“Sem a prisão e a preocupação pelas minorias eu não teria ido para História”
Primeiro foi a fé em Deus, depois o choque com os homens e o sonho da escrita hipotecado por achar que teria de ser útil a uma sociedade que oprimia muita gente. O historiador António Borges Coelho saiu do seminário para as celas da PIDE onde conheceu Álvaro Cunhal e encontrou lá sua vocação. Sem a prisão nunca teria sido historiador, diz, aos 90 anos, a trabalhar em mais um volume da sua História de Portugal.
Uma reprodução das Tentações de Bosch apresenta-se discreta numa das paredes do escritório de António Borges Coelho. A luz da manhã não chega a iluminá-la, só o campo de visão do historiador é capaz de a detectar entre centenas de livros de história, filosofia, poesia, ficção, arte e muitas fotografias de família. Bosch ao lado de Borges e de costas para a linha do mar da Parede onde vive, no canto, a que chama “o buraco” e se senta todos os dias para escrever. Aos 90 anos, o historiador, poeta, ficcionista, ex-militante do Partido Comunista, catedrático jubilado da Universidade de Lisboa que este ano o distinguiu com um prémio de carreira, é um leitor compulsivo de ficção e está a escrever o 7.º volume da sua História de Portugal. Fomos encontrá-lo a restabelecer-se de ser o centro das atenções. Prefere o silêncio dos livros, a rotina do café pela manhã, a leitura dos jornais e a concentração em tudo o que ainda tem para fazer. Falou mais do seu passado do que do seu presente, como quem faz a sua historiografia pessoal, a que o levou a ser o historiador António Borges Coelho, um homem que perdeu a fé num deus dogmático, num partido dogmático e se diz um céptico, até mesmo um manipulador. Com muito riso pelo meio.
2018 tem sido um ano especial para si.
Descobriram que eu fazia 90 anos!
E foi condecorado, continua a reedição da sua obra, saiu o 6.º volume da sua História de Portugal e debate-se o que é a historiografia de António Borges Coelho. Consegue defini-la?
Tenho muita dificuldade em falar do meu trabalho. Nasceu um pouco fora da academia. Tive sempre uma certa atracção pela História e o primeiro contacto foi excepcional. Já contei isto, mas repito: foi na instrução primária depois de ter lido o que o [filólogo Manuel] Rodrigues Lapa fez da Crónica de D. João I, do Fernão Lopes. Fiquei encantado com aquilo.
Que encanto foi esse?
De tal maneira, que no exame final da 4.ª classe fiz uma crítica à Leonor Teles. Coitadinha, até gosto muito dela.
A crítica baseava-se em quê?
Em ela não ser fiel ao marido. Mas era a flor da época. O Fernão Lopes traça um retrato fantástico dela, dá a mulher que era e que pôs as outras mulheres a serem respeitadas pelos maridos. E mostra que era uma política activa que se passou para o lado de Castela, mas depois queria ficar rainha e pôr também o rei de Castela fora. Era uma mulher muito rica e complexa; ainda por cima bela. Não terá de ser a mulher de que podemos mais gostar, mas...
Essa sua primeira abordagem foi moral.
É verdade. Mas hoje é pouco moral. Isto é, os factos têm intrinsecamente uma moral. Se estou a falar na escravatura não preciso de dizer que a escravatura é má. Digo que o escravo ia agrilhoado trabalhar, ou que era chicoteado. Isto é péssimo, mas não preciso de dizer que é péssimo. O [Alexandre] Herculano, por exemplo, na História de Portugal, a história política, é um moralista do arco-da-velha.
Olha-se sempre o passado à luz do presente. Quando hoje se lê a escravatura é difícil fugir a esse julgamento.
Logo o século XVI, temos Fernando de Oliveira, um grande escritor que tinha sido frade e ido para Inglaterra, e que faz um ataque terrível à escravatura. Moralmente, eticamente. São as condições económico-sociais em que não há máquinas. A máquina é a enxada, são máquinas rudimentares; o trabalho físico do homem era essencial para reproduzir as condições da existência. E, nesse sentido, a escravatura avança. O Padre António Vieira é considerado o grande opositor da escravatura e nunca se opôs à escravatura do negro. Mesmo em relação aos índios, ele diz que nas aldeias não viviam melhor do que os escravos, porque tinham de trabalhar meio ano para os colonos e no outro meio garantir a sua subsistência, a da aldeia e a dos próprios padres.
