"Greve cirúrgica" adia mais de seis mil cirurgias. Ministra convida todos os sindicatos para reunião
Alguns dos hospitais afectados já não estão a marcar cirurgias que sabem que não vão poder fazer. Seriam "agendamentos fúteis", explica o Centro Hospitalar do Porto, onde a lista de espera deverá chegar a 10 mil doentes no final do ano.
Quando a Ordem dos Enfermeiros (OE) fala em mais de sete mil cirurgias programadas adiadas desde 22 de Novembro e o Ministério da Saúde contabiliza já mais de seis mil cancelamentos, os promotores da inédita “greve cirúrgica” nos blocos operatórios de cinco grandes hospitais públicos quiseram dar um “sinal de boa fé” e, mesmo em greve, vão trabalhar na próxima sexta-feira, reconhecendo que há casos complicados que se estão a acumular.
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Quando a Ordem dos Enfermeiros (OE) fala em mais de sete mil cirurgias programadas adiadas desde 22 de Novembro e o Ministério da Saúde contabiliza já mais de seis mil cancelamentos, os promotores da inédita “greve cirúrgica” nos blocos operatórios de cinco grandes hospitais públicos quiseram dar um “sinal de boa fé” e, mesmo em greve, vão trabalhar na próxima sexta-feira, reconhecendo que há casos complicados que se estão a acumular.
“Certamente que os organizadores da greve não terão sido insensíveis aos apelos da sociedade civil e às intervenções de diversas personalidades de sectores distintos”, comenta, a este propósito, o gabinete da ministra da Saúde em resposta ao PÚBLICO. Até segunda-feira, foram canceladas 6099 cirurgias (faltam aqui dados de um dia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra), mas, sublinha, não têm sido desmarcadas cirurgias urgentes nem oncológicas porque estas “estão cobertas no âmbito dos serviços mínimos”.
Para o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) e para a Ordem dos Enfermeiros – que esta terça-feira estimou em nota que o número de cirurgias adiadas já ultrapassa os sete mil – um dia de intervalo não chega. É “urgente” um acordo entre o Governo e os sindicatos que convocaram esta greve, reclamam ambos.
“Esta é uma situação muito nova para todos nós. É preciso alargar os serviços mínimos para acautelar casos de doentes que eventualmente se venham a complicar”, defende o presidente da Associação dos Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço.
O Ministério da Saúde (MS) deu um sinal de abertura. Depois de dias a fio a recusar reunir-se com os dois sindicatos que marcaram a greve, a ministra Marta Temido decidiu convidar todas as estruturas sindicais para uma reunião na sexta-feira, ainda que à margem das negociações e com o intuito de fazer "uma reflexão conjunta" sobre o sector.
Uma ronda pelos cinco hospitais afectados permite perceber, porém, que os problemas se estão a acumular. No Centro Hospitalar do Porto (CHP) antecipa-se já que no final do ano a lista de espera (que era de 7739 doentes em 21 de Novembro) possa atingir os 10 mil doentes (eram 9098 em 13 de Dezembro) e que a a mediana de espera passe de 65 dias para 100 dias. Há também cirurgias de traumatismos ortopédicos a ultrapassar ligeiramente as 72 horas (conceito de "urgência diferida"), ainda que, explica, isso pode acontecer "ocasionalmente" também em dias sem greve.
Para evitar que os doentes tenham que se deslocar sem necessidade, o centro hospitalar está já a marcar as cirurgias semana a semana, aproveitando todas as salas disponibilizadas pelos piquetes de greve para os serviços mínimos, porque "não vale a pena fazer agendamentos fúteis, destinados à desmarcação”.
O Centro Hospitalar Universitário de S. João (Porto) adianta apenas que foram adiadas até à data 1914 cirurgias. Já no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, a situação está mais calma. O presidente do conselho de administração, Carlos Martins, aplaude a iniciativa do dia de intervalo na greve - "é um gesto de responsabilidade" –, mas sublinha que" gostaria que fossem pelo menos quatro dias seguidos”. Neste centro que junta os hospitais de Santa Maria e e Pulido Valente foi possível fazer mais de metade (802) das cirurgias previstas até às 24 horas de segunda-feira, diz Carlos Martins, que nota que apenas foi necessário enviar seis doentes para outros hospitais de Lisboa.
Para já, o que os dois sindicatos que convocaram esta greve – que foi idealizada por um movimento de enfermeiros e está a ser financiada com recurso a um fundo solidário – fizeram na segunda-feira foi propôr um alargamento dos serviços mínimos para a realização de “cirurgias oncológicas” e “urgências diferidas”, como “um sinal de boa fé”, explica Catarina Barbosa, uma dos porta-vozes do movimento.
Urgências diferidas
Mas estas cirurgias não estão já a ser feitas, no âmbito dos serviços mínimos? Sim, mas como no próximo fim-de-semana se juntam a véspera de Natal que é tolerância de ponto e o feriado no Natal, são quatro dias sem serviços mínimos, explica Lúcia Leite, presidente da ASPE (Associação Sindical Portuguesa de Enfermeiros). "Apesar dos serviços mínimos, alguns hospitais, os do Porto e de Coimbra, sobretudo, estão a acumular doentes com situações não consideradas urgentes mas que são urgências diferidas", frisa.
As urgências diferidas são situações que não eram urgentes à data do diagnóstico mas que não podem esperar muitos dias, explica Lúcia Leite. Exemplos: um doente com um descolamento de retina pode aguardar até três dias (72 horas), mas tem que ser operado ao fim desse tempo, se não corre o risco de ficar cego; uma pessoa com uma fractura do colo do fémur pode, em teoria, esperar de dez dias pela cirurgia, ainda que as boas práticas mandem que seja operada com a maior rapidez possível.
Por isso, os enfermeiros grevistas vão trabalhar, apesar de estarem em greve. É apenas um intervalo. Catarina Barbosa diz que a greve vai continuar com esta greve e que se mantém a intenção de avançar para a segunda, que tem já em curso um novo crowdfunding. Até esta terça-feira, tinham recolhido mais de 45 mil euros, 11% do total que pretendem obter até 14 de Janeiro.