Procurador faz errata de 15 páginas à acusação da Operação Marquês
O Ministério Público apresentou uma errata de 15 páginas à acusação da Operação Marquês, provavelmente o maior despacho final de uma investigação de sempre, com mais de 4000 páginas.
Uma errata, assinada pelo procurador Rosário Teixeira, deu entrada no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) no final de Novembro, perto de um mês depois do juiz Ivo Rosa ter sido seleccionado, por sorteio, para liderar a fase de instrução deste megaprocesso de corrupção que tem o ex-primeiro-ministro José Sócrates como figura central.
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Uma errata, assinada pelo procurador Rosário Teixeira, deu entrada no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) no final de Novembro, perto de um mês depois do juiz Ivo Rosa ter sido seleccionado, por sorteio, para liderar a fase de instrução deste megaprocesso de corrupção que tem o ex-primeiro-ministro José Sócrates como figura central.
O documento assume que a acusação “enferma de alguns lapsos de escrita” que “podem ser corrigidos por não implicarem qualquer modificação essencial” das imputações. Pede, por isso, ao juiz de instrução Ivo Rosa para “autorizar/determinar a rectificação dos lapsos”, o que este aceitou, já que as defesas não levantaram obstáculos às correcções.
O documento elenca um total de 85 itens a corrigir, a esmagadora maioria relacionada com lapsos na identificação de escutas telefónicas, provas que surgem a sustentar determinadas partes da acusação. Os erros estão associados à identificação dos visados pelas intercepções telefónicas e da conversa específica que comprova determinada imputação do Ministério Público, ambos traduzidos em números. Nalguns casos faltam números, noutros há números a mais e noutros trocaram-se algarismos.
"No artigo 6697 da acusação, onde se faz referência ao 'alvo 60058040' deve passar a constar a referência ao 'alvo 60085040'”, lê-se numa das rectificações mais repetidas. O lapso decorre da existência de dois algarismos trocados, mas podia impedir as defesas de perceberem qual a escuta em concreto que o Ministério Público considera servir de base a uma determinada acusação.
Sete procuradores
Mais de um ano após sete procuradores assinarem o despacho final da investigação, percebe-se que o Ministério Público teve o cuidado de reanalisar o documento e verificar as provas associadas a cada um dos mais de 13 mil artigos da acusação. E a fama do juiz Ivo Rosa, que é considerado persona non grata por muitos procuradores talvez não seja alheia ao facto. Criticam o juiz madeirense de 52 anos tanto por não autorizar muitos dos seus pedidos de diligências, como por ter absolvido suspeitos com base numa análise, que consideram deficiente, da prova ou ter aplicado penas demasiado brandas.
A avaliar pelas decisões que Ivo Rosa tomou nos quase dois meses em que teve o processo nas mãos, percebe-se bem a diferença relativamente ao juiz Carlos Alexandre, que acompanhou o caso durante os mais de quatro anos de investigação, e, por regra, validou os pedidos dos procuradores. Já são várias as decisões de Ivo Rosa contrárias ao Ministério Público, pelo menos uma das quais levou os magistrados do Departamento Central de Investigação e Acção Penal a recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Caução de Vara: 300 mil euros
Isso mesmo aconteceu com o levantamento da caução de 300 mil euros que o ex-ministro socialista Armando Vara foi obrigado a prestar em Outubro de 2015, após três meses em prisão domiciliária - o que fez hipotecando um imóvel em Paço D'Arcos de que é proprietário. O pedido de levantamento da caução foi apresentado pela defesa do antigo governante, que considerou a manutenção desta medida de coacção "manifestamente excessiva e desproporcional”. Os advogados de Vara lembravam que dos inúmeros arguidos do processo, alguns acusados de crimes de maior gravidade, todos, com excepção de um, encontram-se apenas sujeitos a termo de identidade e residência.
Apesar da oposição do Ministério Público, que considerava manter-se o risco de fuga e de perturbação da prova, o juiz Ivo Rosa levantou a caução, o que levou o procurador Rosário Teixeira a recorrer para a Relação. Já antes o Ministério Público sustentara que havia perigo de fuga, ainda que diminuto, o que justificava com a prática do comércio internacional levado a cabo pelo arguido e pela capacidade financeira e conhecimentos de que dispunha.
Ricardo Salgado já pode sair do país
Ivo Rosa também declarou extinta a proibição de ausência para o estrangeiro sem autorização do antigo banqueiro Ricardo Salgado. Na sequência de um pedido deste para se deslocar a Genebra, no final de Outubro, o juiz constatou que já tinha sido ultrapassado o prazo máximo da medida de coacção e, por isso, a mesma caducara, determinando a devolução do passaporte ao ex-banqueiro.
O Ministério Público também viu serem contrariadas as suas pretensões no que diz respeito às diligências autorizadas para a instrução, uma fase que pretende avaliar se há indícios suficientes para levar os 28 acusados deste mediático processo a julgamento.
O empresário luso-angolano Hélder Bataglia, por exemplo, pedia que as autoridades angolanas esclarecessem quais os factos que foram objecto de arquivamento num processo que decorreu naquele país africano, o que poderia inviabilizar que fosse julgado em Portugal devido a um princípio penal que impede que uma pessoa seja condenada duas vezes pelos mesmos factos.
O procurador Rosário Teixeira defende que não se justificava fazer esse pedido às autoridades angolanas - que podem demorar meses a responder - já que esse processo só foi instaurado em Angola na sequência do facto das autoridades daquele país terem tido conhecimento que no âmbito da Operação Marquês fora emitido um mandado de captura internacional. Isto porque a Constituição angolana tem uma norma que determina que os tribunais angolanos devem julgar os factos de que sejam acusados os cidadãos cuja extradição não seja permitida, o que acontecia com Bataglia que possui nacionalidade angolana além da portuguesa.
Pedido de colaboração a Angola
No processo angolano, chegou a ser feito um pedido de cooperação a Portugal, que foi dado sem efeito após o Ministério Público ter informado Angola da data a que se reportavam os factos. Isto porque os eventuais ilícito estariam abrangidos por uma amnistia, publicada em Agosto de 2016. O Ministério Público português recordava igualmente que o arguido podia sempre juntar ao processo o referido despacho de arquivamento.
O juiz Ivo Rosa teve um entendimento diferente e emitiu uma carta rogatória dirigida à Procuradoria-Geral da República de Angola, pedindo cópia do despacho de arquivamento e da indicação dos factos objecto daquele processo e da data dos mesmos. Mas o Ministério Público não foi o único a ver contrariadas algumas das suas pretensões. Sócrates, por exemplo, viu o juiz aceitar ouvir cinco testemunhas (quatro deles antigos governantes), mas recusar a audição de outras cinco. Neste último grupo incluía-se o juiz Carlos Alexandre e a presidente da comarca de Lisboa, Amélia Almeida, que seriam inquiridas sobre a alegada distribuição da Operação Marquês em Setembro de 2014, quando arrancou uma nova organização dos tribunais e que a defesa insiste que violou as regras legais.
Quanto enviou o processo para o TCIC, o procurador Rosário Teixeira pedia ainda que José Sócrates assumisse a função de fiel depositário de seis quadros que lhe foram apreendidos durante as buscas. A defesa opôs-se argumentando que apenas um, um óleo de Júlio Pomar, constava da acusação, sendo o único que o Ministério Público pedia que fosse dado como perdido a favor do Estado. O juiz Ivo Rosa aceitou os argumentos e devolveu os restantes cinco quadros a Sócrates.