Como se deve, então, contar hoje a escravatura? A responsabilização, ou até um assumir de culpa, deve estar implícita?
Não poria bem nesses termos. Há uma imagem que é do Marx segundo a qual o esqueleto do homem permite-nos escolher melhor o esqueleto do macaco. Porquê? Porque é mais complexo. A nossa realidade hoje é muito mais rica e mais complexa; podemos fazê-lo, embora com cuidado, para não transferir os nossos valores para o passado. Mas esses valores não nasceram do nada hoje. Já existiam. Outro exemplo: diz-se que a Inquisição foi fruto da época. Foi fruto da época para quem? Para as vítimas?! As vítimas iam a cantar satisfeitas? Os parentes das vítimas?! E aqueles que chegavam e sobre os quais depois se dizia que afinal eram mártires! Acontecia nos autos de fé. Porque é que a dada altura o rei D. João V não pode fazer os autos de fé no Campo das Cebolas? Porque houve um levantamento e não havia segurança para fazer o auto de fé. Passaram a fazê-lo na Igreja de S. Domingos ou ali à roda de S. Domingos. Esses valores não têm força nessa época, mas há valores que estão implícitos e começam logo. Nós hoje temos uma vista muito mais aguda para olhar em relação a esse passado, mas se partimos logo de uma atitude moral estamos a viciar e não vamos até ao fundo.
Este é o seu sítio de escrita.
Este é o meu buraco. Aqui trabalho bem.
Quantas horas passa aqui?
Depende muito. Há uns meses ainda trabalhava bastantes horas, sobretudo da parte da manhã. Normalmente vou ao café de manhã e depois estou a trabalhar até ao almoço. É a parte mais criativa. À tarde continuo e, uma parte que para mim é importantíssima, é o café depois de almoço. Dá-me moleza. Na minha idade é essencial o café. De manhã e a seguir ao almoço. Mas continuo a trabalhar até aí às cinco. Ainda trabalho umas horas. O pior é esta máquina [aponta o portátil] que me dá cabo do juízo.
Escreve só ao computador?
Não. Escrevo também à mão. Mas à mão, para um longo texto, já não dá; demora muito tempo; mas para afinar a prosa tiro para o papel e depois brinco com aquilo. Aqui [no computador] não se brinca, é um ajudante e mais nada. E trabalho bastante a prosa. Ainda se fosse outro tipo de prosa, mas é a prosa histórica, tem cada pastilha monumental e para lhe dar um ar minimamente aceitável dá um trabalhão. Estou muito ligado à expressão oral e o que me vem à cabeça, em princípio, não está organizado. Gramaticalmente. Aquilo sai em torrente e acabou. Depois tenho de lhe dar sentido e gramática. Mas a primeira versão do texto escrito?! Onde é que ela fica! Se estou a contar a história de um indivíduo ou um acontecimento aí a prosa é mais fácil. E, sem prejudicar a verdade da História; até lhe dá, por vezes, mais realismo objectivo. Podemos libertar-nos um pouco na prosa. Agora imagine que estou a analisar um relatório económico, que prosa é que vou meter naquilo? Tenho de pôr os números, tem de ser chato, quer eu queira quer não. Claro que posso pôr uma ou duas frases no meio para amenizar sem trair o conteúdo. Mas ampliar a visão daquele pequenino pormenor aritmético… Enfim, a escrita da História dá um bocado de trabalho. Gosto quando as coisas estão a sair, mas a informação é tão vasta, temos de nos embeber numa tal informação, quase viver naquela época, ouvir a voz da época, até a frase da época que não é igual à frase actual. E a própria palavra, por vezes, já não tem o sentido que tem hoje.
Começou por dizer que não tinha começado na História da forma mais académica. Como olha para o seu trajecto de historiador?
A minha abertura para a História foi em Peniche [na prisão]. Eu já tinha tirado o primeiro ano do curso de Histórico-Filosóficas e considerava que aquele relato era um bocado vazio.
Tem dito isso, por exemplo, em relação à presença dos muçulmanos na Península.
Isso nem sequer havia, nem sequer existiam. Para mim, era um absurdo. Como era possível, sobre uma civilização que nessa altura não era inferior em desenvolvimento à cristã? Não havia nada, não havia restos, documentos, não havia provas, nada. Isso levou-me à escrita, à tradução e à análise de um livro que me deu outro livro, Comunas ou Concelhos. Mas nunca teria sido escritor sem ter escrito o Portugal na Espanha Árabe.
