500 euros à hora para contratar anestesistas? Ordem nega, ministério reafirma
Declarações da ministra da Saúde abrem polémica. Médicos exigem que sejam apresentadas as propostas ou contratos onde esse valor seja referido. Lei limita valor máximo a pagar à hora a médicos prestadores de serviços.
A Ordem dos Médicos nega que tenha existido uma proposta do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) para contratar anestesistas a 500 euros à hora. Em comunicado, divulgado nesta quinta-feira, a Ordem reagiu às declarações da ministra da Saúde, proferidas no Natal, quando adiantou que aquele era o valor pedido para preencher a falta destes especialistas na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa. O Ministério da Saúde reafirma "a veracidade das declarações".
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A Ordem dos Médicos nega que tenha existido uma proposta do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) para contratar anestesistas a 500 euros à hora. Em comunicado, divulgado nesta quinta-feira, a Ordem reagiu às declarações da ministra da Saúde, proferidas no Natal, quando adiantou que aquele era o valor pedido para preencher a falta destes especialistas na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa. O Ministério da Saúde reafirma "a veracidade das declarações".
“Qualquer pessoa de bom senso compreenderia que, se tal proposta existisse, num turno de 12 horas, quase triplicava o ordenado de um mês”, diz o bastonário Miguel Guimarães. No mesmo comunicado, a Ordem “exige que a situação seja totalmente esclarecida, desafiando a ministra a apresentar publicamente os documentos oficiais emitidos pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) que comprovem as suas palavras ou, em alternativa, a dizer a verdade aos portugueses”.
O Ministério da Saúde reagiu a meio da manhã desta quinta-feira, num comunicado, reafirmando a veracidade do pedido de 500 euros à hora. "No âmbito de notícias que dão conta de alegada contratação de um anestesista em prestação de serviço para completar a escala da MAC, nos dias 24 e 25 de Dezembro, o Ministério da Saúde esclarece que o CHLC procurou realizar a contratação externa de um anestesista junto de empresas prestadoras de serviços, de forma a garantir o suprimento da necessidade de um especialista na escala da MAC nestes dias", começa por explicar.
"Uma das respostas enviadas por uma destas empresas [de prestação de serviços] ao CHLC referia que os vários especialistas contactados não estavam disponíveis para trabalhar pelos valores propostos (cujos valores de referência constam do despacho 3027/2018) e incluía ainda a disponibilidade de um anestesista mediante o pagamento de 500 euros por hora", prossegue o ministério. "O Ministério da Saúde reafirma, por isso, a veracidade das declarações proferidas neste âmbito, de que existiu uma proposta no valor referido por parte dos prestadores de serviço", salienta a nota.
O PÚBLICO já tinha questionado o Ministério da Saúde e o CHLC sobre as propostas de contratação de anestesistas a 500 euros à hora, perguntando qual a empresa prestadora de serviços que deu conta deste valor e se os ministérios da Saúde e das Finanças o tinham autorizado.
Em resposta ao PÚBLICO, o CHLC confirmou que fez pedidos de contratação de anestesistas através de empresas de prestação de serviço para os dias 24 e 25 Dezembro, mas "dentro dos valores de referência estabelecidos" na lei, desmentindo assim a ideia de que teria oferecido 500 euros por hora. Por lei, o preço hora a pagar a um médico especialista pode chegar a um máximo de 39 euros.
O CHLC adianta que a empresas "não conseguiram suprir as necessidades para os dias referidos ou por indisponibilidade dos anestesistas com os quais têm contrato, ou por estes não aceitarem o valor a pagar, valores estes estabelecidos por despacho e que nada têm a ver com os montantes que têm vindo a público sobre esta matéria". E "confirma a recepção", por parte de uma das empresas prestadoras de serviço, "de referência a eventual disponibilidade de um médico para trabalhar, nestes dias, por 500 euros/hora".
Já depois do comunicado do Ministério da Saúde, o bastonário dos Médicos reafirmou que não houve nenhuma proposta por parte do hospital para contratar anestesistas por 500 euros por hora e que por isso a ministra não poderia ter dito que não havia profissionais disponíveis por esse valor.
