Portugal em 2019: não, isto não é a aldeia do Astérix
O melhor para o sistema político português seria o PS ganhar as eleições com maioria absoluta, por duas ordens de razões.
Muita gente está convencida de que Portugal é como a aldeia gaulesa dos livros de Astérix: resiste hoje e sempre à invasão dos populismos e à italianização do seu sistema político. Não acredito nisso. Nos últimos três anos, António Costa não encontrou a fórmula da poção mágica – apenas manobrou habilmente com muito vento pelas costas, cortesia de uma conjuntura económica internacional altamente favorável (e dificilmente repetível) e do trabalho do governo PSD/CDS no equilíbrio das contas públicas entre 2011 e 2015. Não vai acontecer de novo.
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Muita gente está convencida de que Portugal é como a aldeia gaulesa dos livros de Astérix: resiste hoje e sempre à invasão dos populismos e à italianização do seu sistema político. Não acredito nisso. Nos últimos três anos, António Costa não encontrou a fórmula da poção mágica – apenas manobrou habilmente com muito vento pelas costas, cortesia de uma conjuntura económica internacional altamente favorável (e dificilmente repetível) e do trabalho do governo PSD/CDS no equilíbrio das contas públicas entre 2011 e 2015. Não vai acontecer de novo.
Em 2019, Costa e o PS irão ganhar facilmente as eleições europeias e legislativas, a não ser que haja uma revolução à direita, e a tragédia do PSD de Rui Rio nas europeias de Maio seja tão grande (com números abaixo dos 25%) que lhe aconteça o mesmo que a António José Seguro antes das legislativas de 2015. Como isso não parece de todo provável – até porque na actual conjuntura ser líder do PSD não é trabalho que se inveje por aí além –, Rio e Costa enfrentar-se-ão em Outubro em registo Dupont e Dupond, paradoxalmente numa das mais estimulantes eleições da história recente (ninguém faz a menor ideia do que possa acontecer em caso de maioria relativa), e das quais eu acredito que possa sair uma confusão política de proporções assinaláveis.
O melhor para o sistema político português seria o Partido Socialista ganhar as eleições com maioria absoluta, por duas ordens de razões. A primeira, é porque essa vitória iria permitir a renovação do PSD e a eleição de um líder mais competente do que Rui Rio, capaz de se assumir como uma verdadeira alternativa ao PS. A segunda, é porque ela iria finalmente mostrar aquilo que António Costa vale sem ter margem para reversões, e sem parceiros à esquerda para serem usados como desculpa para a falta de ímpeto reformista. A última vez que o PS teve uma legislatura pela frente com nuvens negras no horizonte foi em 1983 – e ainda assim puxou o PSD para o seu lado e constituiu o Bloco Central. Já é mais do que tempo de provar que é um partido crescido, capaz de tomar decisões difíceis, e não um partido mimado, que só sabe governar em tempo de vacas gordas.
Como já referi várias vezes, tenho António Costa em melhor conta do que a maior parte dos meus amigos de direita – seja pelo que fez à frente da Câmara de Lisboa, seja pela habilidade política que tem demonstrado, e que para mim não deixa de ser uma qualidade assinalável, mesmo discordando das suas ideias –, mas a legislatura 2015-2019 é a maior estátua à paralisia política e social que foi erguida neste país desde os tempos do Estado Novo. As cativações de Mário Centeno são a metáfora perfeita dos últimos anos – estamos feridos pelo passado, presos ao presente e sem perspectivas de futuro.
Se António Costa conseguiu o milagre de levar a legislatura até ao fim, há um milagre que não conseguiu fazer: tornar-se um primeiro-ministro genuinamente apreciado pelos eleitores. Toda a gente lhe gaba a inteligência e a habilidade política, mas ele não surge aos olhos dos portugueses como uma pessoa confiável – e não é dessa massa que são feitos os construtores de maiorias absolutas. Duvido muito que vá conseguir tê-la em Outubro de 2019, apesar dos sucessivos hara-kiris de Rui Rio. Que o PSD se está a desmoronar, não há margem para dúvidas; que seja o PS a apanhar os seus despojos, já não estou tão certo.
Os próximos nove meses vão ser difíceis para António Costa. A conflitualidade social vai aumentar. O PCP tem interesse em desgastar o governo, para impedir uma maioria absoluta. Os professores prometem guerra sem quartel pela recuperação da totalidade do tempo de serviço. E todo o funcionalismo público está a afiar as garras para conseguir mais dinheiro em ano de eleições. Continuando António Costa a ocupar o palacete de São Bento, aquilo que oferecer agora a crédito é ele próprio quem terá de pagar a pronto na próxima legislatura.
Também o preço das cativações, com uma dimensão inédita – Centeno nunca necessitou de orçamentos rectificativos porque optou sempre por orçamentos criativos –, já está a fazer-se sentir não no bolso, mas no corpo dos portugueses. O SNS está caótico, os transportes públicos agonizam e as instituições de protecção civil exibem regularmente a sua incompetência. Isto não mata o governo, mas mói, porque mesmo havendo mais algum dinheiro no bolso, as pessoas têm perfeita consciência de que a qualidade dos serviços públicos está a diminuir de forma significativa.
Há ainda a frente externa, onde a notícia do fim da História foi manifestamente exagerada. O mundo está em mudança rápida: o “Brexit” lançou o Reino Unido no caos, Macron está em queda, a Itália em convulsões, as democracias liberais recuam, as autocracias progridem, há confusão em Espanha, incógnitas na Alemanha. E quando saímos da Europa as coisas não melhoram muito: do crescimento da China à instabilidade nos Estados Unidos, passando pela nova aventura brasileira com o senhor Bolsonaro, basta um bater de asas para o mundo mergulhar em nova crise.
E depois, claro, há a situação da justiça em Portugal. Também aí 2019 será o ano de todos os perigos para o PS, com a instrução da Operação Marquês. Se José Sócrates se vier a safar com um golpe de secretaria, será a descredibilização total da justiça portuguesa. Se José Sócrates voltar a abrir telejornais em véspera de eleições, a vida de António Costa ficará um pouco mais difícil. Neste aspecto, nem o PS de Costa, nem o PSD de Rio, são confiáveis.
Mais tarde ou mais cedo, o sistema político português irá reconfigurar-se, por uma razão muito simples: os partidos tradicionais não estão a dar resposta às preocupações dos seus cidadãos. Portugal tem a sorte de não ter problemas com a imigração, mas o sentimento de injustiça quanto à distribuição de rendimentos e a descredibilização da classe política está aí, bem à vista de todos. Ninguém duvide: ele vai mesmo fazer-se ouvir. Muito provavelmente, já a partir de 2019.