Director da CP demitido por discordar de decisão que ameaça segurança ferroviária
Administração da CP decidiu que a manutenção dos rodados das automotoras eléctricas seria feita aos dois milhões de quilómetros em vez dos 1,7 milhões. Director de material da CP alertou para os riscos de se adiar a manutenção de rodados e foi demitido.
O director de material circulante da CP, José Pontes Correia, foi exonerado no passado dia 6 de Dezembro depois de se ter manifestado contra um acto de gestão da administração da empresa, que pode, em sua opinião, pôr em causa a segurança dos passageiros.
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O director de material circulante da CP, José Pontes Correia, foi exonerado no passado dia 6 de Dezembro depois de se ter manifestado contra um acto de gestão da administração da empresa, que pode, em sua opinião, pôr em causa a segurança dos passageiros.
Em causa está a decisão de prolongar o ciclo de manutenção dos rodados das UTE (Unidades Triplas Eléctricas) em mais 300 mil quilómetros do que aquilo que está previsto no seu programa de manutenção. Estas automotoras deveriam recolher às oficinas ao fim de 1,7 milhões de quilómetros percorridos para que os seus rodados sofressem uma minuciosa vistoria e, em função do seu estado, fossem substituídos ou reperfilados (torneados) para poderem voltar aos carris.
O problema é que, com a actual falta de material da CP – que tem provocado inúmeras supressões de comboios – isso significava imobilizar uma das frotas mais importantes da CP e lançar o caos, sobretudo no serviço regional. As UTE são responsáveis pelo serviço Tomar – Lisboa e pelos regionais das linhas do Norte, Beira Alta, Beira Baixa e ainda Figueira da Foz – Coimbra. Substituem também os Intercidades para Évora quando a CP não tem máquinas e carruagens para os realizar.
Sendo uma frota vital para o funcionamento da CP, a administração não quis arriscar a sua imobilização, que deveria ocorrer por estes meses, sob pena de repetir no Inverno, e durante mais de um ano, o caos ferroviário que se viveu neste Verão devido às supressões de comboios.
Aliás, bastou ter encostado algumas UTE há dois meses e realizar alguns comboios da linha Tomar – Lisboa com apenas uma unidade (três carruagens em vez de seis) para que os problemas se fizessem logo sentir, com passageiros a protestar por viajarem de pé em composições sobrelotados.
Acresce que 2019 é ano de eleições e ao Governo, que tem vindo a ter uma postura muito pró-activa nos actos de gestão da CP, não lhe é favorável ver mais notícias sobre o mau funcionamento da ferrovia. Por isso, a solução foi “empurrar com a barriga” – as imobilizações de material que agora não se farão, serão adiadas para 2020.
Foi contra este cenário que se insurgiu o director de material da CP, José Pontes Correia, que chamou a atenção para os riscos desta medida. A decisão teve em conta uma vistoria breve ao estado dos rodados das automotoras, mas com critérios muito pouco exigentes. O aconselhável seria que fossem utilizados meios ultra-som na observação dos rodados, bem como líquidos penetrantes para detectar possíveis fissuras. Mas isso não foi feito.
Por outro lado, o próprio fabricante, a multinacional Alstom, também não se pronunciou sobre esta decisão. As UTE são automotoras construídas na Sorefame nos anos sessenta e foram modernizadas entre 2003 e 2005 pela EMEF em parceria com a Alstom, que é também a fornecedora dos bogies (rodados) que então lhes foram instalados.
O manual do fabricante indica que os rodados destas automotoras têm um limite de 1,7 milhões de quilómetros (mais 10% de tolerância), após os quais devem sofrer uma reparação intermédia. Em Outubro passado a empresa chegou a ter 16 UTE paradas em oficina para fazer essa intervenção, mas acabaram por voltar ao serviço sem a ter realizado.
O risco de circularem com os rodados fora dos padrões de segurança vem aumentado pela especificidade da rede ferroviária portuguesa, que está, de um modo geral, em mau estado.
As UTE circulam em infra-estrutura que não é renovada há muitos anos, como é o caso de um terço da linha do Norte, a linha da Figueira da Foz a Alfarelos e o ramal de Tomar.
O PÚBLICO contactou o IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes), que é a autoridade nacional de segurança ferroviária, para perguntar se tinha validado esta decisão da CP, tendo fonte oficial do organismo respondido que “os planos de manutenção e suas actualizações são normalmente enviados ao IMT, não tendo os mesmos de ser autorizados ou aprovados pelo IMT”. A mesma fonte disse ainda que a legislação em vigor remete para a CP “assegurar, por meio de um sistema de manutenção, que os veículos por cuja manutenção é responsável se encontrem em condições seguras para circular”.
A CP, por sua vez, diz que “a alteração introduzida no ciclo de manutenção da série de automotoras eléctricas UTE 2240 foi, evidentemente, alvo de estudo e avaliação prévia, tendo sido também cumpridos todos os requisitos regulamentares determinados para as alterações de natureza técnica ou operacional no sistema ferroviário”. Fonte oficial da transportadora pública diz ainda que “o processo de avaliação efectuado, que teve em conta, nomeadamente, as características dos sistemas e equipamentos, a experiência de manutenção acumulada e as condições de exploração das UTE, da série 2240, permitiu concluir que esta alteração não coloca em causa a segurança da operação ou dos passageiros.”
Questionada sobre a exoneração do seu director de material, a empresa diz que “a gestão dos Recursos Humanos na CP passa, naturalmente, pelo ajustamento sistemático e contínuo dos perfis dos seus colaboradores às exigências e níveis de responsabilidade das diversas áreas da empresa”, matérias que a mesma fonte oficial diz que “a CP não comenta em praça pública”.
José Pontes Correia é um destacado militante do PS no sector ferroviário. Entre 2005 e 2008 foi administrador da Ferbritas (uma empresa do grupo Refer) nomeado pela então secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, e entre 2010 e 2013 foi administrador da EMEF, nomeado pelo então presidente da CP José Benoliel.