Há queixas sobre os apoios após tempestade Leslie. Governo remete para regras da UE

Na sequência da tempestade, o Governo anunciou mecanismos de apoio ao sector agrícola. Mas regras estão a ser contestadas.

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Nelson garrido

Agricultores da zona do Mondego dizem-se defraudados nos apoios a prejuízos provocados pela tempestade Leslie, argumentando que as ajudas só cobrem danos sofridos acima de 30% do potencial agrícola, mas o Governo remete para regras europeias.

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Agricultores da zona do Mondego dizem-se defraudados nos apoios a prejuízos provocados pela tempestade Leslie, argumentando que as ajudas só cobrem danos sofridos acima de 30% do potencial agrícola, mas o Governo remete para regras europeias.

"Só há apoios se o agricultor tiver acima de 30% da capacidade produtiva afectada. Não sabíamos disso, não foi isso que foi anunciado, o apoio é o mesmo dos fogos, o 6.2.2. [Restabelecimento do Potencial Produtivo, inserido no Programa de Desenvolvimento Rural PDR2020]. A medida da tempestade Leslie foi introduzida agora, espero que o Governo tenha o bom senso de não ir por aí", disse à agência Lusa Armindo Valente, presidente da cooperativa agrícola de Montemor-o-Velho.

A área do Baixo Mondego, no distrito de Coimbra, foi uma das mais afectadas pela passagem da tempestade Leslie na noite de 13 para 14 de Outubro, que no global provocou danos de cerca de 30 milhões no sector agrícola, cerca de um quarto dos danos totais, estimados em 120 milhões de euros.

"Não há explicação do porquê dessa regra dos 30%. Nos comunicados [do Governo], não estava. Há agricultores que podem receber zero, é o que está lá escrito", lamentou Armindo Valente.

O responsável da cooperativa agrícola enfatizou que o secretário de Estado da Agricultura e Alimentação, Luís Vieira, na visita que fez à região afectada, a 15 de Outubro, dois dias depois da passagem da tempestade, "não falou" na citada regra" e toda a gente ficou com a sensação que era a partir do zero".

"Disse que ia activar os mesmos apoios dos incêndios e pediu que todos apresentassem candidaturas, mas afinal há agricultores que podem não estar contemplados. O secretário de Estado está a defraudar completamente as expectativas que os agricultores criaram naquela visita ao Baixo Mondego. Com isso [a regra dos 30%], desmotivaram muita gente, sequer, de apresentar candidaturas", argumentou Armindo Valente.

Na sequência da tempestade, o Governo anunciou mecanismos de apoio ao sector agrícola, consubstanciados, por exemplo, no restabelecimento do potencial produtivo: um apoio a fundo perdido de 100% para prejuízos até cinco mil euros, 85% para prejuízos entre os cinco mil e os 50 mil euros, e 50% entre 50 mil euros e 800 mil euros.

Esta medida foi operacionalizada através de um despacho do ministro da Agricultura, Capoulas Santos, datado de 31 de Outubro que, de acordo com informação sobre as candidaturas aos apoios divulgada na página da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC) "visa reconhecer oficialmente a depressão pós-tropical associada ao furacão Leslie como fenómeno climático adverso" e remete os seus termos e efeitos para uma portaria de 2015, na vigência do anterior Governo, que tem por objectivo "apoiar a reposição das condições de produção das explorações agrícolas afectadas por catástrofes naturais, fenómenos climáticos adversos ou acontecimentos catastróficos, por forma a criar condições para regressarem à actividade normal" e onde consta a regra dos 30%.

O despacho ministerial incide sobre mais de 300 freguesias localizadas em quase meia centena de municípios dos distritos de Aveiro, Coimbra, Leiria e Viseu, e, na mesma informação, a DRAPC avisa que "são elegíveis para obtenção do apoio as explorações agrícolas situadas nas freguesias constantes do anexo do referido despacho, cujo dano sofrido ultrapasse 30% do seu potencial agrícola".

"Aqui justificava-se completamente uma nova portaria, a tempestade Leslie foi uma situação específica, isto não faz sentido. Faz o Governo cair no descrédito, vieram anunciar uma situação que não está a ser cumprida", enfatizou Armindo Valente, uma das vozes discordantes, a exemplo de agricultores individuais e mesmo autarcas locais, que não quiseram ser identificados.

Ouvido pela Lusa, Mário Nunes, presidente da autarquia de Soure, frisou desconhecer a situação: "Se foram criadas expectativas de apoios, desconheço, sei que as coisas estavam a andar bem e depressa, é a primeira vez que estou a ouvir que há notícia de uma desconformidade entre a expectativa e a realidade", alegou.

O que diz a tutela?

A agência Lusa pediu esclarecimentos ao ministério da Agricultura e, na resposta, a tutela argumentou que "a destruição de 30% do potencial agrícola constitui um pressuposto para que possa ser accionado o apoio em causa" e que essa norma decorre de um regulamento europeu, de aplicação obrigatória, transposto para a legislação nacional pela referida portaria de 2015.

"Os 30% são aferidos por tipologia do capital produtivo destruído e não têm de corresponder necessariamente a 30% do capital produtivo total da exploração. Isto é, um prejuízo de 30% numa determinada tipologia de activos [por exemplo, numa estufa] é suficiente para permitir a candidatura da exploração ao apoio, ainda que esse prejuízo não corresponda a 30% do total da exploração. Esta percentagem é importante apenas para aceder ao apoio", respondeu o gabinete do ministro Capoulas Santos.

Acrescenta que a norma "aplica-se a todos os concursos no âmbito da medida de restabelecimento do potencial produtivo do PDR 2020".

"Ou seja, esta regra existe e [é] obrigatoriamente aplicada, sendo do conhecimento público, uma vez que é sistematicamente publicada em Diário da República", sublinha o Governo, enfatizando que a "criação" de regras diferentes das comunitárias "implicaria a anulação dos concursos por partes das instâncias comunitárias e a devolução de todos os subsídios atribuídos".