe rainha de MotoGP em 2019. O topo do motociclismo de velocidade, equivalente à Fórmula1 nas duas rodas. Aos 23 anos, Miguel Oliveira vai competir com o mítico Valentino Rossi, que conquistou o primeiro Mundial quando o jovem de Almada tinha pouco mais de dois anos de idade.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Seria inimaginável ainda há uns anos, mas Portugal terá mesmo um representante na classe rainha de MotoGP em 2019. O topo do motociclismo de velocidade, equivalente à Fórmula1 nas duas rodas. Aos 23 anos, Miguel Oliveira vai competir com o mítico Valentino Rossi, que conquistou o primeiro Mundial quando o jovem de Almada tinha pouco mais de dois anos de idade.
Tinha apenas dois anos quando Valentino Rossi venceu o seu primeiro Mundial [num total de nove]…
Comecei a olhar para Valentino, provavelmente, por volta de 2003. Na altura estava, na Honda Repsol e foi aí que o comecei a seguir de perto, quando ele ganhava todas aquelas corridas com um enorme avanço. Na altura não tinha concorrência. Nunca teve nesses anos.
É estranho ir competir com esta lenda viva do motociclismo passado duas décadas?
Imaginava muitas vezes que ia correr com ele. Mais recentemente, quando se especulava sobre o fim da sua carreira, ficava sempre um bocado triste. Até porque ainda é incerto saber o que acontecerá ao campeonato se ele sair. É estranho, mas eu queria apanhar ainda a era do Rossi. E vou ter essa sorte.
Acha que ele teria o mesmo êxito se tivesse encontrado adversários com a qualidade dos actuais nos seus anos de ouro?
Era uma outra era e actualmente muito dificilmente conseguiria ter todo aquele êxito. Na altura, nem se treinava fisicamente, era mais ou menos estar magrinho e andar de mota. Nesses tempos, quem começou a treinar mais a sério foi apenas o Max Biaggi [rival de Rossi na categoria rainha no início dos anos de 2000]. O Sete Gibernau [outro rival de Valentino em MotoGP] também já levava aquilo de outra forma.
Continua a ver Valentino como um ídolo?
Já não tenho ídolos. O meu ídolo agora sou eu. Ou melhor, o piloto que serei dentro de cinco anos, talvez. De resto, quando me estrear na categoria máxima de MotoGP [10 de Março, no Qatar], os meus adversários serão simplesmente outros pilotos que lá estão. Já lido com muitos deles há algum tempo. Por alguns tenho alguma admiração, por outros nem tanto.
Mas soube-lhe bem ouvir os elogios de uma lenda das duas rodas…
É um motivo de orgulho [os elogios de Rossi pelo desempenho de Oliveira em 2018]. Mas para mim não é um objectivo de vida que esse piloto ou outras pessoas falem de mim. Sei do meu valor e reconheço que tenho capacidades para lá chegar. Ver esse valor reconhecido por esses pilotos que já lá estão é, obviamente, gratificante, mas não chega para estar no nível deles.
A retirada de Rossi, quando se vier a concretizar, terá um impacto negativo no MotoGP?
Espero que o MotoGP sobreviva sem o Valentino, tal como a Fórmula 1 sobreviveu sem o Michael Schumacher. Apareceram outros pilotos e outros mais virão.
Foi um dos únicos dois pilotos a terminar todas as corridas de Moto2 de 2018 sem sofrer qualquer queda. Esta consistência será a sua principal arma em MotoGP?
2018 será uma época para recordar com alegria. O vice-campeonato deixou-me feliz, pois as posições que obtive na grelha de partida não eram sempre as melhores e houve situações em que as coisas poderiam ter corrido de outra forma. Mas não correram e terminei sempre todas as corridas. Em 18 pódios possíveis, falhei cinco.
Qual é o segredo para não cair?
Sou um piloto muito calculista e isso faz-me terminar as corridas nos pontos. O risco que corro é sempre medido. A maior parte das quedas que tive este ano foram nas qualificações, fruto de tentar andar um pouco mais rápido e arranjar uma melhor posição na grelha de partida. É o meu estilo de condução. Gosto apenas de forçar a moto ao limite quando estou confortável e quando ela o permite. Não sou daqueles que caem sem motivo, mas também reconheço que isso não é indicador de nada. O Marc Márquez, por exemplo, cai muitas vezes e é campeão do mundo de MotoGP.
Soube a pouco ser vice-campeão de Moto2?
Concluí a temporada com uns valiosos 13 pódios e três vitórias. É lógico que ter sido vice-campeão por uma diferença de nove pontos sabe a pouco de alguma forma, mas fiquei contente por ter feito uma grande última temporada de Moto2.
No total, venceu nove corridas pela KTM enquanto esteve na Moto2. É um balanço satisfatório?
Entrámos com muita ambição neste projecto da KTM para a Moto2. Uma moto nova que conseguimos em curtos dois anos fazer ganhar nove corridas. Tanto eu como o meu companheiro de equipa. Face à competitividade dos outros construtores e à sua experiência, valorizo ainda mais estas conquistas. E a equipa arrecadou um título mundial de equipas este ano.
Como correram os primeiros testes aos comandos de uma MotoGP?
Já tinha conduzido esta RC16 [KTM] em 2017, mas apenas a título de experiência e não num teste a sério. Agora foi uma sensação mais real. Estive também mais calmo, a viver as sensações novas de conduzir uma MotoGP. Sensações novas e também caras novas dentro da box, pois irei também estrear-me com esta equipa. Será um readaptar de tudo e um regresso à escola para aprender como se anda numa moto daquelas.
As diferenças são enormes em relação à Moto2?