Pode-se dizer que sem a prisão de Peniche não teríamos o historiador Borges Coelho?
Com certeza. Sem a prisão e a preocupação pelas minorias eu não teria ido para História, embora eu já viesse de uma atitude revolucionária, a olhar para os oprimidos. A saída do seminário levou-me nesse sentido. Eu, que tinha sido atraído pela figura do fundador da Ordem Franciscana, saio e sou chocado com a miséria do final da II Guerra Mundial. Saí em 1945 e aquilo chocou-me. Fui sempre muito sensível e muito aberto às minorias e ao sofrimento dos outros.
Nasceu em Trás-os-Montes, em Murça...
A terra da porca, que é mãe dos de fora e madrasta dos da terra.
Como foi a sua infância?
Ainda vim a Lisboa, onde tirei a 2ª classe. O meu pai era guarda-fios e migrou para Lisboa. Mas foi um contacto fantástico com a natureza. Aquela paisagem marcou-me, vale e montanha, vale e montanha, ribeira, rio, os animais. Por vezes, brutal. A luta de cães era um fenómeno quase medieval. As pessoas de lado a incitarem os cães na luta quase até à morte. Era uma paisagem forte, com uma grandeza espantosa e isso marcou-me para toda a vida.
Foi aí que nasceu a sensibilidade poética?
Tem muito a ver com isso. E também com a minha própria sensibilidade. E a beleza não está só na montanha; está na planície. Hoje adoro o Alentejo; acho uma paisagem espantosa. Sou menos sensível à paisagem minhota. Embora do alto do seminário franciscano onde andei se visse o Vale do Cávado até ao mar. Era um espectáculo fabuloso.
Estamos a falar de uma altura em que muito pouca gente tinha acesso à educação. Vai parar ao seminário por vocação ou porque era a maneira de continuar a estudar?
Na altura, alguém com boa intenção, me deu a ler As Florinhas de S. Francisco, episódios que, aos olhos de hoje, fazem lembrar a vida de um hippie. S. Francisco é quase um hippie. Aquilo caiu-me no goto, a leitura marcou-me.
Que idade tinha?
Uns dez anos. Acabei a 4.ª classe, mas antes tive uma professora republicana... primeiro tive um professor ligado ao regime e ao fascismo, e depois tive uma professora republicana, e ela queria-me tirar da ideia ir para padre. E eu respondia: "Mas não vou para esses padres, esses padres não me interessam. Vou para os outros, para o Francisco." E lá fui. E aquele primeiro choque quando entro no seminário, à noite, a chover, em Outubro; o meu pai ficava à porta e lutou para dormir lá. E lá conseguiu. Entro no dormitório, cento e tal rapazes a despirem a roupa debaixo dos lençóis para tirarem as calças, um silêncio... e eu fiz uma pergunta e ficou logo tudo em pânico. Aquilo chocou-me. Aquelas imagens do Francisco com as chagas por tudo o que era sítio, nas paredes, nas portas... Eu vinha da montanha. Mas qual foi a minha resposta? Cristo também sofreu e temos de sofrer. E assim foi até ao quarto ano. No quinto ano já não era assim.
Foi perdendo a fé.
Não totalmente. Queria ir-me embora. Mas as pessoas sabiam por que é que eu tinha ido. Eu, no fundo, não tinha tido outra saída. Nós éramos seis. Os professores pediram à minha mãe para o meu irmão mais velho ir estudar. Ele foi para o liceu. Naquela altura, na minha terra, havia talvez seis pessoas no liceu em Vila Real. O segundo foi para a escola industrial. O terceiro para onde iria? Para a loja do meu pai onde se vendia tudo? Mas isso não foi o decisivo. O decisivo foi a fé. Quando contei à minha mãe ela ficou contentíssima da vida, ia ter um padre na família. Depois foi a desilusão completa.
Foi expulso do seminário. Como é que isso acontece e como é que depois isso muda completamente a sua vida?
Eu escrevia cartas para a família a dizer que me queria ir embora; os frades guardavam as cartas no capucho e vinham falar comigo. E eu mais outros tivemos a ideia de fugir. Quando as coisas chegaram a este extremo um dia foram-me buscar, retiraram-me do grupo, dormi separado e no dia seguinte fui enviado com a passagem para a terra e uma carta a dizer à minha mãe que as más leituras tinham dado cabo de mim.
Que "más" leituras eram essas e como lhe chegavam?
