O k-pop não é coisa de miúdos
Não são apenas os pré-adolescentes que gostam de k-pop. Em Portugal, os fãs mais velhos deste estilo de música têm mais de 20 anos e já há dez que ouvem música pop feita na Coreia do Sul.
Arthur Oliveira cumprimenta o P3 com uma sweatshirt colorida, com ironia cosida no peito: “Ugly but lovable” (feio, mas adorável). Hoje vamos falar de k-pop, uma das suas paixões, já há quase dez anos. “Naquela altura, em 2009, não havia muita gente a ouvir. Eu era o único na escola que ouvia”, conta Arthur. Actualmente com 24 anos, já licenciado e a trabalhar como assistente de apoio ao cliente, continua a declarar-se fã confesso — e um dos mais antigos em Portugal. “Sou o ancião do k-pop”, brinca.
Encontrámo-lo num dos cafés da capital que serve de ponto de encontro da comunidade de amantes da cultura coreana no Parque das Nações, em Lisboa — um café onde se serve bubble tea, bebida taiwanesa à base de chá com bolinhas de gelatina, adoptada pelos amantes da Ásia no Ocidente como bebida semioficial.
Também Sara Freitas, 23 anos, e Luís Sigorro, 24 anos, escolheram um café onde se bebe bubble tea, este na Baixa da cidade, para a conversa com o P3. Tal como Arthur, são admiradores da cultura coreana desde que acabaram o ensino básico e hoje, com os estudos terminados e a entrar no mercado de trabalho, o amor pela Coreia do Sul não desvanece. Sara estudou Dança na Faculdade de Motricidade Humana e Luís foi para as Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Marta Nunes é a fã mais nova com quem falámos – tem 18 anos e está neste momento a acabar o ensino secundário, num curso profissional de desenho técnico digital 3D. O encontro foi marcado na redacção e Marta apareceu com maquilhagem em tons laranja e amarelo. O seu grupo preferido, os BTS, são o grupo de k-pop mais conhecido da actualidade.
Quatro fãs que fazem parte da geração mais velha de amantes de música pop sul-coreana. Seguem este estilo de música desde o seu desabrochar — entre 2008 e 2009, seguindo o hallyu, ou onda cultural coreana, que começou a tomar forma no início de 2000.
São apenas quatro dos milhões de fãs espalhados por todo o mundo. Ao longo dos últimos dez anos, a indústria do k-pop cresceu de forma exponencial. Em 2017, foi avaliada em cerca de cinco mil milhões de dólares (quase 4,4 mil milhões de euros), de acordo com os dados da Bloomberg, e está no top das mais rentáveis do mundo — apenas atrás dos EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido e França.
Atrás destes números estão as empresas produtoras de música, supermáquinas de fazer "ídolos" (como são chamados e conhecidos os membros dos grupos de k-pop). Os “ídolos” são escolhidos quando ainda são crianças, treinados para a perfeição muito antes de sequer chegarem ao mercado — longe da inocência da primeira banda da história do k-pop, os Seo Taiji & Boys, formados em 1992.
Nos anos 1990, a Coreia do Sul acordava de décadas de guerra seguida de regimes autocráticos, com uma mão férrea sobre a cultura. Foi terreno fértil para estes grupos que usavam sonoridades adaptadas do hip-hop e R&B norte-americanos falarem sobre os problemas dos sul-coreanos. Algo que não existia antes: a produção nacional de música focava-se sobretudo nas baladas e nas canções nacionalistas.
De 1992 a 2018 vão 26 anos. Durante esse tempo, a música coreana galgou fronteiras — primeiro para os vizinhos China e Japão, dois grandes mercados asiáticos. A “diáspora” rumou depois à Europa, Américas e África, conta o embaixador da Coreia do Sul em Portugal, Chul-min Park.
Uma experiência para além da música
Para Arthur, é óbvio o que o atrai neste estilo de música. A resposta é imediata: “Para mim o k-pop não é uma experiência só auditiva. Acho que não tem graça chegar ao pé de uma pessoa e dizer 'escuta essa música'. Se for k-pop tem de ser 'vê esse vídeo'. O k-pop não é uma coisa só de ouvir. Não é só pela música: é uma experiência geral. Tem que ver o vídeo, a dança, a música.”
Os vídeos são recheados de cor e efeitos especiais, com danças pensadas ao pormenor. Em termos musicais, os grupos arriscam e passam por mudanças tão drásticas ao longo da carreira que cada álbum é uma oportunidade para apresentar um estilo e um conceito novo.
