Morreu João Branco, metade dos Storytailors e designer do romântico e das histórias

Com Luís Sanchez, o designer formou uma das marcas mais reconhecíveis da moda portuguesa. A "missa de despedida" será no próximo sábado, dia 22 de Dezembro, pelas 14h, na Basílica da Estrela, em Lisboa.

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O designer de moda João Branco, metade da dupla Storytailors, morreu na segunda-feira, aos 40 anos. A notícia foi dada pela marca nas redes sociais, e avançada pela Lusa, sem ser divulgada na altura a causa da morte. "Inundados por um mar de dor e tristeza, informamos que faleceu a noite passada o nosso querido João Branco", lê-se numa mensagem publicada esta terça-feira, acompanhada de versos de Fernando Pessoa.

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O designer de moda João Branco, metade da dupla Storytailors, morreu na segunda-feira, aos 40 anos. A notícia foi dada pela marca nas redes sociais, e avançada pela Lusa, sem ser divulgada na altura a causa da morte. "Inundados por um mar de dor e tristeza, informamos que faleceu a noite passada o nosso querido João Branco", lê-se numa mensagem publicada esta terça-feira, acompanhada de versos de Fernando Pessoa.

A "missa de despedida" será no próximo sábado, dia 22 de Dezembro, pelas 14h, na Basílica da Estrela, em Lisboa, de acordo com uma publicação partilhada esta sexta-feira, na mesma conta do Facebook. "A todos os que quiserem estar presentes, as cerimónias fúnebres iniciam-se pelas 10h", informam, acrescentando que a cremação será no cemitério dos Olivais pelas 17h. A marca refere ainda que o criador "optou por partir por sua vontade".

João Branco nasceu em Lisboa em 1978 e ingressou em 1996 no curso de Design de Moda na Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Foi aí que conheceu Luís Sanchez, com quem, anos mais tarde e depois de concluírem o curso, formaria a dupla Storytailors. Durante o curso, “percebem que têm universos estéticos comuns e que o seu trabalho se complementa”, refere a biografia no site da marca.

O trabalho dos Storytailors sempre foi diferente. Distintivo, era inconfundível tanto nas passerelles portuguesas da ModaLisboa (onde se estrearam em 2001, no concurso Sangue Novo, e depois onde debutaram como marca em 2004) quanto no Portugal Fashion, onde estiveram, além de nas suas edições nacionais, por cinco vezes em Paris a apresentar colecções. O ponto de vista pelo qual os dois designers se enamoraram era facilmente identificável por todos os que um dia ouviram e contaram histórias. Eram os designers dos contos de fadas, dos corpetes, dos corpos fantasiosos e das mulheres, mas também dos rapazes, das aventuras, dos sonhos e da literatura.

O vestuário dos Storytailors era “de uma plasticidade onírica, com uma enorme sensibilidade para trabalhar os tecidos. A técnica de Moulage [ou draping, que faz a modelagem do tecido directamente no corpo ou manequim] nas mãos deles parece fácil, sente-se a dedicação e o amor nesse saber trabalhar o tecido e o corpo”, descreve esta terça-feira a designer Alexandra Moura ao PÚBLICO. Descreve João Branco – de quem era amiga além de colega de profissão com quem sempre partilhou “ideias, processos, formas de estar na vida” – como “um homem de uma sensibilidade incrível, com um universo interior muito rico. De uma delicadeza e cuidado incansável. Alguém com uma sensibilidade transcendental”.

Eduarda Abbondanza, presidente da ModaLisboa, já acompanhava os criadores desde os tempos de faculdade, pois foi sua professora durante dois anos. João Branco “era uma pessoa com um universo muito próprio. Ele era um criativo e tinha mesmo de fazer aquele trabalho. Era focado, determinado e obcecado por aquilo, já desde a escola”, conta ao PÚBLICO.

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Em 2016, durante uma apresentação do Portugal Fashion Fábio Augusto

A ligação ao vestuário antigo e, mais concretamente, à estrutura do corpete é uma das vertentes mais evidentes do ADN da marca. “Foi comigo que ele construiu o primeiro corpete, a partir de um corpete da minha bisavó. Tirou os moldes e, a partir daí, começou um estudo mais intenso sobre o corpete”, conta Eduarda Abbondanza, que destaca precisamente esta vertente de “laboratório” de investigação do vestuário antigo, que a dupla transportava “para os dias de hoje”.

“Há uma complementaridade total entre os dois”, assinala Valentina Garcia, sócia e directora executiva da Storytailors desde há cinco anos. “Eles conheceram-se na faculdade e trabalham de uma forma muito complementar. O João é a pessoa mais da forma e o Luís é a pessoa mais da matéria”, conta, continuando a falar no presente. Retrata-o como uma pessoa sensível. “Como criador, tinha um imaginário inacreditável. Tinha uma competência extraordinária de passar do 3D [dos corpos] para o 2D [dos tecidos]. Ou seja, de imaginar como é uma determinada peça e de a materializar.”

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Em 2011, a dupla vestiu Sílvia Alberto para a revista de Natal "Pública", antigo suplemento do Público Rui Gaudencio

Em 2006 inauguram o seu espaço na Calçada do Ferragial, em Lisboa, com loja e atelier. Instalam-se num edifício pré-pombalino dividido em três pisos, onde, segundo o site da marca, outrora eram armazenadas “especiarias, tecidos e pedras preciosas”. Há alguns anos que começaram a apresentar as suas colecções no Portugal Fashion, deixando a Moda Lisboa.

Mesmo quando iam a outras paragens beber inspiração, a sua roupa de autor era sempre romântica. Apoiada na construção entre o rígido dos corpetes e o vaporoso das saias, os Storytailors, marca cujo futuro fica agora em aberto, são dramáticos. Também por isso foram frequentemente convidados a colaborar com vários teatros, criando os figurinos de peças que subiram aos palcos dos teatros nacionais D. Maria II e S. João, do Teatro Municipal S. Luiz ou da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa; e tendo vestido os The Gift ou Mísia. Das capas de revistas — vestiram a revista Pública de Natal de 2011 — às preocupações comerciais, ultrapassaram um período de insolvência em 2012, regressaram à apresentação de colecções como a que levaram em Outubro deste ano ao Portugal Fashion.

Valentina Garcia lembra que as três últimas colecções — que sob o mote da capicua, se centravam no conceito de fluidez —  reflectiam a própria identidade do criador. “A vida e o trabalho criativo do João foram sempre sobre a liberdade. A liberdade de tudo: de criação, de poder ser, de género. E acho que estas colecções espelharam muito isso — o poder agarrar numa peça e misturar com outra e poder assumir várias identidades, poder ser outra pessoa e outro tempo.”

Notícia actualizada dia 21 de Dezembro, às 17h50. Foi acrescentada informação sobre o funeral.