Jazz: o melhor do ano

Escolhas de Gonçalo Frota e Nuno Catarino.

  

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

  

Foto

10

Lebroba 

Andrew Cyrille / Wadada Leo Smith / Bill Frisell

ECM

O percussionista Andrew Cyrille é uma figura central da história do jazz criativo. Após ter voltado à ribalta com o soberbo The Declaration of Musical Independence, apresenta agora um trio com os também experientes Bill Frisell e Wadada Leo Smith. Interpretam cinco temas e, entre a guitarra delicada de Frisell, o trompete expressivo de Leo Smith e a percussão atenta de Cyrille, nasce uma música bela e desafiante. N.C.

Foto

9

All the Rivers

Susana Santos Silva

Clean Feed

Foi gravado ao vivo no Panteão Nacional, consiste numa faixa única de 42 minutos e é o primeiro registo a solo de Susana Santos Silva. Afastada do típico universo jazzístico, a trompetista atira-se a uma improvisação aberta, sem rede, e aproveita as características acústicas do espaço, particularmente a enorme reverberação, para desenvolver uma magnífica exploração sonora, revelando a sua enorme expressividade instrumental. N.C.

Foto

8

Uncharted Territories

Dave Holland

Dare 2 Records

Pioneiros da improvisação livre, o contrabaixista Dave Holland e o saxofonista Evan Parker começaram por tocar juntos mas seguiram caminhos diferentes. Parker tornou-se uma referência da improvisação livre; Holland construiu um percurso soberbo como líder. Reencontram-se agora num disco que é um documento histórico, acompanhados por dois nomes grandes da música criativa, o pianista Craig Taborn e o baterista Ches Smith. N.C.

Foto

7

Origami Harvest

Ambrose Akinmusire

Blue Note

Sempre houve uma elegância, por vezes desconcertante, na música do trompetista Ambrose Akinmusire, desde que o descobrimos a sério com The Imagined Savior Is Far Easier to Paint (2014). Mas há algo de profundamente tocante neste disco de música de câmara, em que Akinmusire dirige um quarteto de cordas, instrumentistas de jazz e o rapper Kool A.D., e que denuncia a tensão racial latente na sociedade norte-americana actual. G.F.

Foto

6

Ricardo Toscano Quartet

Ricardo Toscano Quartet 

Clean Feed

Foi longa a espera, mas a estreia em disco do excelente saxofonista português não desiludiu nem por um segundo. Acompanhado por Romeu Tristão, João Lopes Pereira e João Pedro Coelho, Ricardo Toscano comanda um quarteto exímio no domínio do léxico do melhor jazz de raiz norte-americana, sabendo colher ensinamentos das grandes formações de Coltrane, Miles ou Shorter, sem se deixar diminuir
por atitude de seguidismo obediente. G.F.

Foto

5

A View of the Moon

Mette Rasmussen / Chris Corsano

Clean Feed

Gravado ao vivo no Festival de Jazz de Liubljana, este disco documenta um diálogo improvisado entre o saxofone incendiário da dinamarquesa Mette Rasmussen e a bateria fervilhante do americano Chris Corsano, num verdadeiro tratado de comunicação musical que ganha a forma de jazz visceral. A dupla opera uma música original que, por vezes rugosa, por vezes abstracta, quase sempre fluida, soa permanentemente provocante. N.C.

Foto

4

Heaven and Earth

Kamasi Washington

Young Turks

Num par de anos, Kamasi Washington conseguiu o feito de levar o jazz para fora das suas fronteiras estilísticas, tragando para as suas composições elementos de funk, soul e hip-hop, mas conseguindo – e isso sim é raro – chegar aos públicos destas músicas. Neste falso álbum duplo (é triplo), o saxofonista diagnostica os males do mundo, aponta às utopias e fala connosco através de um disco de uma estonteante riqueza discursiva. G.F.

Foto

3

Code Girl

Mary Halvorson

Firehouse 12

Magnífico registo em que Mary Halvorson – cada vez mais uma autora crucial na abordagem à guitarra (tão maltratada) no jazz – coloca nas mãos de um quinteto cirúrgico um punhado de deliciosas canções. Durante 90 minutos, somos empurrados para temas que podiam caber no mundo de Beth Gibbons ou PJ Harvey, no jazz clássico ou no Lied schubertiano, pela mão da vocalista Amirtha Kidambi ou do trompetista Ambrose Akinmusire. G.F.

Foto

2

Your Queen is a Reptile 

Sons of Kemet

Impulse!

A formação é improvável: o saxofone de Shabaka Hutchings dança com a tuba de Theon Cross; e as duas baterias (Seb Rochford e Tom Skinner) acrescentam uma força rítmica imparável. Desafiando a coroa britânica, Hutchings curva-se perante outras rainhas e os títulos dos temas são homenagens a mulheres negras, activistas, feministas. Não é só manifesto político e, ao terceiro disco, torna-se impossível ignorar o jazz vivo dos Sons of Kemet. N.C.

Foto

1

Contemporary Chaos Practices

Ingrid Laubrock

Intakt

É revelador que Contemporary Chaos Practices, álbum que reúne cinco composições da saxofonista alemã Ingrid Laubrock, surja na lista de melhores performances do ano no New York Times. Mas revelador não porque o perfil de artista ligada às vanguardas do jazz contemporâneo possa constituir uma prova de reconhecimento por parte da publicação da profunda qualidade de uma obra que chega das margens e se mostra pouco complacente com a ortodoxia reinante no jazz norte-americano (Laubrock vive, desde 2009, em Nova Iorque), mas porque a sua inclusão nas escolhas dos melhores de 2018 surgiu, em primeiro lugar, na secção dedicada à música clássica. A par da ópera Doctor Atomic, de John Adams, da Sonata para Violino nº1 de Bach por Hilary Hahn ou da parceria entre Christian Gerhaher e Gerold Huber em torno da obra de Schumann, os críticos elegem Vogelfrei, de Laubrock, como um dos momentos do ano.

Vogelfrei é a peça que encerra Contemporary Chaos Practices, brilhante escrita para coro e cordas, a que se junta o contributo da excelência pianística de Kris Davis. É disso que aqui se trata: Laubrock – que ouvimos também no excelente Close-Up de Sara Serpa – deita para cada partitura orquestral uma elástica, inquietante e desestabilizadora composição, sobre a qual depois aplica as iluminadas qualidades improvisadoras de Davis, Mary Halvorson, Nate Wooley e da própria saxofonista, dando vida a um híbrido de génio, entalado entre claustrofobia programada e pequenos arroubos à beira do descontrolo. Não sendo inéditas as portas entre a música contemporânea e o jazz (já Stravinsky e Ravel o faziam), há algo de irresistivelmente novo a despontar na música de Ingrid Laubrock. G.F.