Eram notas dos livros que eu gostava de ler e que eram censurados. Os Maias, etc. Livros que eu gostaria de ler e nunca tinha lido. Tivemos um professor de literatura que nos leu duas coisas fabulosas: alguns contos do Torga, d'Os Bichos, e leu-nos A História da República Romana, do Oliveira Martins. Nesta segunda leitura tiraram-lhe o livro da cela e não houve mais leituras. Houve outro padre que escrevia motivos de ordem religiosa, e escrevia muitíssimo bem em língua portuguesa. E ainda houve outro por quem tive sempre uma ternura muito grande, muito velhinho, colaborador da Colecção Sá da Costa, tradutor de grego, que era um padre que já vivia noutro mundo. Os que estavam já em dúvidas iam-se confessar a ele. Ele dizia: "Diz. lá, diz lá." E começava a estremecer, desaparecia e a dada altura acordava: "Já que não dizes nada vai-te embora. Eu te abençoo..." Era o padre Eusébio Dias Palmeira, poeta da natureza e, pelos vistos, um homem sabedor de grego.
Que dúvidas punha na confissão?
A minha primeira grande dúvida foi a da eucaristia. Logo nos primeiros anos. Íamos à missa, e quando ia comungar tinha uma tentação na cabeça a dizer "a hóstia é pão, a hóstia é pão" e ao mesmo tempo eu dizia: "Sai da minha cabeça!" Aquilo marcava-me, era a ideia do realismo.
Contra a ideia do corpo de Cristo.
Exactamente. Que estava ali o corpo de Cristo, em que não se podia sequer tocar com os dentes, etc. Quando saio, a leitura das provas de São Tomás [a quinque viae, ou as cinco vias que provam a existência de Deus, de S. Tomás de Aquino] é que me levam ao ateísmo. Mas, afinal, é isto que prova a existência de Deus?! Isto são falácias, são cinco falácias. Aquelas perguntas que se fazem e continuamos a fazer. Como é que o mundo apareceu? Há sempre uma série de perguntas que podemos fazer, e a explicação, mais outra explicação não esgota. Agora, a religião que dita com base nos livros sagrados deixa-me completamente... não é inerte. Gosto muito de ler os salmos; os evangelhos são textos moralmente magníficos, digamos...
Quando diz que gosta muito de ler os Salmos, é literariamente?
Sim. O Deus do Velho Testamento é horrível. Ezequiel ter filhos de não sei quantas mulheres! Há coisas incríveis no Velho Testamento; dizer ao pai que vá matar o filho para mostrar a sua fidelidade a Deus; destruir toda uma cidade, Sodoma e Gomorra. Aquilo é a história de um povo, e as crenças e a organização ainda no início da História; não pode ser aceite racionalmente como a base de tudo. E durante séculos, a realidade e a visão da realidade tinha que não contradizer os dogmas do Velho Testamento e do Novo Testamento, que Cristo era Deus homem, etc. São ideias que não me dizem nada. Nem perante a morte. A morte sim, quem é que não tem medo da morte? Mas estou resignado com ela. Cá a espero, aqui no buraco, se possível. No hospital não me agradava nada, mas aqui no buraco, em paz, sossegado.
Diz que se sentiu ateu depois de ler S. Tomás de Aquino. Imagino que não tenha sido imediato. O que se passou na sua cabeça?
Estive mais de um mês para deixar de rezar o Acto de Contrição ao deitar. Estava uma hora, duas horas sem dormir e sempre com a cabeça a martelar: e se existir? E se existir? E acabava por rezar o Acto de Contrição...
...pelo sim pelo não
Exacto. Até que um dia disse "acaba lá com isso", e acabei. Até hoje. E quanta gente os rezou por mim! E que ainda hoje reza. Para eu, se não rezar o Acto de Contrição, falar menos sobre isto. É verdade.
O despertar da consciência política tem a ver com a morte do homem de fé?
O que tem a ver é o homem desencantado, o jovenzinho. Tinha uns 16 anos. E que começa a ler. Li A Relíquia. O primeiro livro que comprei foi do Balzac, A Mulher de Trinta Anos, imagine! Às escondidas da minha mãe. Havia uma lata enterrada no chão de onde me trouxeram A Relíquia.
Essa lata é famosa. Dela também vieram os livros de Marx.