"O que a ministra veio agora dizer é que no email enviado por uma empresa, perante a indisponibilidade de vários profissionais, um terá dito que trabalhava ou não trabalhava por 500 euros à hora. Não pode é dizer que nenhum anestesista está disponível por esse valor, o que pressupõe que se fez a proposta. O que o comunicado da Ordem afirma é que não foi feita nenhuma proposta. Hoje a ministra reconheceu que não houve proposta", afirma Miguel Guimarães, falando num "mal-entendido criado pela ministra da Saúde".
Numa reacção ao comunicado do Ministério da Saúde, Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), reafirmou ao PÚBLICO que "não houve qualquer proposta" com aquele valor e desafiou a ministra Marta Temido: "Torne públicos os valores pagos às empresas que prestam serviço na Maternidade Alfredo da Costa."
"É triste que com esta atitude a ministra insulte as centenas de médicos que fizeram urgência nessa noite [de 24 para 25 de Dezembro] e que não chegam a esse valor nas 12 horas de urgência, incluindo noite, que fizeram", afirma ainda Roque da Cunha, salientando que a situação de carência de anestesistas no CHLC "é gravíssima" e que "neste concurso [de contratação de recém especialistas] não foi aberta nenhuma vaga" desta especialidade neste centro hospitalar.
Falhas no Natal
A falta de anestesistas para preencher a escalada do bloco de partos da Maternidade Alfredo da Costa foi denunciada pela Federação Nacional dos Médicos. Para os dias 24 e 25 de Dezembro estava apenas escalado um anestesista, quando deveriam ser dois. Questionada publicamente, a ministra da Saúde adiantou que o serviço de anestesia naquela unidade que pertence ao CHLC seria, há vários anos, “totalmente garantido através de prestadores de serviço”.
“Sempre resolveríamos, se houvessem anestesistas, a contratação pelo valor que nos é pedido e, no caso, o valor que nos é pedido é 500 euros à hora. Sucede que, todavia, não foi possível recrutar um segundo elemento e isso demonstra a necessidade que temos em determinadas áreas de mantermos no Serviço Nacional de Saúde os profissionais que formamos”, afirmou então em declarações à SIC.
Logo na terça-feira, o SIM emitiu um comunicado a exigir esclarecimentos. “É assim lamentável que a senhora ministra, ao invés de responsabilizar a administração, responsabilize os médicos referindo valores de 500 euros por hora quando os médicos do quadro nem um vigésimo desse valor auferem, pelo que o SIM exige saber a quem e onde foram feitos pagamentos desta ordem”, apontou o sindicato, salientando que aquele valor/hora é “mais de 20 vezes superior aos valores da maioria dos médicos do quadro”.
"Discrepância de 461 euros"
Agora, também o bastonário pede explicações. Segundo o comunicado da Ordem, o CHLC “terá aberto um concurso para contratação de prestadores de serviços, por um valor de 39 euros à hora, valor esse que seria pago à empresa, não aos médicos especialistas (cujo valor/hora é sempre inferior ao que é pago à empresa)”.
“Perante uma discrepância de 461 euros, a Ordem dos Médicos exige que sejam apresentados os documentos/contratos onde conste claramente o referido valor e que seja explicado em que meios oficiais foram publicados e divulgados. Confirmando-se a verdade – isto é, que tais propostas de contratação por 500 euros/hora não existem – a Ordem exige um desmentido tão público quanto o foram estas falsas notícias, e reserva-se no direito de recorrer aos Tribunais dado o carácter ofensivo e indigno para os médicos como resultado das declarações proferidas”, acrescenta ainda.
O preço a pagar por hora a médicos prestadores de serviço é tabelado por lei. De acordo com as regras em vigor, o valor/hora para médicos não especialistas é de 22 euros e de 26 euros/hora para especialistas. A lei prevê excepções, caso seja difícil contratar por estes valores, permitindo que o preço seja aumentado em 25% para os médicos não especialistas e 35% para os especialistas, no caso do serviço beneficiário do contrato estar num raio inferior a 60 quilómetros de Lisboa, Porto ou Coimbra. Para os restantes serviços, o preço de referência para ser aumentado em 50%.
Há ainda uma outra excepção, apenas aplicável às zonas classificadas como carenciadas e a médicos especialistas. Nestes casos, o valor a pagar por hora pode ser de 29,21 euros.