Rui Moreira recusa parar construções na Arrábida

Até prova em contrário, os actos urbanísticos na Arrábida são válidos, argumenta presidente da câmara do Porto, garantindo que autarquia irá "cumprir escrupulosamente a lei". Relatório da comissão de inquérito foi apreciado esta quinta-feira

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A comissão eventual era inicialmente composta por seis membros. No final eram apenas três André Rodrigues

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, não pretende parar as construções que outros podiam ter "chumbado" e, por isso, as obras na escarpa da Arrábida vão continuar. Até porque, argumenta, "até prova em contrário, os actos urbanísticos na Arrábida são válidos".

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O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, não pretende parar as construções que outros podiam ter "chumbado" e, por isso, as obras na escarpa da Arrábida vão continuar. Até porque, argumenta, "até prova em contrário, os actos urbanísticos na Arrábida são válidos".

"Não podem contar comigo para parar construções que outros podiam não ter autorizado, (...) mas contem comigo para parar este dominó de compensações que sai caro, muito caro à factura que os portuenses pagam. A Câmara Municipal do Porto, enquanto eu a ela presidir, irá cumprir escrupulosamente a lei", afirmou esta quinta-feira na sessão extraordinária da Assembleia Municipal do Porto, onde foi apreciado o relatório da comissão de inquérito à obra da Arcada na escarpa da Arrábida. 

O autarca deixou claro que "até prova em contrário ou pronúncia por parte do Ministério Público ou da IGF [Inspecção-Geral das Finanças] (...) os sucessivos actos urbanísticos são válidos". "Não pode nem deve o presidente da Câmara, por gosto, por convicção pessoal ou por submissão a pressões políticas ou mediáticas, fazer outra coisa que não seja cumprir a lei."

Para Rui Moreira, um embargo da obra seria, "mais uma vez, paga pelos portuenses", tal como no caso do Parque da Cidade, oferecendo "um duplo benefício" a esses mesmos interesses imobiliários. "Se há coisa que nós hoje sabemos por certo é que esses interesses imobiliários são quem mais beneficia de actos imprudentes por parte das entidades públicas. Veja-se o caso do Parque da Cidade, em que se tentou impedir por decisão política construções e se acabou por permitir parte dessas construções, mas que ainda assim se pagaram 52 milhões de euros de indemnização. E, pelos vistos, ainda se autorizaram estas construções na escarpa da Arrábida. Quem pagou? Pagaram os portuenses", declarou.

Já relativamente às recomendações do relatório e às suas conclusões, o independente assegurou que "as aceita e as vai cumprir" por respeito à Assembleia Municipal, mas também por "firme convicção".

Para o presidente da câmara "não existe qualquer evidência de que tenham existido actos nulos ou ilegais passíveis de alterar a actuação do município", até porque todos os pareceres que fazem parte do processo informam sobre a legalidade dos actos deste e dos anteriores executivos.

Quanto aos actos dos vereadores, dos seus ou de executivos passados, o relatório é claro, defende Moreira, "todos os vereadores tomaram decisões que, podendo ter sido outras em alguns casos, foram ainda assim todas legais".

Segundo o relatório da comissão de inquérito, conhecido na quarta-feira, não há "qualquer ilegalidade indiscutível" no licenciamento e execução do processo urbanístico da Arcada praticada por qualquer um dos vereadores do Urbanismo entre 2002 e 2018.

A comissão eventual da Assembleia Municipal do Porto recomendou, contudo, mandatar o presidente da Assembleia Municipal, Miguel Pereira Leite, para "remeter o presente relatório aos serviços competentes do Ministério Público para apreciação de todas as questões que o documento possa suscitar e que ultrapassem as competências" da própria comissão.

Rui Rio "só podia saber" do processo

Para o deputado municipal Rui Sá, da CDU, Rui Rio "só podia saber" do processo que viabilizou as obras na Arrábida como "condição negocial" para os acordos do Parque da Cidade. "É evidente que Rui Rio não tem a sua assinatura em nenhum processo, é evidente que Rui Rio não tem a sua impressão digital em nenhum papel, mas é evidente que Rui Rio só podia saber. Se Rui Rio diz que foi ele a conduzir o processo no Parque da Cidade (...) e se nós concluímos que o processo da Arrábida está relacionado com o Parque da Cidade, então não me venham dizer que o responsável pela negociação do Parque da Cidade não sabia. Ninguém duvida que aquilo só podia ter sido feito com o beneplácito de Rui Rio", afirmou.

Já o deputado municipal do PS Pedro Braga de Carvalho, que foi escolhido para relator e que, entretanto, abandonou a comissão, disse não participar em processos de assassínio político, garantindo que não verificou a prática de nenhum crime.

Ainda assim, no entendimento do PS, "o projecto urbanístico na base da escarpa da Arrábida é ilegal por violar as mais elementares regras do Plano Director Municipal e por faltar no procedimento respectivo o parecer obrigatório da APDL [Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo].

Já o grupo municipal do Bloco de Esquerda, que apresentou uma recomendação na qual pedia a suspensão imediata da obra na escarpa da Arrábida, solicitando que a câmara reivindicasse os terrenos "apropriados indevidamente" e avançasse com o inventário dos terrenos municipais, viu a sua pretensão frustrada ao não conseguir que a Assembleia Municipal aceitasse votar a sua recomendação.

Pedro Lourenço, do BE, que fez parte da comissão, afirmou que "paira uma nuvem" sobre esta matéria, sublinhando que não se pode ignorar que "os terrenos onde decorre a obra são municipais", empreitada esta que "não poderia ter avançado sem parecer da APDL".

Para a deputada Bebiana Cunha, do PAN, mesmo que não se tenham apurado ilegalidades, "há responsabilidades políticas nesta matéria", dado que existiram "dentro da sua margem de discricionariedade" responsáveis políticos que escolheram aprovar o que podiam ter indeferido.

Na sua intervenção, a deputada do grupo municipal do PSD, Mariana Macedo, deixou claro que o relatório final não "merece credibilidade", condenando a vontade de, "de uma forma leviana, fazer juízos de valor de Rui Rio".

Já André Noronha disse aceitar democraticamente todas as críticas, mas não poder aceitar outro relatório ou "aceitar discuti-lo com quem nele não quis participar".

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Obra está a ser investigada pelo Ministério Público André Rodrigues

A comissão eventual era inicialmente composta por seis membros, um de cada grupo municipal. Com a saída do PSD - que aconteceu em Novembro, após o convite para Rui Rio participar numa audição -, do PS e do BE restam como "membros efectivos" André Noronha, do movimento de Rui Moreira, Rui Sá, da CDU, e Bebiana Cunha, do PAN, que assinam o relatório.

A obra em curso, situada na base da escarpa a jusante da Ponte da Arrábida, está pelo menos desde Abril a ser investigada pelo Ministério Público, tendo o tribunal recusado, em Novembro, a pretensão da empresa Arcada para intimar a Câmara com vista à emissão do alvará da segunda fase da obra, que contempla 16 pisos e 43 fogos.