"Há mesmo barreiras para as mulheres?"
Uma empresária e autora questiona as ideias feitas sobre as questões de género na cibersegurança, uma área em que faltam profissionais.
Nos próximos três anos, vão faltar cerca de 1,8 milhões de profissionais de cibersegurança para lidar com o número crescente de ataques. O problema agrava-se quando apenas 11% dos profissionais na área são mulheres, argumenta a directora britânica da Cyber Security Capital, Jane Frankland, que é responsável por um programa global para atrair talento para o sector.
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Nos próximos três anos, vão faltar cerca de 1,8 milhões de profissionais de cibersegurança para lidar com o número crescente de ataques. O problema agrava-se quando apenas 11% dos profissionais na área são mulheres, argumenta a directora britânica da Cyber Security Capital, Jane Frankland, que é responsável por um programa global para atrair talento para o sector.
“É preciso parar de repetir coisas como ‘temos de acabar com as barreiras’”, pede Frankland, sempre que sobe ao palco para falar do tema.
Há 20 anos que a britânica trabalha na área, mas é uma minoria. Para a empresária, parte do problema são frases feitas que defendem que os empregos nesta área são inacessíveis a mulheres. No topo da lista, coloca “break the glass ceiling” : uma expressão inglesa que alerta para barreiras invisíveis – tectos de vidro. “Temos demasiadas mulheres a baixarem a cabeça e a regurgitar estas frases, mas, se crescemos com estas crenças, haja ou não motivo, estamos a limitar-nos’”, explicou Frankland ao PÚBLICO. “E há mesmo barreiras para mulheres? Há pouquíssimos profissionais no ramo da cibersegurança.”
Os dados que Frankland cita são da ISC2, uma associação internacional para profissionais de cibersegurança. Indicam que há cinco anos que a baixa percentagem de mulheres na área se mantém igual. Para Frankland, é um risco: “As mulheres importam na cibersegurança pela forma como vêem e interpretam problemas”, justificou. “Tendem a ser mais intuitivas e a ter melhores resultados no que toca a inteligência emocional e social, o que lhes permite manter a calma em situações de stress.”
Fala por experiência própria. Foi empurrada para área aos 27 anos, porque já não conseguia pagar as contas com o curso de design, que apenas permitia trabalhos pontuais. Mãe solteira, sem desejos de voltar à faculdade, começou por tirar um curso técnico enquanto trabalhava em vendas. Hoje, para além da Cyber Security Capital, é directora de uma empresa de cibersegurança. Sempre soube que havia mais homens na área, mas não achava que era uma diferença assim tão grande. "Achei que as outras mulheres estavam apenas a fazer aquilo que normalmente fazem – evitar chamar a atenção e avançar com o trabalho”, admitiu.
Surpreendida com os valores, Frankland passou os últimos dois anos a entrevistar profissionais em todo os continentes para perceber o motivo. O livro IN Security é o resultado dessa investigação. "Quando se fala nos media sobre os baixos números na indústria da cibersegurança é fundamental saber de onde vem a informação, a quem é que foram feitas as perguntas”, disse Frankland.
Olhar para fora do Ocidente
“Por exemplo, só porque há um problema de mulheres em tecnologia no mundo Ocidental, em Inglaterra, nos EUA, não se pode generalizar”, alertou Frankland, que diz que países como Israel, Índia e os Emirados Árabes Unidos conseguem atrair mulheres para a área. Apenas não as conseguem reter.
Menciona um relatório de 2012 da consultora McKinsey, que nota que 55% das jovens entre os 15 e os 18 anos descreve as áreas da engenharia como “apelativas”. Porém, na hora de escolher um curso, apenas 4% de alunas identificadas como “promissoras” nos EUA optam por áreas relacionadas com a tecnologia, face a 57% na Índia e 37% em Marrocos (os dados baseiam-se em inquéritos a 4500 jovens adultos e 2700 empregadores em nove países).
Várias das entrevistadas de Frankland na Índia descrevem um país em que aprendem sobre computação e tecnologia de informação desde pequenas, com pais orgulhosos e que as motivam a estudar linguagens de programação. “É normal num país onde 40% do produto interno produto vem de serviços relacionados com a tecnologia”, notou a empresária. Porém, deixam a área cedo para serem mães. Horários pouco flexíveis e falta de apoio para educar as crianças dificultam o regresso à profissão.
“Pensar que a indústria toda sofre de uma falta de profissionais está errado. O talento está lá. O mais correcto é que a área tem problemas operacionais – a recrutar e a reter”, frisou Frankland.
Diferenças úteis
Embora Frankland defenda que as mulheres não são “naturalmente adversas” à área, diz que é necessário considerar as diferenças entre os sexos. "Sim, a área do sexo e do género é muito complicada. Mas é importante falar sobre isto. Quando olhei para o assunto para o livro – e eu não sou especialista ou médica –, vi que há variações interessantes", explicou Frankland.
Um exemplo são as quantidades de hormonas produzidas. Em norma, as mulheres produzem menos serotonina que os homens, uma hormona responsável por regular o humor. É razão pela qual alguns investigadores pensam que a depressão crónica e ansiedade é uma doença mais comum em mulheres. “Mas isto também se reflecte na forma como as mulheres estão mais atentas e encontram situações de risco e evitam conflitos”, argumentou Frankland.
Depois, há o caso do estrogénio. “É o principal condutor hormonal para as mulheres, e promove a cooperação e a colaboração. Também apoia a parte do cérebro que envolve as relações sociais e observações”, disse Frankland, que acredita que equipas de cibersegurança compostas exclusivamente por homens deixam um vazio.
“Atenção, isto não quer dizer que se devem excluir homens da equipa”, alertou. “Com os ciberataques a ficarem mais criativos, e os hackers a desenvolverem modelos mais organizados, é preciso desenvolver outras estratégias – e ter pessoas que vêem coisas de maneiras diferentes. As mulheres podem ter uma parte fundamental.”