Pop: o melhor do ano

Escolhas de Francisco Noronha, Gonçalo Frota, João Bonifácio, Mariana Duarte, Mário Lopes, Nuno Pacheco, Pedro Rios e Vítor Belanciano.

  

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Landfall

Laurie Anderson & Kronos Quartet

Nonesuch, distri. Warner Music

Uma longa odisseia — cerca de 70 minutos de sons e palavras — que resulta numa espécie de ritual circular, com subtis vínculos electrónicos guiados pelos teclados, filtros, samples, violino e voz de Laurie Anderson e pelos violinos e violoncelos dos Kronos Quartet, num contínuo sonoro com tanto de dramático quanto de encantador e apaziguador. V.B.

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29

Songs Of The Saxophones

The Saxophones

Full Time Hobby, distri. PopStock

Um casal americano em estreia, com música íntima, vagarosa e sonhadora, que apetece dançar lentamente a dois, com manchas da pop sonhadora dos anos 1950, do estilo "exótica" como ele foi definido por Martin Denny, do jazz mais clássico, da folk ou bossa mais luminosa, tudo isto contaminado pelos ambientes misteriosos de David Lynch. V.B.

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28

Sol de Março

Medeiros/Lucas

Lovers & Lollypops

Sol de Março encerra magistralmente a trilogia iniciada com Mar Aberto. Tem âncora no Mediterrâneo, mas horizontes mais vastos. É um disco que é viagem sem tempo, uma introspecção do que somos. M.L.

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27

Joy As An Act of Resistance

Idles

Pias

Existe arte na brutalidade. Produzir tamanha enxurrada implica uma encenação que crie as condições ideias para que cada riff nos queixos do ouvinte tenha o impacto desejado. Os Idles não são apenas brutos que aprenderam três acordes — os Idles são a resistência. J.B.

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Broken Politics

Neneh Cherry

Awal, distri. PopStock

Por vezes parece que regressamos a Blue Lines, dos Massive Attack, o álbum que em parte foi gravado na casa do casal Cherry, misto de desolação e projecção de esperança. É como se o casal olhasse para trás e para a frente ao mesmo tempo, reflectindo o mundo tumultuoso e ruidoso à sua volta, mas fazendo-o com música que impõe serenidade e palavras que conduzem à reflexãoV.B.

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25

Knock Knock

DJ Koze

Pampa, distri. Symbiose

Esta é uma jornada contagiante, com espírito de dança, sensibilidade pop e técnicas resgatadas ao hip-hop. E seja lá qual for a forma que os temas adoptam, todos correspondem a uma evidente afirmação de vida, uma espécie de arco-íris que sabemos que se dissolverá, mas que apetece expandir para sempre. Tão simples, tão bom quanto isso. V.B.

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24

Age Of

Oneohtrix Point Never

Warp Records

Cruza eras, momentos, tempos, texturas, atomizações de géneros musicais; procura sempre inventar algo de novo e deixá-lo imaculado. Consegue-o por sobreposição, com estilo actual e próprio. Acima de tudo consegue materializar até que ponto é que aqui na selva estamos tão à toa, tão perdidos, tão mal governados, tão gananciosos e burros. P.G.

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23

Madeira

Paus

Sony Music

No processo dos Paus, a noção do todo é permanente. E se essa minúcia transborda incólume para a música, os quatro conseguem ainda fazer com que os seus discos não soem laboratoriais. Agora a visão cada vez mais larga do que podem ser os Paus chegou à Madeira. Com uma excelente queda para fricções e tropicalismos mancos. G.F.

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22

Make Way For Love

Marlon Williams

Dead Oceans

Cada homem carrega a sua própria tragédia e a de Marlon Williams chama-se Aldous Harding: Marlon tem o coração partido e que pode um homem de coração partido fazer? Vestir um fato e ir para o trabalho fingindo ser uma pessoa digna e preocupada com os outros? Que disparate, toda a gente sabe que nestas circunstâncias se criam canções country barrocas, com violinos a cair em fundo e guitarras slide a desenhar o contorno de um corpo que já é só fantasma. J.B.

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21

Nação Valente

Sérgio Godinho

Universal

Se Coincidências é uma obra-prima de Sérgio Godinho, Nação Valente, nascido 35 anos depois, pede meças a tal estatuto: é o melhor dos discos que Sérgio já gravou neste século e entra na lista dos seus melhores de sempre. N.P.

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20

Lua Cheia

Iguanas

Cafetra

Agora que conseguimos ouvir com clareza o que cantam os Iguanas, fica a sensação de que as letras de Lua Cheia são uma espécie de lado b das de Nove Canções, o álbum de Lourenço Crespo. Também aqui ele canta a Lisboa do seu tempo, da sua geração e do seu círculo de amigos, os amores e os desamores, a inquietação e as neuras do quotidiano. M.D.

