Do caso Robles às trapalhadas de Tancos: os momentos políticos mais desastrosos de 2018
Frases menos pensadas, ataques cirúrgicos a outro partido, informações incorrectas que podem valer muitos euros na conta bancária. Com mais ou menos ética, mais ou menos sentido político, a imagem dos deputados pintada em 2018 pelos próprios ficou esborratada.
O Parlamento voltou a ser o palco principal das trapalhadas políticas do ano que chega ao fim. Mais ou menos graves, distraídas ou assumidas, todas contribuíram para afastar ainda mais os cidadãos dos políticos e da política. Para que se voltasse a ouvir frases como “eles são todos iguais”, ou “eles estão lá é para se servir”. Na maior parte dos casos não será verdade, mas são “eles”, os políticos, quem mais contribui para que haja essa percepção. Sabendo que não vai ser fácil em ano eleitoral, PÚBLICO deseja a todos um 2019 menos tranquiberneiro.
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O Parlamento voltou a ser o palco principal das trapalhadas políticas do ano que chega ao fim. Mais ou menos graves, distraídas ou assumidas, todas contribuíram para afastar ainda mais os cidadãos dos políticos e da política. Para que se voltasse a ouvir frases como “eles são todos iguais”, ou “eles estão lá é para se servir”. Na maior parte dos casos não será verdade, mas são “eles”, os políticos, quem mais contribui para que haja essa percepção. Sabendo que não vai ser fácil em ano eleitoral, PÚBLICO deseja a todos um 2019 menos tranquiberneiro.
Moram em Lisboa e noutro sítio qualquer
Foi um mês em que Feliciano Barreiras Duarte, recém-escolhido para secretário-geral do PSD, não tinha para onde se virar sem que houvesse um dedo apontado. Depois dos dados falsos no currículo sobre um doutoramento em Berkeley, foi a morada: apesar de viver em Lisboa, o deputado indicou ao Parlamento, durante dez anos, a morada dos pais no Bombarral, sendo-lhe dessa forma creditado um subsídio para deslocações maior. Outros nomes surgiram associados à mesma prática, que indicam moradas diferentes ao Tribunal Constitucional e à AR – da socialista Elza Pais aos sociais-democratas Clara Marques Mendes e Duarte Pacheco ou o bloquista Heitor de Sousa. Fazem parte da lista de casos que o Ministério Público está a investigar.
Foi você que pediu um reembolso?
Em Abril, descobriu-se que havia deputados eleitos pelos Açores e Madeira que apesar de receberem do Parlamento um subsídio de 500 euros semanais para pagar as viagens entre Lisboa e as ilhas (mesmo que não as façam mas marquem presença na AR), pediam às transportadoras o reembolso de pelo menos parte do valor do bilhete através do subsídio social de mobilidade.
O deputado do Bloco Paulino Ascensão admitiu a falha ética e deixou o Parlamento uns meses mais cedo que estava previsto e devolveu o dinheiro a uma instituição com a qual colabora. Sara Madruga da Costa (PSD) prometeu devolver o dinheiro. E Carlos César, presidente do PS e da bancada do partido, que admitiu que pedia o dinheiro de volta, fez finca-pé de que não estava a fazer nada de ilegal. Os serviços do Parlamento vieram dizer que não havia ilegalidades mas o manto de suspeição não mais se levantou.
O caso andou a correr as portas dos serviços e das comissões, e acabou na gaveta da comissão da Transparência que há-de debater o assunto – sem se saber quando. Agora estacionou num grupo de trabalho criado pela conferência de líderes que vai rever um regulamento de 2004. O Tribunal de Contas já avisou que o melhor é só pagar a entrega de facturas de viagens feitas mas os deputados não gostam da ideia.
A casa assombrada do Bloco de Esquerda
Julho corria para o fim quando caiu a notícia que sacudiu o Bloco de Esquerda. Um velho edifício de três pisos numa rua da alfacinha Alfama foi comprado em Março de 2014 por 347 mil euros. O proprietário investiu 650 mil em projectos, licenças e respectivas obras de requalificação, e o edifício foi colocado, de novo, à venda, agora através de uma imobiliária de luxo e com uma avaliação de 5,7 milhões de euros.
Nada nesta transacção seria notícia, não fora o caso de um dos proprietários em causa ser o vereador do BE da câmara de Lisboa, Ricardo Robles, que acusava o executivo que integrava de ser um “promotor da especulação imobiliária”.
Robles, num longo comunicado, ensaiou uma desculpa evocando razões familiares e a líder do BE Catarina Martins saiu rápido em sua defesa. Nem um nem outro perceberam que só havia uma solução: a demissão. Demoraram quase três dias para verem o óbvio e, nesse tempo, o caso ganhou proporções que não teria se tivesse sido resolvido de imediato.
Robles saiu de cena, remeteu-se, até agora, a uma total abstinência política e o prédio ainda não voltou para venda, mas deixou feridas graves no BE e, toca que não toca, ainda surge na actualidade política.
