Lisboa meets Ásia no novo Mercado Oriental
Da Taberna de Macau aos katsu sando, passando pelos baos, os sócios da Taberna da Rua das Flores abriram três novos espaços no novo Mercado Oriental, no Martim Moniz, e mostram uma comida de rua que nasceu com as viagens dos portugueses pelo mundo.
Quando Joana, a gerente do Amanhecer Supermercado Oriental do Martim Moniz, em Lisboa, falou a André Magalhães sobre a vontade de criar um espaço de comidas por cima do supermercado, o fundador da Taberna da Rua das Flores e da Taberna Fina (ambas no Chiado) pensou logo que teria graça fazer não um food court mas um hawker center, um desses locais onde, nas grandes cidades asiáticas, se juntam os vendedores de comida de rua, cada um com a sua especialidade.
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Quando Joana, a gerente do Amanhecer Supermercado Oriental do Martim Moniz, em Lisboa, falou a André Magalhães sobre a vontade de criar um espaço de comidas por cima do supermercado, o fundador da Taberna da Rua das Flores e da Taberna Fina (ambas no Chiado) pensou logo que teria graça fazer não um food court mas um hawker center, um desses locais onde, nas grandes cidades asiáticas, se juntam os vendedores de comida de rua, cada um com a sua especialidade.
André tinha, há já algum tempo, vontade de fazer alguma coisa em torno da comida de Macau e viu aqui uma oportunidade. Falou com os sócios da Taberna, Bárbara Matos e Tiago Alves, e decidiram avançar. Assim, no novo Mercado Oriental, que abriu mesmo antes do Natal, há três espaços que lhes pertencem – a Taberna Macau, o Bao Bar e o Kamakura – ao lado de outros restaurantes de especialidades de diferentes países da Ásia.
Taberna Macau
“O que eu disse à Bárbara e ao Tiago foi ‘vamos fazer uma taberna com petiscos macaenses’”, conta André. “Sempre me interessou o rasto que a comida portuguesa deixa pelo mundo. Parte do meu trabalho de investigação, e das minhas viagens, passa por aí.” E Macau é especial neste contexto porque “foi o primeiro sítio do mundo em que houve realmente uma fusão cosmopolita de comidas, motivada e instigada pelos portugueses”.
André explica que “a instalação de uma administração portuguesa em Macau implicou a ida de funcionários públicos de outras possessões portuguesas, de Moçambique, Goa, Timor”. Por outro lado, “havia um vai e vem de jesuítas que iam ao Japão e voltavam, [por isso] Macau era um ponto de confluência de tudo o que os portugueses andavam a fazer naquela zona do mundo”.
Os pratos da Taberna Macau (todos entre os 7€ e os 9€) são inspirados nessa cozinha de fusão. Há a Sopa de Lacassá, “um clássico, o caldo verde da cozinha macaense”; o Tchai de Bonzo, “um prato vegetariano bastante popular”; o Minchi, que é “o bitoque dos macaenses”, com ovo estrelado e batata frita e com a diferença de a carne ser picada e os temperos serem orientais; o Bao Zai Fan, “um arroz feito no pote de barro, muito parecido com os arrozes de enchidos e de forno portugueses”; o Chatchini de bacalhau, “muito representativo dessa fusão de sabores porque tem o bacalhau mas também curcuma e leite de coco”; e a Cabidela de pato, “um prato antiquíssimo da cozinha portuguesa, a que eles chamam ‘adem’, palavra do português antigo para pato.”
Para além disso, há as sobremesas: a Bebinca de leite, que é “completamente diferente da indiana, porque não tem camadas”. André explica que, embora este seja um doce que toda a gente associa a Goa, ele existe por todo o Sudeste asiático, das Filipinas à Malásia, sendo que “esta versão macaense leva leite de vaca e coco”. Outra hipótese é provar a Batatada, que aqui é feita com batata roxa. “É uma receita portuguesa, da qual agora existem também versões com batata-doce.” E, por último, a Laranja dos Bonzos, “que é um pouco a ‘laranja dos fidalgos’ de cá, temperada com azeite e, neste caso, com especiarias orientais”.
Com Macau a “crescer a olhos vistos” e com uma percentagem cada vez maior da população a vir de fora, “a tradição da cozinha macaense está a diminuir”. Por isso, André acha que “é uma responsabilidade tentar manter isso”, até porque “era uma vergonha que em Lisboa não houvesse nada relacionado com a comida macaense”. Agora já há.
