Procura bom bacalhau? Opte por um que seja “trigueiro”

Mais do que a origem, é o processo de cura do pescado que dita a qualidade do produto preferido dos portugueses para o Natal. Palavra de quem conhece este peixe como muito poucos.

Fotogaleria

Noruega, Islândia ou Canadá. A origem ainda é factor determinante para muitos consumidores na hora de escolher qual o bacalhau a comprar, mas há quem garanta que, o mais importante de tudo, é que o peixe seja “bem curado”. “Tem que ter um mínimo de 21 dias de sal antes de ser seco”, sustenta o empresário António (Tony) Ribau. Para escolher um bom bacalhau seco e salgado, devemos prestar atenção, acima de tudo, “à sua cor”, garante. “Deve ser trigueiro, ou seja, apresentar uma cor idêntica à do trigo”, assegura o empresário, que à experiência de gerir uma indústria de transformação e comércio de bacalhau junta, também, o conhecimento adquirido em várias campanhas de pesca.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Noruega, Islândia ou Canadá. A origem ainda é factor determinante para muitos consumidores na hora de escolher qual o bacalhau a comprar, mas há quem garanta que, o mais importante de tudo, é que o peixe seja “bem curado”. “Tem que ter um mínimo de 21 dias de sal antes de ser seco”, sustenta o empresário António (Tony) Ribau. Para escolher um bom bacalhau seco e salgado, devemos prestar atenção, acima de tudo, “à sua cor”, garante. “Deve ser trigueiro, ou seja, apresentar uma cor idêntica à do trigo”, assegura o empresário, que à experiência de gerir uma indústria de transformação e comércio de bacalhau junta, também, o conhecimento adquirido em várias campanhas de pesca.

Será difícil existir algum segredo na selecção e produção de bacalhau que Tony Ribau desconheça. Fez a sua primeira viagem à Terra Nova aos “17 anos de idade”, nota, e a família sempre esteve ligada ao sector. “Chegámos a ter navios, mas como não há quotas para pescar deixámos de ter”, relata - ali mesmo em frente à sua empresa, estão atracados os últimos sobreviventes da frota bacalhoeira portuguesa (pouco mais de uma dezena de navios). À Barents, e também a outras empresas de transformação de bacalhau, resta comprar o peixe preferido dos portugueses lá fora.

Foto
Tony Ribau, proprietário da Barrents Adriano Miranda

“O nosso vem da Noruega e é pescado por navios russos”, desvenda Tony Ribau. Chega aos Cais dos Bacalhoeiros, na Gafanha da Nazaré, Ílhavo, inteiro (à excepção da cabeça) e congelado. “É aqui que o escalamos, salgamos e secamos”, nota, sem deixar de lamentar que o antigo processo de secagem do bacalhau a céu aberto tenha sido proibido. “No fundo, quando se diz que o bacalhau tem cura tradicional portuguesa não é bem verdade, pois o peixe já não é colocado no exterior”, adverte o empresário, para o qual não restam quaisquer dúvidas: “O bacalhau ficava com outro sabor quando ficava ‘ao tempo’”.

O processo é agora feito em túneis de secagem e pode levar “uns quatro dias”, dependendo da dimensão do peixe, revela o proprietário da Barents. Só nesta empresa existem quatro túneis, como capacidade para 10 toneladas cada um, “o que implica tirar cerca de 40 toneladas a cada quatro dias”, contabiliza. Concluída a secagem, o produto passa para ainda por um processo de classificação antes de ser embalado: é nesta fase que se distingue o graúdo do crescido e do corrente. Só depois segue para uma última câmara para ser embalado e expedido, com esse tom amarelado, a puxar para o “trigo”, como refere o industrial ilhavense, que abriu, no passado dia 16, as portas da sua empresa à iniciativa “Sentidos de Mar” – conjunto de visitas guiadas promovido pelo Museu Marítimo de Ílhavo.

Em vésperas de Consoada, a proposta passou por partir à descoberta dos métodos de transformação daquele que é o produto rei da noite de Natal, sem esquecer a forte tradição portuguesa na sua pesca, bem como na sua degustação – o chef Ricardo Marques, do Montebelo Vista Alegre Ílhavo Hotel, brindou os presentes com alguns petiscos, assim como a empresa Horta da Ria, que apresentou aos convivas o seu pão com salicórnia. Um visita guiada que serviu para desvendar, por exemplo, que “o bacalhau asa branca nada mais é do que um peixe ao qual é retirada a pele”, reparou Tony Ribau. Também houve tempo para falar sobre o processo de demolha do bacalhau e os cuidados que devem ser tidos em conta, não obstante esta seja uma “batalha” na qual o empresário da Barents se recusa a tomar uma posição muito vincada. “Deve ser uma média de cinco litros de água por quilo de peixe. Depois, tudo depende do gosto pessoal de cada um o tempo de demolha”, testemunha.

Cais de alegrias e de lágrimas

A tradição do bacalhau na mesa de Natal terá sido motivada pelo jejum de carne imposto Igreja Católica, mas a verdade é que a nossa predilecção pelo “fiel amigo” não se esgota nos momentos de festa. E os números aí estão para o comprovar: os portugueses consomem 65 mil toneladas por ano, o que dá uma média de 6,5 quilos por cada pessoa.

Foi o bacalhau a razão de ser de uma das nossas maiores epopeias marítimas, depois dos Descobrimentos, e ninguém ousará questionar o papel que Ílhavo teve nessa aventura, enviando muitos dos seus homens para as longas campanhas de pesca nos mares frios do Atlântico Norte. “As despedidas eram feitas aqui, no Cais dos Bacalhoeiros, com muitas lágrimas”, evoca Simone Sá, guia que nos acompanha ao longo da visita “Sentidos de Mar”. “Mas também era um cais marcado por momentos de alegria, de cada vez que os navios regressavam”, acrescenta.

Emoções que continuam a marcar aquele porto – muito embora com menor frequência do que no passado -, onde ainda permanece, mas bastante degradado, um dos sobreviventes da mítica Frota Branca Portuguesa, o antigo lugre Argus. “Está aqui à espera de ser recuperado”, nota a guia, perante o que resta do histórico veleiro, “irmão” do Creoula e do Santa Maria Manuela. São, todos eles, testemunhos vivos da história da pesca do bacalhau praticada pelos portugueses, em especial da que era feita em pequenos dóris e à linha.