Presidente do Supremo suspende decisão que podia libertar Lula
Juiz do STF emitiu decisão de libertar todos os condenados em segunda instância, mas esta fica suspensa até 10 de Abril de 2019, quando o Supremo julgar o caso em definitivo.
A decisão de um juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) de libertar todos os presos condenados em segunda instância, incluindo o ex-Presidente Lula da Silva, gerou uma onda de choque que fecha um dos anos mais conturbados da história recente do Brasil. A sentença do juiz Marco Aurélio Mello tem baixas probabilidades de ser concretizada, mas pôs a nu o braço-de-ferro no sistema judicial.
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A decisão de um juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) de libertar todos os presos condenados em segunda instância, incluindo o ex-Presidente Lula da Silva, gerou uma onda de choque que fecha um dos anos mais conturbados da história recente do Brasil. A sentença do juiz Marco Aurélio Mello tem baixas probabilidades de ser concretizada, mas pôs a nu o braço-de-ferro no sistema judicial.
Para já, está suspensa. Dias Toffoli, presidente do STF, suspendeu a decisão ainda na noite de quarta-feira, até ao julgamento em definitivo do caso pelo Supremo, a 10 de Abril de 2019.
No último dia antes das férias de Natal dos tribunais, o juiz Marco Aurélio tinha autorizado a libertação dos presos condenados por tribunais de segunda instância, uma vez que não estão esgotados todos os recursos possíveis. "Não se pode antecipar a culpa para além dos limites expressos na Lei Maior”, escreveu o juiz do STF nos fundamentos da sentença, que respondeu a um pedido feito pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), aliado do Partido dos Trabalhadores.
A notícia apanhou o país desprevenido, já em contagem decrescente para a tomada de posse do Presidente Jair Bolsonaro, a 1 de Janeiro. Entre os mais de 150 mil casos abarcados pelos efeitos da decisão do juiz está o de Lula da Silva, preso desde Abril em Curitiba, onde cumpre uma pena de 12 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, acusado de ter recebido um suborno da empreiteira OAS.
As hipóteses de uma libertação imediata de Lula dependiam de uma luta contra o tempo. A aplicação da sentença de Mello não é automática e depende da apreciação individual de cada caso. Menos de uma hora depois de ser conhecida a decisão, os advogados do ex-Presidente encaminharam um pedido de libertação para a juíza do tribunal de Curitiba, Carolina Lebbos, que substituiu Sergio Moro (nomeado ministro da Justiça) e é responsável pela execução da pena de Lula.
"É muito difícil imaginar que uma decisão individual como essa, com esse nível de ousadia e descuido, vá ter obediência uniforme pelo juiz da execução", disse à BBC Brasil o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Diego Werneck.
Poucas horas depois, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentava um recurso contra a decisão de Mello junto do presidente do STF, Dias Toffoli. A imprensa brasileira dava já como certo um derrube da sentença de Mello por Toffoli, esvaziando quase de imediato qualquer esperança de ver Lula em liberdade, e essa suspensão acabaria por ser confirmada.
O entendimento sobre as prisões de condenados em segunda instância sempre dividiu os juízes do STF. Até 2016, não havia lugar a prisões sem que estivessem esgotadas todas as opções de recurso, mas actualmente o entendimento da maioria dos juízes do tribunal no topo da hierarquia do sistema é de que a partir da segunda instância é possível prender.
Mello decidiu levar esta discussão para um novo nível, trazendo-a para a praça pública com grande impacto. “Achei que não podia encerrar o ano no Judiciário sem tomar uma decisão sobre o assunto, por isso tomei uma decisão”, disse o juiz ao site G1, do grupo Globo. Toffoli tinha agendado para Abril um julgamento em sessão plenária sobre o assunto e deverá esperar por essa altura para rever as prisões em segunda instância.
País dividido
Mas se a jogada de Mello não teve efeitos práticos junto dos condenados, os seus efeitos junto da opinião pública foram incendiários. A duas semanas da tomada de posse de Bolsonaro, o Brasil voltou a mostrar-se dividido, lembrando que as feridas abertas durante a temporada eleitoral vão demorar a sarar.
À porta do edifício da Polícia Militar em Curitiba, onde Lula está preso, apoiantes do ex-Presidente começaram a juntar-se na expectativa de comemorar a sua libertação. Cerca de cem pessoas, com bandeiras do PT e do Movimento dos Sem Tecto, concentraram-se no local, com gritos de “Lula livre”.
Ao mesmo tempo, muitos outros manifestavam-se nas redes sociais, expressando estupefacção pela decisão do juiz do STF que encaravam como uma hipótese de impunidade para políticos investigados em casos de corrupção. A deputada federal Joice Hasselmann, aliada de Bolsonaro, disse que Marco Aurélio “tem que ser arrancado do STF”, falando num “golpe” contra a Lava-Jato.
O mesmo tom foi usado por elementos do Ministério Público Federal, alguns dos quais integrantes da equipa que coordena a Operação Lava-Jato. O magistrado Roberson Pozzobon disse que a decisão causou "alegria no cárcere", mas "imensa tristeza para a sociedade brasileira". Carlos dos Santos Lima, que fez parte da Lava-Jato, disse que o juiz do STF "dá a Lula um presente de Natal às custas da crença da população na justiça".