Bao Bar
Olhando para o espaço onde iria nascer o Mercado Oriental, André e os sócios pensaram que seria interessante ocupar um dos cantos, o que tornaria mais fácil criar um ambiente de convívio nas mesas. Por isso, quando Joana, a gerente do supermercado, lhes perguntou como é que faziam os baos na Taberna da Rua das Flores porque estava interessada em ter um espaço de baos, tiveram uma ideia. “Pensámos que podíamos ser nós a fazer uma coisa com baos, já que a Taberna foi o primeiro sítio em Lisboa a servi-los e eu sou absolutamente fanático dos baos tradicionais de Taiwan, que não têm nada a ver com os que estão agora na moda”, diz André.
Os de Taiwan “são grandes, servidos num saco de plástico, cheios de molho que escorre para dentro do saco”. Foi essa a inspiração para os que agora são apresentados no Bao Bar, mas com algumas adaptações. “Na última viagem que fiz, fui ter com o homem que é o Papa dos baos, estive a falar com ele e a aprender como é que se fazia e decidimos fazer mesmo a receita original.”
A lista do Bao Bar incluiu versões mais clássicas e algumas mais criativas (todas a 8€). Há o Pok! Bang! com barriga de porco; o Pángxiè Bao, com caranguejo de casca mole; o Bao à Pequim, com pato lacado; o Bao Mi, de inspiração vietnamita, mais fresco e leve; e até um Vegetarian Dog, com salsicha vegetariana. Nos baos doces (a 4€), a opção é entre um mais asiático, com doce de feijão e sésamo (o Dou Sha Bao) e o Bao de Priscos, com, sim, é isso mesmo, com Pudim Abade de Priscos e fios de carne de porco seca – decididamente poderoso.
O Bao Bar funciona também como bar, com uma selecção de cervejas orientais e refrigerantes também orientais, e alguns cocktails feitos com bebidas asiáticas, como o Pirolito japonês ou a Shangria.
Kamakura
André Magalhães acredita que, depois da explosão dos baos, a próxima moda vai ser o katsu sando, a sanduíche japonesa que, afinal, também tem a ver com os portugueses. “Fomos nós que introduzimos a fritura no Japão”, recorda. “E katsu é uma abreviatura de katsuretsu, ou seja, costeleta [sando é sanduíche]. É o nosso panado de costeleta, que deixámos no Japão e também em Macau, onde a bifana é uma costeleta panada, com osso e tudo, servida no pão. O katsu sando é uma sandes de panado, uma coisa que tem uma raiz nossa. Porque é que não havemos de puxar por esse fio?”.
Foi assim que nasceu o terceiro “irmão” deste trio no Mercado Oriental, o Kamakura, nome inspirado numa cidade nos arredores de Tóquio que André descreve como “uma espécie de Costa da Caparica de Tóquio, onde toda a gente vai para a praia e onde existe imensa comida de rua”. O que os restaurantes mais sofisticados começaram a fazer mais recentemente foram sandes deste tipo mas com wagyu, a carne de vaca de grande qualidade mas caríssima. “Nós pensámos que isso não fazia sentido e decidimos fazer a clássica, com carne de porco.”
Quem quiser provar essa terá que pedir a Kurashiku, “que é como os japoneses dizem clássico”; depois há também a Tori Katsu, com peito de frango; a Gyu Katsu, com bife de vaca; e a Ebi Katsu, com camarão. Para os vegetarianos, foi criada a Kinoko Katsu, com um cogumelo Portobello panado. Todos os katsu sando custam entre 5€ e 9€.
Como alternativa, pode-se pedir as mesmas proteínas mas servidas sobre arroz numa taça, o donburi, com uma sopa de miso (entre os 7 e os 10€). Para sobremesa, aqui as propostas são o monburan, ou bolo de creme de castanhas, ou um kohi zeri, gelatina de café.
Para além dos três espaços dos proprietários da Taberna da Rua das Flores, o Mercado Oriental inclui ainda o japonês Sushi House, com variedades de sushi e sashimi, o vietnamita Mint House, que apostou na sopa pho, o coreano K-Bob, que apresenta alguns dos pratos mais típicos da cozinha da Coreia, como o bibimbap (arroz com carne, vegetais e ovo), e ainda, uma oferta de cozinha portuguesa no Cantinho do Chef.