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19

Aviary

Julia Holter

Domino, distri. PopStock

O álbum mais exploratório da americana. Nunca foi fácil de a situar – pop sem ser pop, folk sem ser folk, jazz sem ser jazz –, mas dir-se-ia que ao quinto disco ainda é mais difícil, em canções desafiantes sem uma estrutura definida, mas sempre fascinantes. V.B.

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18

Maria

Carminho

Warner Music

O exercício era arriscado, mas foi ganho. Depois da aventura que foi dar voz própria a temas de Jobim, Carminho quis voltar ao fado mas depurando-o, para ver até onde conseguiria ir sem se afastar da matriz. Se o fado é cada vez mais uma soma de elementos, equiparado às camadas de uma pintura, ela decidiu experimentar o inverso, subtraindo elementos. N.P.

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17

Beheaded Totem

HHY & The Macumbas

House of Mythology

Por instantes parece que estamos dentro de uma discoteca subterrânea, mas isso seria demasiado fácil para os portugueses HHY & The Macumbas: pouco depois entra em cena um festim macabro de metais estridentes e percussão hiperactiva e quebra-cabeças. Tudo vibra. É pirotecnia para os corposM.D.

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Oil of Every Pearl’s Un-Insides

SOPHIE

Transgressive, Future Classic

SOPHIE é acima de tudo é uma compositora e arquitecta sonora peculiar que desconstrói e esventra a cultura e a música pop para as reenquadrar num cosmos ciborgue e trans-humanista. Na sua música, o falso, o sintético, o manipulado, são terrenos privilegiados de construção e desconstrução. De mutação, de procura de novas formas de ser e existir. M.D.

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15

Istikrarli Hayal Hakikattir

Gaye Su Akyol

Glitterbeat Records

Em Gaye Su Akyol não há uma gota de vergonha. Apenas uma vontade de fazer música orgulhosamente turca, mas pertencente a uma Turquia construída sobre o cruzamento e as trocas das mais diversas civilizações. G.F.

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14

Deus é Mulher

Elza Soares

Deckdisc

Se é certo que neste álbum a parte instrumental — menos esculpida, mais volumosa e em trânsito — dá menos espaço e tensão à voz de Elza Soares do que no anterior registo, também é verdade que é ela que continua a brilhar. E é ela o fio condutor, a alma punk, da canção final, Deus há de ser, onde se ouve a frase que intitula o disco, “deus é mulher”. M.D.

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13

Heaven and Earth

Kamasi Washington

Younk Turks, distri. PopStock

A música contém quase sempre algo de sumptuoso, combinação de jazz e funk, fisicalidade e imaterialidade, afecto e ferocidade, num todo de grande exuberância. Ao longo dos últimos anos Kamasi tem vindo a criar uma música que consegue ser tão comunicativa quanto elaborada, evocativa da memória do jazz, mas não ficando recluso dela, numa nova relação sonora que vai conquistando cada vez mais seguidores. V.B.

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12

Isolation

Kali Uchis

Virgin EMI

Em Isolation há espaço para neo-soul e doo-wop, funk e r&b, pop e reggaetón, com Uchis a calibrar exemplarmente as diferentes temperaturas do disco na companhia de um forte elenco de convidados, tudo isto contribuindo para traçar um quadro vivo e alargado do planeta Kali Uchis, tanto musical como pessoal. M.D.

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11

Honey

Robyn

Interscope

Em Honey, Robyn processa um desgosto de amor, a morte do amigo e produtor Christian Falk e muitas sessões de psicoterapia. Apesar disso, ou também por isso, é um disco latejante, vibrante, que encontra algo de triunfante na resiliência e no fazer luto. Isto é aquela intensidade catártica capaz de parar uma sala inteira. É Robyn a superar-se. M.D.

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10

And Nothing Hurts

Spiritualized

Pias

Já havia soul nos Spiritualized — mas talvez ainda não tivesse havido ternura. E é talvez isso que distingue ...And Nothing Hurt dos restantes discos dos Spiritualized: enquanto antes havia um conceito (a canção total), agora, sendo a matriz a mesma, o primado é não é o do conceito — é o da beleza. J.B.

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9

Filipe Sambado & Os Acompanhantes de Luxo

Filipe Sambado  

Edições Valentim de Carvalho

São dez canções que partem de dentro para olhar para fora, numa inquietude virada para o mundo. Ao segundo álbum, Filipe Sambado — agora mais seguro, mais intenso, mais politizado —, canta a liberdade de poder escolher, de poder ser, em música cheia de calibre melódico, nunca domesticada, nunca indiferente. Deixem lá, Dono da bola e Indumentária são canções em que nada falha. M.D.