Um “paiol” de trapalhadas que quase dava uma grave crise política
O roubo de equipamento militar em Tancos, em Junho de 2017, e o seu achamento, em Outubro do mesmo ano, tem sido desde o início uma enorme trapalhada com dezenas de outras trapalhadas dentro. Muitas delas políticas. Este ano soube-se que afinal a recuperação do equipamento tinha por trás uma encenação entre a Polícia Judiciária Militar (PJM) e o alegado autor do fruto que foi deixado em liberdade a troco da entrega das armas. Há vários elementos da PJM e militares da GNR constituídos arguidos e o antigo director detido. Causou ainda a demissão de um ministro da defesa e de um Chefe do Estado-Maior do Exército. A sintonia de confusões acabou por descambar em algo muito mais grave e envolveu o primeiro-ministro e o Presidente da República. No início de Novembro começam a ser lançadas suspeitas de que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa podiam saber mais do que deviam saber sobre a investigação a Tancos. Ambos o desmentiram por diversas vezes. Até que uma frase do Presidente faz disparar os alarmes: “Se pensam que me calam, não me calam.” Muitos viram o primeiro-ministro como o destinatário do recado. Belém também nunca o desmentiu. Foi suficiente para ambos enterrarem o machado de guerra. Nunca o clima entre ambos esteve tão tenso este ano. Por vezes, as trapalhadas, acabam em casos muito mais graves.
Uma “tourada” no Parlamento
Graça Fonseca tinha tomado posse como ministra da Cultura há 15 dias. A 30 de Outubro vai ao Parlamento apresentar o orçamento da sua pasta. À conversa veio a redução da taxa do IVA para a cultura, mas as touradas ficavam de fora. Questionada sobre as razões para esta decisão afirmou: “A tauromaquia não é uma questão de gosto, é uma questão de civilização.” Estava lançado a alvoroço. Os antitouradas saudaram a “coragem” da ministra e os pró-toiros lançaram-lhe fortes críticas. Entre estes estavam alguns socialistas. Mas o pior ainda estava para vir. Um grupo de deputados do PS, com o líder parlamentar, Carlos César, à cabeça, acabaria por propor o IVA para as touradas descesse também para os 6%, como outros espectáculos culturais, contrariando a ministra da Cultura e o primeiro-ministro. Na votação no parlamento, os deputados socialistas pró-touradas acabariam por dar a vitória à descida do IVA para o sector. As touradas ainda haviam de causar mais um dissabor à ministra. Questionada sobre o assunto durante a feira do Livro de Guadalajara, no México, afirmou: “Uma coisa óptima de estar em Guadalajara há quatro dias é que não vejo jornais portugueses.” Graça Fonseca também tem a tutela da comunicação social.
Passwords e falsas presenças no Parlamento
Parecendo ter o dom da ubiquidade, o deputado do PSD José Silvano foi registado como presente no Parlamento quando estava a 400 quilómetros, numa acção do partido com Rui Rio. Só uma semana depois a deputada Emília Cerqueira veio assumir que marcara “inadvertidamente” a presença ao entrar na área de trabalho de Silvano através do computador do plenário e insurgiu-se contra as “virgens ofendidas” de Lisboa, uma terra “onde não há virgens”. Outros casos vieram depois a público como o de Feliciano Barreiras Duarte numa sessão do orçamento, Duarte Marques e José Matos Rosa.
O banho de ética que Rui Rio prometeu tem sofrido de falta de água e, em Helsínquia, à entrada do congresso do PPE, puxou do alemão para fugir às perguntas dos jornalistas portugueses. “Ich weiß nicht was Sie sagen”, comentou, a rir – “eu não sei o que está a dizer”.
Posta de lado a opção de se usarem dados biométricos dos deputados, Ferro Rodrigues demorou a reagir mas decidiu que teria que teriam que passar a fazer um duplo registo e pediu que se punam os infractores e as respectivas bancadas. O líder da bancada “laranja” fez ouvidos moucos, recusou sanções e limitou-se a dizer que só pode “sensibilizar”.
Carlos César puxou dos galões para dizer que “comportamentos fraudulentos” destes dariam expulsão no PS e Negrão não tardou a lembrar-lhe os telhados de vidro dos subsídios de viagem. O Ministério Público abriu uma investigação ao caso. Se os primeiros casos são o resultado de guerras internas no PSD, há quem tema que o aperto da fiscalização destape também situações noutros partidos.
Os grevistas criminosos da ministra Temido
Imagine uma ministra que se diz ideologicamente de esquerda sugerir que negociar com os grevistas é privilegiar o criminoso. É difícil, mas aconteceu no dia 18. Em plena greve dos enfermeiros que já levou ao cancelamento de milhares de cirurgias, a ministra da Saúde, Marta Temido, faz a seguinte declaração: “Isso [negociar com os enfermeiros em greve] nem sequer seria correcto para com as estruturas que decidiram dar-nos o benefício de continuar à mesa e a negociar connosco. Isso estaria a privilegiar, digo eu, o criminoso, o infractor.” Tudo acabou, claro, com um pedido de desculpas aos enfermeiros.