Raül Refree, um artesão sem pressa
Conhecido pelas suas colaborações com Sílvia Pérez Cruz e Rosalía, Räul Refree trabalhou com Luísa Sobral em Rosa. Um produtor que gosta de trabalhar sem pressa, prestes a estrear-se no universo do fado.
Quando acontece não ter de imaginar-se dentro da cabeça de outro músico, tentando descodificar os seus desejos musicais e percebendo como dar-lhes uma tradução que não lhes traia as intenções, Raül Fernández Miró – mais conhecido como Raül Refree – não sabe, por vezes, a que soa a sua música. Ligado inicialmente aos projectos da editora indie Acuarela, Refree começou a assumir um lugar preponderante na música espanhola sobretudo desde que iniciou a sua parceria com a cantora Sílvia Pérez Cruz (com quem gravou dois álbuns, 11 de Novembre e Granada, depois de terem já colaborado quando Pérez Cruz integrava o grupo Las Migas), mas também com a cantaora de flamenco Rocío Márquez, com a rapper Mala Rodríguez, com o histórico do rock basco Fermin Muguruza ou até com o guitarrista dos Sonic Youth Lee Ranaldo. Os géneros que tem abordado, quase sempre a partir de um lugar de exploração que se inicia na guitarra acústica, têm-no colocado com tanta frequência ao serviço da música dos outros que, reconhece ao Ípsilon, assumir a sua voz nos intervalos desses trabalhos pode afigurar-se um problema.
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Quando acontece não ter de imaginar-se dentro da cabeça de outro músico, tentando descodificar os seus desejos musicais e percebendo como dar-lhes uma tradução que não lhes traia as intenções, Raül Fernández Miró – mais conhecido como Raül Refree – não sabe, por vezes, a que soa a sua música. Ligado inicialmente aos projectos da editora indie Acuarela, Refree começou a assumir um lugar preponderante na música espanhola sobretudo desde que iniciou a sua parceria com a cantora Sílvia Pérez Cruz (com quem gravou dois álbuns, 11 de Novembre e Granada, depois de terem já colaborado quando Pérez Cruz integrava o grupo Las Migas), mas também com a cantaora de flamenco Rocío Márquez, com a rapper Mala Rodríguez, com o histórico do rock basco Fermin Muguruza ou até com o guitarrista dos Sonic Youth Lee Ranaldo. Os géneros que tem abordado, quase sempre a partir de um lugar de exploração que se inicia na guitarra acústica, têm-no colocado com tanta frequência ao serviço da música dos outros que, reconhece ao Ípsilon, assumir a sua voz nos intervalos desses trabalhos pode afigurar-se um problema.
“Às vezes tenho inveja das pessoas que têm um perfil muito claro e que são algo de muito concreto”, confessa. “Aquelas pessoas que mesmo quando fazem muitas coisas distintas têm sempre a certeza de qual é o seu caminho.” Não é esse o seu caso. Mas também por isso, por sempre ter querido ser muitas coisas e acreditar que existem muitos Raül dentro de si, a ideia de migrar repetidamente para outros territórios musicais sempre o seduziu. “Estar em tantas frentes pode mesmo fazer com que me perca”, adianta. “Acaba por ser muito divertido porque desfruto muito ao aprender e provar coisas novas, arriscando saltar para o vazio, mas quando estou só e me pergunto quem sou, o que quero dizer e fazer, por vezes tenho dificuldade em encontrar qual é o meu discurso porque, afinal, os meus discursos são muitos.” Uma escutadela de La Otra Mitad, disco a solo que acaba de lançar, em que a guitarra partilha o protagonismo com gravações de rua, pode dar uma pequena ideia.
A haver um discurso a que possa chamar seu, arrisca que possa ser a visão musical que é comum a tudo quanto faz, seja um disco de guitarra solo, de improvisação ou uma orquestração contemporânea, seja um álbum de autoria alheia ao qual empresta a sua sensibilidade e que tanto pode rondar o flamenco quanto o hip-hop ou o rock mais vanguardista. Essa visão corresponde a uma linha que, entende Raül, une todos os discos em que trabalha, mesmo que para poder ser observada tenha de se olhar a sua discografia a partir de uma macroescala. “Mas, para mim”, concretiza, “há uma linha muito clara entre Granada e Los Ángeles.” Os dois exemplos vêm de dois álbuns que Raül partilhou com Sílvia Pérez Cruz e Rosalía, as duas cantoras que mais contribuíram para a sua fama de produtor. São também os dois casos em que Raül, habituado a pensar a sua vida musical projecto a projecto, se envolveu a ponto de acompanhá-las em palco e se envolver a fundo no processo criativo – o primeiro é assinado pelos dois, o segundo foi creditado apenas a Rosalía porque Raül terá preferido que o foco recaísse sobre “uma artista jovem, com uma energia muito forte”.
Embora não descarte voltar a trabalhar com as duas no futuro, Refree gosta de trabalhar com muita gente variada e diz alimentar-se dessas relações intensas e concentradas no tempo. “A verdade é que, seja virtude ou defeito, tenho a necessidade de ir mudando, aborreço-me rapidamente”, diz. “Nunca me senti cómodo com a ideia de dedicar a minha vida a um só projecto ou a uma só pessoa.” Ainda assim, tenta que cada uma destas relações seja tão prolongada quanto possível.
Quer isso dizer que Raül se vê como um produtor desfasado da aceleração temporal com que a música é hoje produzida e disponibilizada. “Agora, no mundo da música mais mainstream ou mais jovem, grava-se uma tema, filma-se um vídeo, consome-se e morre ao fim de pouco tempo”, descreve. “Vivemos numa época que tudo acontece muito rápido e em que a música se está a converter em algo menos repousado.” A sua abordagem, pelo contrário, pede-lhe o tempo para escutar a música do artista com quem vai gravar, conhecer a pessoa para lá das canções, perceber bem quem tem pela frente e para onde essa pessoa pretende ir. Dai que se defina como “um artesão” que gosta de “trabalhar muito lentamente, com o tempo necessário para cada disco”.
Foi também assim com Rosa, álbum de Luísa Sobral que lhe tomou boa parte de 2018 – e assim deverá ser quando, em Janeiro, regressar a Portugal para começar a trabalhar no terceiro álbum da fadista Carolina (as “visitas de estudo” a casas de fados já tiveram lugar, de maneira a Raül ambientar-se o mais possível a um género musical que o atrai imenso). Com Luísa, foram várias as viagens de Barcelona para Lisboa, e vice-versa, muitos os telefonemas e os emails trocados, até o tom justo de Rosa finalmente ter florescido. O único senão é mesmo quando a calma de Raül se cruza com o tempo distendido africano. A sua colaboração com o senegalês Cheikh Lô, anunciada há muito, espera ainda uma conclusão. “O relógio em África funciona de outra maneira”, suspira. Até para quem gosta de uma produção repousada há limites.