Sim, e é uma coisa inteiramente verdadeira, a lata de um homem que tinha sofrido imenso com a PIDE; era pedreiro, tinham-lhe partido os dentes. Não tenho a certeza se foi ele quem me deu a ler Marx, mas é provável. Mas foi ali que li O Manifesto do Partido Comunista, que li com os rapazes do meu tempo, na minha terra. Li como quem lê um poema; uma tradução espanhola magnífica. A PIDE apanhou-a entre os livros que eu tinha.
Que efeitos teve isso em si?
O Partido Comunista levou-me o primeiro [jornal] Avante!; o primeiro Avante! que li foi em Murça.
Começou a ser catequizado.
Sim, mas vim para cá [Lisboa] e perdi o contacto, e o contacto era a leitura do Avante!; não era mais nada. Li dois ou três.
Vem para Lisboa para a Faculdade.
Exacto. Tive de fazer exame de admissão a Direito; fiz e entrei em Direito. Estive três meses sem dinheiro, sem emprego, sem quarto para dormir.
Como é que vivia?
No quarto de um amigo da minha terra. Ele estava a tirar Agronomia. Lá dormia, com grande protesto da dona da casa. E com estudantes de Medicina, um deles também da minha terra; pagavam-me sandes; apoiaram-me até eu arranjar emprego ao cabo de três meses. Eu era estudante-trabalhador.
Fazer o quê?
Fui para a Junta Autónoma de Estradas. É uma história com piada. Fui à Junta Autónoma e perguntei a um contínuo quem é que mandava ali. Ele disse-me que era o senhor Esteves. Perguntei de onde era. Era de Trás-os-Montes. Então dei a volta, fui a outro contínuo e disse-lhe que queria falar com o senhor Esteves; que lhe dissesse que era um rapaz de Trás-os-Montes, e ele mandou-me chamar. Eu disse-lhe que não era da terra dele, mas que era transmontano: "Estou cheio de fome, há três meses que tenho esta vida e tenho estas habilitações". Ouviu. Pediu-me para ir trabalhar no dia seguinte e que metesse os papéis para o concurso. Assim fiz e comecei a trabalhar no dia seguinte. Era um completo ignorante de trabalho de escritório. Houve o concurso, fiquei em primeiro lugar e ele não ficou arrependido. O pior foi depois, quando a PIDE foi à minha procura e eu desapareci do mapa.
Estava ligado ao MUD Juvenil.
Sim, liguei-me logo na faculdade. Eu era trabalhador-estudante e entrei no mundo dos jovens trabalhadores; controlei a fábrica de material de Braço de Prata.
O que o atraiu? Não era só a oposição ao regime…
Não. Eu era extremamente sensível ao perigo da guerra atómica mundial. Houve umas imagens que me marcaram, as de uma revista norte-americana com Moscovo bombardeada atomicamente. Imagens infernais. Eu queria ser escritor e, naquela altura, perante aquilo, perguntei-me porquê. Que vida era essa? Era preciso era lutar.
Ser escritor parecia-lhe inútil?
Sim.
E lutar ao lado do Partido Comunista?
Exactamente. No MUD Juvenil já tinha contacto com o PC, e depois fui funcionário do PC durante meio ano.
Tem dito que um historiador tem de estar envolvido na política. Envolveu-se de forma activa, a sua historiografia foi marcada pelo marxismo, mas Marx não foi o único a influenciá-lo na abordagem da História. Até que ponto essa marca subsiste?
A História é a história dos homens e a história dos homens envolve a política. A École des Analles, que me influenciou também muito, deu particular importância à história económica e à história social; e a história social vem também da influência de Marx. Sobre esta história do marxista e do não- marxista posso-lhe dizer que sou marxista. Mas sou, de facto, no terreno? O Marx criou um modelo de História? Tudo isso é muito complicado. O Marx influenciou-me. A luta de classes? Sim, há a luta de classes. A ideia de luta de classes não é dele, ele pô-la em primeiro plano. Isso foi fundamental no meu trabalho e é fundamental hoje. Inclusive os que negam a obra de Marx utilizam-na brutalmente para evitar os seus efeitos. Agora se tudo é Marx? Antes e depois? Que ele envolveu tudo o que veio antes e que parou ali o movimento filosófico, social e político? Isso para mim é um absurdo. Olhando para o que escrevi, inicialmente fui muito marcado, mas fui desde logo marcado pelos Analles; e pelo [Vitorino] Magalhães Godinho, que li em Peniche — não li Marx em Peniche, li-o cá fora, antes de ir para a prisão. Os leitores e os historiadores voltados para a historiografia dirão muito melhor do que eu o que foram as minhas influências. Porque as minhas influências no sentido filosófico vêm muito de trás. Eu tive uma cultura filosófica, desde os gregos aos filósofos modernos. Li menos os filósofos contemporâneos, mas da história da Filosofia, li originais, não li o que é que escrevem sobre os originais. Que moldam e moldaram o meu pensamento. O próprio Espinosa. Fui à procura da influência dele, dos cristãos novos para a cultura portuguesa, e o que encontrei mais profundamente foi a ele próprio.
