A Índia prepara-se para as eleições: uma batalha online para ganhar 900 milhões de mentes e corações

As eleições do ano que vem na Índia vão ser o maior exercício democrático do mundo, e também o maior teste de sempre ao papel das redes sociais numa campanha.

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Voluntários do Partido do Congresso vigiam as redes sociais em Jaipur Aditya Kalra/Reuters

Quando o Partido Bharatiya Janata (BJP, nacionalista hindu), no Governo, se prepara para lutar contra a recém-revitalizada oposição liderada pelo Partido do Congresso nas eleições que têm de se realizar até Maio, o papel do Facebook, do Twitter e do WhatsApp pode ser crucial para decidir quem vai vencer.

A Índia tem perto de 900 milhões de eleitores e estima-se que 500 milhões tenham acesso à Internet. No país há 300 milhões de utilizadores do Facebook e 200 milhões que usam o serviço de mensagens WhatsApp – mais do que qualquer outra democracia. Muitos milhões usam também o Twitter.

“As redes sociais e análise de dados vão ser os principais actores nas próximas eleições na Índia. A sua utilização não tem precedentes, porque ambos os partidos usam actualmente as redes sociais”, disse Usha M. Rodrigues, professora de Comunicação na Universidade Deakin em Melbourne, na Austrália, que tem feito investigação centrada nas redes sociais e política indiana.

O potencial para abusos é enorme, com notícias incendiárias e vídeos capazes de instigar violência na nação multi-religiosa e multi-étnica.

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Notícias falsas e mensagens que circulam nas redes sociais levaram a mais de 30 mortes desde o ano passado, segundo o portal IndiaSpend — a maioria sobre gangs que raptam crianças.

“O discurso nas redes sociais, já amargo, vai ficar cheio de bílis”, disse Milan Vaishnav, investigador do centro de estudos Carnegie Endowment for International Peace, em Washington. “Não vai haver contenção nas redes sociais porque a oposição já sente a fraqueza do adversário e o partido do poder tem as mãos atadas.”

Os dois principais partidos acusam-se mutuamente de propagar notícias falsas enquanto negam que eles próprios o façam.

Ainda assim, as posições de ambos estão claras. O Partido do Congresso tem atacado as políticas económicas do primeiro-ministro, Narendra Modi, e a ideologia nacionalista hindu do partido; enquanto o BJP trata o Partido do Congresso como um partido de liberais incompetentes que não têm noção da vida das pessoas.

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Narendra Modi Reuters

Este mês, o Partido do Congresso ganhou eleições em três grandes estados que eram bastiões do BJP, fazendo prever uma competição cerrada em 2019. Uma renovada estratégia para as redes sociais ajudou a oposição.

Salas de guerra

Nas últimas eleições, em 2014, o Partido do Congresso foi esmagado por Modi e pelo seu arsenal de redes sociais, incluindo uma enxurrada de tweets na sua conta pessoal, uma campanha do BJP no Facebook e projecções holográficas da sua imagem em aldeias remotas.

O líder do Partido do Congresso, Rahul Gandhi, só abriu uma conta no Twitter em 2015. Mas o partido da oposição está a recuperar o tempo perdido, e a audiência potencial cresceu muito nos últimos anos.

Há quatro anos, só 155 milhões de indianos tinham um smartphone; actualmente, esse número cresceu para 450 milhões, segundo a empresa de análise de mercado Counterpoint Research. É mais do que toda a população dos Estados Unidos, que é a referência para as campanhas nas redes sociais.

A agência Reuters visitou os centros online do Partido do Congresso no Rajastão, um dos três estados onde venceu nas eleições deste mês – um apartamento simples com três quartos ao cimo de uma escadaria mal iluminada, na cidade de Jaipur.

Lá dentro, funcionários do partido acompanhavam os canais de notícias e as redes sociais numa parede de ecrãs. Uma equipa de três pessoas especialistas em áudio, vídeo e grafismo criavam mensagens de campanha que eram depois partilhadas em site públicos, enquanto outros voluntários usavam o WhatsApp para enviar instruções a outros funcionários do partido.

“Antes éramos uns miúdos, mas agora vamos dar-lhes a volta”, disse Manish Sood, de 45 anos, o líder da equipa de voluntários do Partido do Congresso em Jaipur e dono do seu próprio negócio de marketing nas redes sociais.

