Mostrar Francisco de Holanda como um dos grandes do Renascimento

Uma exposição na Biblioteca Nacional, em Lisboa, segue o percurso do renascentista português através de livros que fizeram a sua formação, colocando-o em destaque na História. Até 19 de Fevereiro.

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Seguir uma vida e uma obra através dos livros: é isso que se propõe na exposição Sob a chama da candeia, Francisco de Holanda e os seus livros, inaugurada em Novembro na Biblioteca Nacional (BNP), em Lisboa, e que ali permanecerá até 19 de Fevereiro de 2019, com entrada gratuita.

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Seguir uma vida e uma obra através dos livros: é isso que se propõe na exposição Sob a chama da candeia, Francisco de Holanda e os seus livros, inaugurada em Novembro na Biblioteca Nacional (BNP), em Lisboa, e que ali permanecerá até 19 de Fevereiro de 2019, com entrada gratuita.

Através das dezenas de livros expostos pode seguir-se, por fases, o percurso de Francisco de Holanda (1517-1584), desde os seus primórdios, como aprendiz de iluminador na oficina do pai, António de Holanda, onde ganhou o fascínio pelas iluminuras, passando pela sua relevante viagem a Roma, de 1538 a 1540, onde “conseguiu ingressar no cenáculo da marquesa Vittoria Colonna e de Miguel Ângelo” e conheceu os maiores artistas da época, até às obras escritas no regresso a Portugal: os tratados Da Pintura Antigua (1548), que não publicou em vida, com receio do que lhe poderia impor a Inquisição, truncando-lhe a obra, Do Tirar Polo Natural (1549), o primeiro tratado europeu sobre o retrato, e Da Ciência do Desenho (1571), e o portentoso corolário que é o Livro das Idades do Mundo (De Aettatibus Mundi Imagines), só descoberto em 1953, na Biblioteca de Madrid, e do qual se exibe nesta exposição uma cópia fac-similada.

A investigadora francesa Sylvie Deswarte-Rosa, comissária da exposição, que nela já conduziu várias visitas guiadas, recorda ao PÚBLICO como descobriu Francisco de Holanda, nos anos 1970: “Estava a estudar a Leitura Nova, a razão desta exposição, e encontrei nos reservados um livro que lhe pertenceu.” Era um exemplar de Epigrammata Antiquae Urbis de Jacobus Mazochius (Roma, 1521), anotado por Francisco de Holanda. E isso entusiasmou-a a tal ponto que não mais parou as suas pesquisas. “Eu não conhecia quase nada sobre a cultura portuguesa. Só há pouco tempo percebi que foi mesmo um livro de formação dele.” O livro em causa é um dos três que a BNP tem em sua posse, anotados por Holanda, e que estão agora à vista do público nesta exposição, entre muitos outros que acompanharam a formação do artista.

Sylvie veio pela primeira vez a Portugal, a Lisboa, em finais dos anos 1960. E os seus estudos levaram-na a escrever uma obra que se tornou referência, editada em Paris pela Gulbenkian. Vítor Serrão lembrou esse percurso, na cerimónia de atribuição a Sylvie do grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, a 11 de Maio de 2017: “Depois de aprender o português em Florença, seguiu no início dos anos 70 aulas de formação na Faculdade de Letras de Lisboa, com Pina Martins, Eduardo Borges Nunes, Lindley Cintra, Vitorino Nemésio e outros mestres, e escolheu para tema de tese de doutoramento o acervo excepcional de frontispícios da Leitura Nova, vindo a publicar em 1977 o livro Les Enluminures de la Leitura Nova, 1504-1552. Étude sur la culture artistique au Portugal au temps de l’Humanisme, ainda hoje incontornável como referência para os historiadores de arte.”

Ora foi exactamente pelas iluminuras que começou Holanda, ainda criança, na oficina do seu pai (onde esteve até 1537), vindo até a considerá-las mais tarde, nas suas obras, a primeira das artes do Desenho, uma arte celestial e angélica, “soprada por Deus”. Isso e a educação que tivera em Évora, na corte de D. João III (de 1534 a 1537), impeliram-no a ir mais além. Quis ir a Roma, conhecer a arte antiga e os seus mestres. “Fui o primeiro que n’este Reino louvei e apregoei ser perfeita a Antiguidade […] e o conhecer isto me fez desejar ir ver Roma.” O que escreveu, desenhou e pintou no regresso consolidou-lhe a obra e a importância que viria a ter nas artes da época, e que o leva a ser apresentado, nesta exposição, como um dos principais representantes do Renascimento português, “emergente na idade dos Descobrimentos”, a par de Luís Vaz de Camões, D. João de Castro, Pedro Nunes, Garcia de Orta ou D. João de Barros.

Complexidade cultural

O que levou Sylvie a entusiasmar-se com tal figura? “A complexidade da sua cultura. Em Da Pintura Antigua tinha coisas que os italianos só fizeram meio século depois, como a introdução do neoplatonismo na teoria da arte. Antes, quando se falava do Holanda, as pessoas só se interessavam em saber se os diálogos dele com Miguel Ângelo eram verdadeiros ou não, mas a verdade é que ele seguiu o seu próprio caminho. Tratei, aqui, de recolocá-lo, no bom sentido.”

A monumental obra De Aettatibus Mundi Imagines foi encontrada em Madrid por uma razão simples. Holanda ainda assistiu, em final de vida, ao início da dinastia filipina, após a morte em Alcácer Quibir, em 1578, de D. Sebastião (a quem ele dedicara e oferecera, em 1571, o livro Da fabrica que faleçe ha cidade de Lisboa – a cidade sofrera um terramoto em 1532). “Ele era muito fiel ao filho do infante D. Luís, D. António Prior do Crato, e apoiou-o, mas depois conseguiu entrar nas boas graças da corte de Filipe II de Espanha, I de Portugal.” Deve ter oferecido o livro ao rei, julga-se, e daí ele vir a ser encontrado em Madrid, vários séculos depois. À parte isso, De Aettatibus Mundi Imagines, diz Sylvie Deswarte-Rosa, “é a grande obra da vida dele", aquela em que se mostra "um criador incrível, fazendo coisas que ninguém faz”.

Desta exposição sairá um livro homónimo, a editar em 2019 pela BNP. Também da autoria de Sylvie, e no mesmo ano, sairá Le voyage en Italie de Francisco de Holanda (1538-1540), pela Fundação Calouste Gulbenkian. A investigação continua. E a exposição também.