Quando a redução das disparidades regionais não implica maior coesão interna
A maioria das regiões que convergiu positivamente com a UE fê-lo essencialmente por ter perdido população.
Cerca de um terço do orçamento total da União Europeia para o atual período de programação 2014-2020 é canalizado para programas de desenvolvimento regional através da Política de Coesão. São quase 352 mil milhões de euros de financiamento que visam apoiar as regiões economicamente menos desenvolvidas de forma a aproximá-las das regiões mais desenvolvidas, contribuindo desta forma para a redução das disparidades regionais.
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Cerca de um terço do orçamento total da União Europeia para o atual período de programação 2014-2020 é canalizado para programas de desenvolvimento regional através da Política de Coesão. São quase 352 mil milhões de euros de financiamento que visam apoiar as regiões economicamente menos desenvolvidas de forma a aproximá-las das regiões mais desenvolvidas, contribuindo desta forma para a redução das disparidades regionais.
Portugal é um dos principais beneficiários da Política de Coesão e tem recebido largos montantes de financiamento europeu com o fim de promover o desenvolvimento regional interno. Segundo o último relatório sobre a coesão económica, social e territorial publicado pela Direção Geral de Política Regional e Urbana (DG REGIO) da Comissão Europeia em 2017, a contribuição financeira da Política de Coesão no total do investimento público por Estado-membro entre 2015-2017 registou o valor mais elevado em Portugal, atingindo mais de 80% de todo o investimento público. O nível de financiamento concedido às regiões varia com a necessidade de desenvolvimento revelada pelo nível do Produto Interno Bruto (PIB) per capita regional, ao nível das NUTS II, face à média europeia. Em Portugal, as regiões com maior necessidade são o Norte, Centro, Alentejo e R.A. dos Açores por terem um valor inferior a 75% da média europeia. Segue-se o Algarve, enquanto região de transição, com um valor entre 75%-90% da média europeia. As únicas regiões consideradas mais desenvolvidas segundo este indicador são a R.A. da Madeira e a Área Metropolitana de Lisboa (AML), com valores acima de 90% da média europeia.
Dados os sucessivos programas de financiamento regional que Portugal tem recebido desde o primeiro Quadro Comunitário de Apoio (QCA I), de 1989 a 1993, é curioso que não existam homólogos nacionais dos relatórios sobre coesão produzidos pela Comissão Europeia. A Agência para o Desenvolvimento & Coesão (AD&C), cuja missão é a coordenação da política de desenvolvimento regional, tem vindo a desenvolver um importante papel na correção desta lacuna, e publicou no passado dia 5 de Dezembro o primeiro Relatório do Desenvolvimento & Coesão. Nele se analisa a evolução das dinâmicas regionais desde o início do século XXI, dando especial atenção ao processo de convergência económica e à provisão de serviços sociais nas áreas da educação, saúde e emprego. A última parte do relatório discute o papel da qualidade da governança multinível no sucesso das políticas públicas de desenvolvimento regional. Este relatório é o que mais parecido temos em Portugal com os relatórios sobre coesão publicados de três em três anos pela DG REGIO. É por isso um documento importante que deve ser lido e discutido por todos os que queiram perceber melhor as trajetórias regionais, ainda que a um nível agregado, em Portugal.
As duas principais mensagens do relatório no que respeita ao processo de convergência económica são a verificação entre 2000 e 2016 de um processo de coesão interna em simultâneo com uma divergência externa face à média da UE28. No entanto, a redução da desigualdade regional interna não se deveu a um melhor desempenho económico das regiões menos desenvolvidas, mas antes ao pior desempenho da AML. O relatório mostra ainda que quando comparada com outras regiões capital, a AML registou um crescimento do PIB per capita abaixo da média europeia. Ou seja, na realidade não existe nada a celebrar neste processo de convergência interna uma vez que ele se explica essencialmente, usando a gíria de economista, por uma convergência negativa da região mais rica. Por este motivo, concluir que ocorreu um “processo de coesão interna” parece inadequado.
A convergência interna percebe-se melhor se considerarmos separadamente a variação no nível do PIB e da população entre as diferentes regiões. A análise destas duas componentes é feita no relatório e mostra claramente a existência de um efeito demográfico. É a forte redução da população, e não o crescimento do PIB que ficou claramente abaixo da média europeia, que ajuda a explicar a aproximação do desempenho económico das regiões menos desenvolvidas (i.e. Norte, Centro e Alentejo) das mais desenvolvidas. Só a AML, o Algarve e a R.A. da Madeira registaram um aumento populacional acima da média europeia, e apenas o Algarve teve um crescimento do PIB acima da média europeia, seguido pela R.A. da Madeira. Consequentemente, a convergência negativa da AML e divergência positiva do Algarve explicam-se também em boa parte pela dinâmica demográfica que exibiram em contraste com as outras regiões. Este efeito de denominador pode ter feito com que Portugal ficasse menos mal no retrato europeu, mas representa uma perda de recursos humanos, muitos deles altamente qualificados, recetores de investimento público em educação que acabará por gerar benefícios noutros países. Para além de considerar as regiões NUTS II, o relatório analisa ainda o processo de convergência económica ao nível supramunicipal constituído pelas 25 regiões NUTS III. Também aqui a história que prevalece parece ser a mesma, ou seja, a maioria das regiões que convergiu positivamente fê-lo essencialmente por ter perdido população.
Em resumo: a perda de população que ajuda a explicar o aparente processo de coesão interna não é mais do que o conhecido problema do despovoamento que se tem vindo a registar nos chamados territórios de baixa densidade populacional. Não deixemos que o indicador usado nos torne incapazes de ver – e pensar – sobre o problema real. É pois importante que as edições futuras do relatório incluam também indicadores com um entendimento mais multidimensional de desenvolvimento regional, como é o caso, por exemplo, do Índice Sintético de Desenvolvimento Regional (ISDR) desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estatística. Vale a pena consultar o ISDR, pois revela um retrato territorial diferente daquele traçado apenas pelo PIB per capita.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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