Ainda assim, lutar contra Modi não é fácil. Com 43 milhões de seguidores no Facebook e 45 milhões no Twitter, é um dos políticos com mais seguidores em todo o mundo. O Partido do Congresso, de Gandhi, tem apenas 8,1 milhões de seguidores no Twitter e 2,2 milhões no Facebook.

A Reuters não foi autorizada a visitar o centro de redes sociais do BJP em Jaipur, mas um elemento da unidade do partido no estado do Rajastão, Mayank Jain, disse que a operação é comandada a partir de dois apartamentos na cidade.

“O Partido do Congresso já percebe um pouco sobre o funcionamento das redes sociais, mas não tem voluntários suficientes”, disse Jain numa entrevista, enquanto mostrava dezenas de grupos do BJP no WhatsApp no seu telemóvel, um dos quais com o título “Os Guerreiros do BJP no Rajastão”.

Crescimento do WhatsApp

Apesar de o Facebook e o Twitter serem usados por políticos indianos – principalmente do BJP – desde 2014, o WhatsApp é actualmente a rede social preferida.

Na cidade de Jaipur e em Tonk, uma vila rural nas proximidades onde os métodos tradicionais, como discursos públicos e posters de campanha, são usados durante as eleições no estado, os funcionários do Partido do Congresso e do BJP mostraram à Reuters dezenas de grupos no WhatsApp de que fazem parte e que são usados para fazer campanha.

O Partido do Congresso disse que os seus voluntários gerem 90 mil grupos do WhatsApp só no Rajastão, e o BJP controla directamente 15 mil – através de voluntários, o BJP gere outros 100 mil.

Mas o WhatsApp tem estado no centro de várias controvérsias. Depois das falsas mensagens sobre o rapto do rapaz que foram espalhadas através da plataforma na Índia, o WhatsApp foi inundado por falsidades e teorias da conspiração antes das eleições de Outubro no Brasil.

A encriptação de mensagens do WhatsApp permite que grupos com centenas de participantes troquem mensagens, fotos e vídeos sem a intermediação das autoridades, dos media e da própria plataforma.

“O WhatsApp é o nosso maior desafio nas redes sociais”, disse Nitin Deep Blaggan, um agente da polícia responsável pela monitorização de conteúdos online em Japur.

O WhatsApp limitou a 20 o número de mensagens que um utilizador pode retransmitir de uma assentada, mas para a Índia esse limite foi fixado em apenas cinco. A empresa bloqueou “centenas de milhares” de contas no Brasil durante a campanha eleitoral, e o mesmo é esperado para a campanha na Índia.

“Entrámos em contacto com os partidos para os informar de que vamos agir contra contas que enviam mensagens não solicitadas de forma automática”, disse Carl Woog, o director de comunicações do WhatsApp, num comunicado. O responsável não disse que partidos foram contactados.

Uma porta-voz do Facebook disse que a empresa está “decidida a manter a integridade das eleições” a fazer esforços para “erradicar notícias falsas”. O Twitter disse que desenvolveu esforços para proteger o processo eleitoral e detectar e travar actividades maliciosas.

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Aldeã do Rajastão faz o registo ocular para a base de dados do sistema de identificação unificado, que vai ser usado nas eleições Reuters

Durante as eleições no Rajastão, uma equipa de dez agentes acompanhou a actividade nas redes sociais, no Twitter e no Facebook. Na sala de acompanhamento, os posts eram mostrados numa parede de ecrãs e automaticamente filtrados por secções de neutros, positivos e negativos.

Os posts negativos recebiam uma atenção especial – eram verificados manualmente e, por vezes, eram assinalados para posterior investigação por outros agentes da polícia.

O único objectivo, segundos os membros daquela unidade da polícia indiana, era garantir que nenhum post publicado nas redes sociais gerava violência.

Um dos posts assinalados pela polícia enquanto a Reuters visitava a unidade era um vídeo de um comício do líder do Partido do Congresso, onde as pessoas pareciam gritar slogans a favor do Paquistão, o antigo inimigo da Índia.

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Rahul Gandhi EPA

Na sua sala de controlo das redes sociais, o Partido do Congresso já tinha desmascarado o vídeo, dizendo que tinha sido adulterado. Numa questão de horas, funcionários do partido partilharam uma vídeo que diziam ser “o original”, onde ninguém gritava slogans semelhantes no comício.