Também Luís Sigorro refere “a música e a imagem” como razões que o levam a gostar de k-pop. “Mesmo que não perceba a língua, vou pesquisar para saber o que dizem as letras. Agora que estou num grupo de dança, também é pela batida e pela coreografia.”
Para Sara, foi a língua que a fez apaixonar-se pelo k-pop. “Gostei da sonoridade — tanto que tirei cinco anos de coreano, num curso que ainda não acabei. Eles são muito bons a vender a música e a criar uma imagem perfeita, criativa de diferença. E tu pensas: ‘Quero ser assim’”.
A “imagem do que a Coreia gosta”
Sara sistematiza este sentimento em poucas palavras: “No k-pop a mensagem é: sim, estou aqui e sou bonita, mas tu também consegues ser. É diferente do Ocidente, onde o objectivo é criar distanciamento”. Mensagem a reter: “Tu também podes chegar a este nível se quiseres.”
Para Marta Nunes, o que a faz gostar de k-pop é precisamente o facto de “a maior parte dos ídolos ser muito trabalhadora”. “Se alguém tem uma paixão por algo vai tentar trabalhar o máximo que consegue naquilo para ser o melhor. Eu respeito muito isso.”
A máquina de produção de superestrelas sul-coreana é bem oleada. Há três grandes empresas a dominar o mercado – a SM, YG e JYP – que escolhem os seus ídolos e os preparam para o estrelato desde muito cedo. As estrelas em ascensão devem ser capazes de falar coreano fluentemente, dançar, cantar e mais. Não lhes é autorizada uma única mancha no currículo – mesmo que seja algo tão banal como uma relação amorosa.
“Têm de ser supermagros e ter a pele perfeita. Quando querem, fazem plásticas. O objectivo é vender uma imagem que a Coreia gosta”, explica Sara. Quando começou no k-pop, as coisas eram menos abertas e os limites impostos pelas empresas eram visíveis até no guarda-roupa: “As raparigas agora podem mostrar barriga e as pernas. Em 2010 nem podiam mostrar os ombros. Não podiam abanar a anca e se o fizessem os vídeos eram banidos.”
“Eles não podem namorar”, continua Luís. “O objectivo é que as fãs olhem para os ídolos como possíveis namorados ou namoradas. Então quando efectivamente namoram, fazem-no às escondidas. Quando são descobertos são expulsos [dos grupos].”
“O k-pop é um produto e nós sabemos que há ali coisas bastante falsas, criadas para dar uma certa imagem e agradar ao público”, diz Luís. “E eu gosto sempre de saber os podres da indústria”, comenta, entre risos.
Do YouTube para o mundo
Os quatro fãs têm uma coisa em comum: todos descobriram o k-pop quase por acidente, enquanto navegavam no YouTube. Alguns deles, como Luís Sigorro, já se interessavam pela cultura japonesa antes: “Como muitas pessoas, conheci o k-pop através do anime [cinema de animação japonês] e da cultura japonesa. Comecei a interessar-me pelo Japão até descobrir o k-pop.”
É também através do YouTube que muitos destes fãs expressam a sua admiração pelos grupos, apresentando interpretações e versões de canto e dança. Luís dança num desses grupos, assim como Marta — por causa da tia. “Foi por causa dela que criámos um grupo de covers [versões] de k-pop de dança e de canto. E fomos ao K-pop Festival, uma espécie de competição que houve em Lisboa. Não ganhámos, mas foi divertido”.
Os eventos de k-pop são outro dos elementos que ajudam a unir esta comunidade em Portugal. Muitos deles são encontros informais, organizados pelos próprios fãs, mas outros são organizados pela embaixada. É o caso do K-Music Festival (antigo K-pop World Festival), organizado em Portugal sob indicação do Ministério do Turismo sul-coreano e do canal de televisão público sul-coreano, o KBS. Começou em 2011, ano em que as diplomacias locais tiveram ordens para encontrar os melhores nas categorias de canto e performance.
“Desde logo houve interessados no evento em Portugal, mas está a crescer”, ilustra o embaixador da Coreia do Sul. “Em 2013, no primeiro ano que organizámos [K-pop World Festival], no Museu do Oriente, com 300 lugares, esgotou. Em 2014 também e os fãs pediram-nos um espaço maior.” Em 2016, o evento passou para o Teatro Maria Matos. “Em dez minutos os bilhetes estavam esgotados. Veio uma cantora da Coreia que não é muito conhecida, mas mesmo assim esgotaram.” Em 2017, voltaram ao Museu do Oriente. Novamente esgotado: “As pessoas estavam desde manhã às portas do museu.”