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8

Dentro da Chuva

Aline Frazão

Edi. NorteSul

As marcas identitárias da sua música, a forma como foi incorporando aromas do semba angolano, a fluidez da bossa brasileira ou a melancolia da morna cabo-verdiana, para além da sensibilidade jazzística, continuam presentes. Mas ao mesmo tempo volta outra, com uma gestão segura do tempo, dos silêncios e do espaço, expondo sensibilidade e convicção, sem deixar de ser ela própria. V.B.

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7

Double Negative

Low

Edi. Sub Pop

Vinte e cinco anos e doze discos depois, os americanos editam um álbum de uma fascinante radicalidade. E fizeram-no sem compromissos, desafiando-se a si próprios e aos seus admiradores. Música não enraizada em qualquer tipologia reconhecível, um laboratório onde o único objectivo parece ser a procura de uma certa transcendência, numa obra que parece personificar os tempos inquietantes que vivemos. V.B.

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6

Swimming

Mac Miller          

Warner Bros.

Não serão muitos os casos de músicos que no seu último disco subiram, indiscutivelmente, ao ponto mais alto da sua obra. Até nisto o wonder boy de Pittsburgh foi especial: um disco que, qual toque de Miller, tocou tudo e todos pela honestidade desarmante, inaudita intensidade e, não menos importante, pelo moldar de um som que era só dele. Rest in Beats, companheiro. F.N.

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5

Devotion

Tirzah

Domino, distri. PopStock

O álbum de estreia da londrina, com produção da amiga Mica Levi, é uma enciclopédia radiante de pop mutante com influências das electrónicas e da cultura R&B mais alternativa. Uma obra com marca autoral que consegue ser tão introspectiva quanto espalhar uma energia exteriorizada que acaba por ser contagiante. V.B.

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4

Dirty Computer

Janelle Monáe

Bad Boy Records / Warner Music

Depois dos primeiros álbuns em que apontava ao futuro, Janelle Monáe afiou as palavras e usou-as para reclamar um mundo mais justo e inclusivo no presente. Sob a influência clara de Prince, Janelle faz de Dirty Computer um festim funk-rock-r&b irresistível, em que as mãos no ar são gesto tanto de celebração quanto de reivindicação política. G.F.

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3

Love, Loss & Auto-Tune

Swamp Dogg

Joyful Noise Recordings

A infinita riqueza da música negra americana é uma das explicações para que Dogg tenha passado, durante tantas décadas, ao lado do ouvido popular. Um objecto clássico, shakespeareano, na substância e jovialmente experimentalista na forma (o Auto-Tune apenas como a ponta mais óbvia) para a reinvenção aos 76 anos. Não deixar de conferir o videoclip de I’ll Pretend (ma-magnífico). F.N.

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2

Plástico

Glockenwise

Valentim de Carvalho

Dizem os Glockenwise, em espelho de autoironia, que nada há de mais anacrónico do que fazer rock em 2018. Só que nada é anacrónico em canções tão estupidamente viciantes. Plástico é uma colecção de refrães que apetece levar ao altar. Estreiam-se em português, com certeiras letras pós-angústia da entrada na vida adulta, num álbum a rasar a perfeição. G.F.

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1

El Mal Querer

Rosalía

Sony Music

Não espanta que El Mal Querer esteja a conseguir a atenção internacional que escapara por completo a Los Ángeles. O primeiro álbum de Rosalía, resultado da sua parceria com o guitarrista e produtor Raül Refree, rondava o flamenco o tempo todo, mas vivia de uma sonoridade crua, pouco propensa a galgar fronteiras e a conquistar uma audiência global que de Espanha pouco mais poderá saber do que dizer Pedro Almodóvar (com quem Rosalía vai filmar em breve) e touradas (que lhe valeram uma valente polémica aqui ao lado, devido à suposta defesa dos toureiros no vídeo de Malamente).

O que explica a rendição planetária a Rosalía é, por isso, a desembocadura numa sonoridade de travo pop — explorando de forma exemplar a natureza canibalesca da pop, capaz de ferrar os dentes em qualquer género musical e sugar-lhe todo o sangue que possa interessar. É essa característica que a parceria da catalã com El Guincho na produção lhe garante, inaugurando uma espantosamente eficaz convergência de uma linguagem tão tradicional quanto o flamenco e outra tão maleável quanto a pop contemporânea (carregada dos códigos r&b).

A ascensão de Rosalía ao estrelato global faz-nos pensar em quanto esta relação é biunívoca: na mesma medida que a cantaora precisa de aplicar uma linguagem menos local sobre uma música de identidade espanhola para alcançar um estrelato planetário, também a música pop necessita dessa chispa de originalidade de uma música como o flamenco para inflamar um modelo tantas vezes visitado e repetido. E essa será a grande vitória de El Mal Querer: impor uma voz espanhola, a cantar em castelhano, como um fenómeno mundial. Sem precisar de baixar a fasquia para o mais rasteiro e popularucho. G.F.