O que nos mostra a França (parte 2)
Há um dever de resistência contra a desinformação, contra o preconceito, contra a mentira – mas não pode a clarividência de alguns ser assumida como iluminação e soberba sobre os demais, o que certa esquerda adora exibir.
Pierre Rosanvallons e Jean-Paul Fitoussi assinalavam, em meados da década de 90 do século passado, designadamente em A nova era das desigualdades, o risco que representava para coesão da comunidade a experiência generalizada das desigualdades do quotidiano numa Europa pós-social.
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Pierre Rosanvallons e Jean-Paul Fitoussi assinalavam, em meados da década de 90 do século passado, designadamente em A nova era das desigualdades, o risco que representava para coesão da comunidade a experiência generalizada das desigualdades do quotidiano numa Europa pós-social.
Desigualdades verificadas no acesso a serviços públicos, de exercício de direitos, na libertinagem regulatória do mundo do trabalho, na dimensão de género e de difícil conciliação família e trabalho, na sensação de segurança anterior-insegurança presente nas cidades, nas dúplices pressões tributárias e burocráticas entre pequenos e grandes.
Já não estaríamos no tempo das desigualdades estruturais, estamentais, que dividiam absolutamente uns e outros. O tempo dessas desigualdades, até mesmo na sua dimensão discursiva e proclamatória, teria acabado. Mas sobreviviam outras – ou germinavam até –, porventura mais insidiosas porque menos visíveis ou delineáveis, mesmo se sentidas na pele e atestadas nos olhos de quem chega a casa ao fim de cada dia, para um lar igualmente exausto.
Já não se trata da exploração coberta de fuligem e carvão que transpira das páginas do Zola. Mas é ainda exploração e injustiça, mesmo quando iluminada a lede espraiada por salas com cadeiras de design e pufes pelo chão.
O cansaço resultante dessa vivência desigual encontra de tempos a tempos pontos de descompressão, chame-se “coletes amarelos”, “indignados” ou outra designação. Para além das manipulações e infiltrações que fazem parte de qualquer iniciativa que se pretenda “de massas”, não há como não reconhecer aquele mal-estar, essa invenção francesa, que antecipa qualquer coisa de que não se sabe bem o nome. E não se saber dar um nome pode ser o menor dos males que aí venha.
Há um dever de resistência contra a desinformação, contra o preconceito, contra a mentira – mas não pode a clarividência de alguns ser assumida como iluminação e soberba sobre os demais, o que certa esquerda adora exibir. Contra o populismo e a idolatria – quem imaginaria que, um século depois, se iriam repetir estas palavras? – apenas vale a humildade de chegar ao outro e compreender a sua raiva.