Essa edição foi especial para Arthur, que foi o escolhido pela embaixada para a apresentar: “Nunca tinha apresentado nada, mas foi engraçado porque é uma responsabilidade nova. Havia muita gente a torcer por mim.”
Um vício caro
À falta de concertos, há quem tenha de se contentar com CD e merchandising. Em 2018 já é possível encontrar álbuns e produtos destes grupos nas prateleiras das lojas da especialidade.
“Em Setembro de 2017 reparámos que algumas lojas, nomeadamente a FNAC Colombo e a FNAC Chiado, estavam com vendas significativas deste género musical, que se deviam sobretudo a pedidos específicos por parte dos clientes que tinham especial interesse em discos da banda BTS”, explica Inês Condeço, directora de comunicação da FNAC Portugal.
Antes, os interessados tinham de recorrer ao catálogo de importações para fazerem as suas encomendas. Agora, desde o início do ano, os produtos de k-pop estão expostos na loja, acompanhando o interesse dos fãs. Mas nem sempre foi assim.
“Para ter os materiais em formato físico tens de ter dinheiro para encomendar. Já há vários sites e grupos no Facebook que vendem e revendem o que têm. Quase todos os CD que tenho foram dados, alguns comprei em segunda mão”, diz Sara.
O preço destes produtos, explica, deve-se ao facto de não se comprar apenas o CD: “São caros porque vêm do exterior, mas não só. Por exemplo, num CD dos One Direction, tens o CD e a capa de plástico com o folheto. No k-pop eles investem em sessões fotográficas, no CD em si. O último que comprei foi do G-Dragon, chama-se One of a Kind. É do tamanho de uma bíblia. Há duas versões, a bronze e a gold, com fotografias diferentes. Têm photocards, posters. A capa em si é almofadada.” Custa mais de 40 euros.
Para contornar esses custos, muitos fãs optam por comprar fan art — arte feita por outros fãs, como desenhos ou crachás — para alimentar esta paixão, em vez do merchandising oficial destes grupos. Encontram-se à venda em encontros de fãs, na maioria das vezes.
“Nos meetings compro uma ou outra coisa, tipo fan art, porta-chaves, coisas pequeninas. Há muitos que são feitos pelos próprios fãs. É muito raro comprar merchandising — as camisolas são ainda mais caras”, conta Sara. Ao lado, Luís concorda. Apesar disso, não se sentem menos fãs e vão acompanhando as novidades dos seus ídolos sempre que podem.
Para quando BTS em Portugal?
Os concertos são raros — contam-se pelos dedos de duas mãos os grupos sul-coreanos que já passaram por Portugal.
“Os palcos de música pop coreana são muito grandes”, conta o embaixador Chul-min Park, a sorrir, no seu escritório numa das movimentadas artérias centrais de Lisboa. “Aqui há 5000 fãs, mas não é suficiente [para trazer os grandes artistas cá]. A audiência tem de ser grande. Eles nem pensam em vir aqui.” A voz torna-se grave por momentos, mas a seguir volta a iluminar-se: “Só se conseguirmos encher o Estádio da Luz”, brinca.
Sara Freitas discorda. “Quando eu comecei, sim, éramos pequenos para que os grupos quisessem vir cá. Mas agora não. Até porque já tivemos bastantes grupos grandes com bastantes fãs a cá virem. Ainda vai demorar, mas já estão a começar a perceber que há cá público.”
Trazer os maiores músicos da actualidade, os BTS, é que é uma tarefa quase impossível para o embaixador Park: “Quando cheguei a Portugal, tive uma conversa com estudantes portugueses, na sua maioria amantes da cultura coreana e de k-pop. Uma dessas estudantes foi muito corajosa e inteligente e disse: ‘Podia fazer-me um favor?’. E eu respondi: ‘Sim, farei o meu melhor’. E ela pediu-me: ‘Traga os BTS a Portugal’”, recorda Park, entre risos.
“Eu já sabia que eles eram ídolos, então disse que os traria. Só quando cheguei ao escritório é que me apercebi que cometi um grande erro. Os BTS não são um grupo com quem eu pudesse contactar sequer.”
Notícia editada às 17h49