Rui Martiniano (1954-2018): um editor exemplar
Morreu esta sexta-feira, aos 64 anos, o fundador da editora Hiena, que como poeta assinava Rui André Delídia
Criador da Hiena, um dos mais exemplares projectos editoriais portugueses dos anos 80 e 90, Rui Martiniano, nome civil do poeta Rui André Delídia, morreu esta sexta-feira, aos 64 anos, de um aneurisma.
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Criador da Hiena, um dos mais exemplares projectos editoriais portugueses dos anos 80 e 90, Rui Martiniano, nome civil do poeta Rui André Delídia, morreu esta sexta-feira, aos 64 anos, de um aneurisma.
Ex-bancário, Martiniano lançou a Hiena em meados dos anos 80, tendo publicado mais de uma centena de títulos, vários deles traduzidos por Aníbal Fernandes, de autores como Nerval, Baudelaire, Rimbaud, Artaud, Michaux, Genet, Saint-John Perse, Bataille, Tzara, Céline, Duras, Pound, Oscar Wilde, Joyce, Beckett, Nietzsche, Hofmannsthal, Rilke, Kafka, Walter Benjamin, Thomas Bernhard, ou ainda Tsvetaeva e Mandelstam. Um inventário muito resumido, mas que basta para dar uma ideia do que foi o catálogo da Hiena, e de como este privilegiava, embora sem rigidez, uma certa ideia de criação literária que também se deixava pressentir na poesia de Rui André Delídia e em títulos como Princípio de Sombra (1986), O Pó. Verbo da Loucura e de Deus (1987), Luz Negra (1988) ou Arte Inútil (que reúne boa parte da sua obra).
A sua poesia intensamente metafórica, possivelmente devedora de Herberto Helder, mas também aproximável de poetas da sua geração, como Al Berto, ocupa um lugar discreto mas que merece ser evocado na lírica portuguesa dos anos 80.
E publicou, como editor, alguns livros incontornáveis da poesia portuguesa contemporânea, como Dia a Dia Amante (1986), Caligrafia Ardente (1987) e Corpo de Ninguém (1989), de António José Forte, ou Variações em Sousa (1987) e A Musa Irregular (1991), de Fernando Assis Pacheco. E interessou-se ainda por poetas mais novos, como Adília Lopes, de quem publicou O Marquês de Chamilly (1987), ou Paulo Jorge Fidalgo, de quem editou dois livros já nos anos 90, pouco tempo antes de trocar a vida de editor pela de alfarrabista, que há muito vinha mantendo.
O dossier Sodoma Divinizada, que compila os vários textos da polémica que, a propósito de António Botto, opôs Fernando Pessoa à Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa, com introdução e cronologia de Aníbal Fernandes, O Tempo dos Assassinos, o livro de Henry Miller sobre Rimbaud, ou As Magias, traduções de Herberto Helder, são outros dos muitos títulos que marcaram o trajecto da Hiena.