É lógico que passei dois anos com uma moto, com uma certa medida, e vou passar agora para outra que não tem nada a ver. Em tudo: ao nível da potência, aceleração, potência de travagem, electrónica, etc. Existem muitos factores que tenho de controlar com a minha condução. As trajectórias são diferentes e será necessário um readaptar até a nível visual, porque as coisas passam-se a uma velocidade muito maior. É claro que tenho de aprender porque o estilo de condução é muito diferente.
Voltará a ter contacto com a nova moto nos testes na pista de Sepang, na Malásia, a 6 de Fevereiro do próximo ano. Está ansioso?
A equipa está a conseguir encaixar a afinação da moto ao meu estilo de condução. Serão uns testes mais a sério. A minha actual equipa [Tech 3] trabalhou durante quase 20 anos com um construtor japonês [Yamaha]. A estrutura do material mudou de um dia para o outro. Teve de ser tudo trocado. Ferramentas, software electrónico, etc. É tudo diferente. Estão a reconstruir as motos neste mês de Dezembro e a preparar tudo para Sepang.
Teve de mudar de número [o tradicional 44 de Oliveira já pertence a outro piloto de MotoGP] e escolheu o 88. Por alguma razão?
Infelizmente tive de deixar o meu número 44 e como em MotoGP é tudo a dobrar, potência, etc, pensei também no dobro. Nenhum outro número me fazia tanto sentido como o 88. É também um número par, que continua a repetir-se a ele mesmo, tal como o 44. É apenas o dobro.
Com que expectativas parte para 2019?
Actualmente, a realidade da moto passa por terminar corridas entre o 10.º e 15.º postos. Tem sido assim nestes últimos dois anos. Espero dar um passo em frente agora que o construtor tem quatro pilotos. Esta etapa vai ajudar-me muito, para o meu desenvolvimento, para quando tiver a moto a um nível alto lutar pelo título de MotoGP.
Estas são também as perspectivas da equipa?
A equipa entende a nossa situação. É uma equipa estreante com aquele construtor e com um piloto estreante. Estar na MotoGP por si só é difícil. Fazer bons resultados é ainda mais. Mas todos entendem que, neste momento, o mais importante é construir uma boa moto e não estar a pensar nos resultados. Os resultados virão por si só, pelo fruto do bom trabalho que faremos ao longo da época.
E o que seria para si, pessoalmente, uma boa temporada?
Seria bom ter o título de rookie [estreante] do ano. Não é algo que me deixe super-feliz ou que me satisfaça o ego, é um prémio pouco relevante para mim, mas é lógico que é indicador que de entre os que se estrearam fomos um pouco melhores. É preciso entender que estou a lutar com armas muito diferentes daquelas que os outros estreantes têm em mãos, integrando equipas mais experientes.
Esta é a entrada na categoria de MotoGP que desejaria?
Sim. Entro numa equipa que é excelente. Temos ainda de compreender melhor a moto, mas a equipa tem provas dadas, com grandes resultados e grande experiência. Podia ter entrado numa outra equipa, talvez com um outro construtor mais forte, com grandes motos, mas também poderia correr o risco de vir a sair se não andasse bem.
Sente que tem mais espaço de manobra e menos pressão para crescer?
Sinto que tenho uma almofada. Por vezes, aprendermos em motos complicadas dá-nos uma vantagem. A seguir, quando subirmos para uma moto melhor, conseguirmos readaptar o nosso estilo muito mais facilmente. O [Jorge] Lorenzo viu isso na Ducati. Saltou de uma Ducati para uma Honda e readaptou-se muito mais rapidamente. O Valentino fez o mesmo quando saltou da Ducati para a Yamaha. Passar por uns tempos difíceis não é mau. Não estou a tirar valor à KTM, mas simplesmente temos consciência da nossa realidade.
Quando pensa que estará em condições para lutar pelo título?
Espero que entre um ou dois anos esteja apto para poder lutar por outros resultados. Tenho todas as armas para poder lutar por um título mundial. Trabalho pelo meu sonho e pelo meu objectivo e vou acreditar sempre até ao fim.
Na categoria rainha vai reencontrar Maverick Viñales, potencial candidato ao título de 2019 e um velho rival nos seus primeiros anos no motociclismo… [Os dois protagonizaram uma luta intensa em 2009 e 2010 no Campeonato Espanhol de Velocidade (CEV), a antecâmera das categorias de MotoGP]
Os pilotos mudam e já não corremos na mesma categoria pelo menos há cinco anos. A última vez que coincidimos em pista foi em 2013 [Moto3]. É um piloto como todos os outros. Tem muito talento e pode, como já demonstrou, lutar pelas vitórias quando tem moto para isso. Foi o meu primeiro grande rival nos primeiros anos de carreira a sério. O Maverick serviu para eu evoluir e vice-versa.
Acabaram por ter percursos muito diferentes…
Quando chegámos ao MotoGP, os caminhos foram um pouco diferentes. Agora está num nível um pouco superior ao meu. O que não quer dizer que eu não tenha as capacidades dele. E penso ter as potencialidades para o vir a ultrapassar. Não é um bicho-de-sete-cabeças, tal como em relação aos outros pilotos. Todos são humanos, todos trabalham. As motos aqui no MotoGP contam um pouco mais do que o piloto. É uma questão de encontrar a máquina certa.
Está orgulhoso da sua carreira?
Para mim tem um valor acrescido ter chegado ao MotoGP da forma como cheguei, sem nenhum interesse de nenhuma grande marca por trás. Isso é aquilo que me deixa mais orgulhoso. É claro que, se tivesse tido um grande apoio, teria lá chegado de outra forma e mais rapidamente. Só o futuro dirá se isso teria sido melhor. Agora, tenho de gerir as expectativas: não esperar muito, mas apenas aquilo que seja concretizável.