Já falou de Peniche como determinante, mas não falou em concreto sobre o que o levou à prisão. É uma história cheia de detalhes que ajudam a defini-lo.
Fui parar a Peniche porque era funcionário do PC e porque me entraram em casa duas brigadas da PIDE. Eu vivia numa casa na Rua dos Ferreiros, a Santa Catarina, e a casa tinha uma pia para a cozinha e uma pia para os humanos; tinha na sala uma divisória onde eu tinha um divã e os donos da casa tinham um quarto e tinham a cozinha. Entraram duas brigadas aí ao meio-dia e fui levado para a PIDE.
O que encontraram?
Uma mala cheia de papéis, impediram-me de chegar às janelas, mas quando cheguei ao poial da porta dei os gritos mais altos da minha vida. Viva a Liberdade! Viva a Democracia! E o último: Abaixo a PIDE! E quando disse “abaixo a PIDE!”, as pessoas que iam na rua viraram costas ao sentido de marcha e diziam "está ali um maluco qualquer"; "aquele gajo enlouqueceu". E lá vou eu lá para cima, para as salas da tortura. Mas quando ia a subir a escada, as calças tinham o bolso roto e o lenço começou-me a cair pelas pernas abaixo. Eu baixei-me para o apanhar e o PIDE dá um salto. "Onde é que está a pistola?" [risos] E lá vou, para fazer estátua, permanecer em pé. Estava lá uma cadeira e eu sentei-me na cadeira. O PIDE dizia-me que eu não podia estar ali sentado. Mas eu ficava, ate que vieram mais, viram que eu estava muito verde e acabaram o princípio da estátua e mandaram-me para as celas do Aljube, onde estive seis meses seguidos numa cela da largura do meu corpo, com muito pouca luz, com um bailique que descia à noite para eu dormir.
Como acha que sobreviveu a isso sem enlouquecer?
Eu tive um ataque. Fiz greve de fome nas celas, fui levado para a enfermaria, na enfermaria entrei em contacto com os vizinhos do Aljube e eles aperceberam-se e puseram-me numa cela durante uma semana em que não havia sequer luz. Era sempre escuro, sempre noite. A memória é a nossa defesa. Isso é pior do que o espancamento, porque o espancamento ou é cobardia ou uma reacção de esforço e de ódio. Ali não, é o nada. Então veio a memória, e a memória tem limites que eu não imaginava.
Refugiava-se na memória?
Sim. Andar na cela era um passo para a frente e outro para trás [faz o movimento com os dedos da mão].
Pensava em quê?
Na infância, nas mulheres que amei. É claro que havia um período em que saia da cela para despejar o balde. E foram seis meses. Depois fui para Caxias e de Caxias fui levado para o Porto onde fui julgado e condenado a dois anos e nove meses de prisão maior.
Em Peniche.
E estive lá cinco anos, e, ao todo, seis anos e meio no cárcere.
Peniche na altura não era a prisão mais simpática...
Não era não, era a prisão de alta segurança.
Onde conheceu Álvaro Cunhal.
Nessa altura, na alta segurança, estavam dois presos: o Álvaro Cunhal e o Rogério de Carvalho. E cheguei com mais três companheiros.
Qual era a relação entre vós?
Havia uma hora para escrever à família e um momento em que podíamos estar os seis. Quando isso acontecia havia um guarda, perguntávamos-lhe se podíamos perguntar qualquer coisa a outro. Ele pedia-nos para aguardar ou dizia simplesmente que não. Depois tínhamos a descasca da batata e a limpeza. Na limpeza podíamos falar, e havia uma hora de recreio quando não estávamos castigados ou não estava a chover. Nessa hora de recreio, podíamos falar, mas o guarda ia no meio e dizia: “Fale mais alto que eu também quero ouvir”. É claro que a gente falava e, conseguia falar mesmo sem o guarda ouvir, ou ouvindo não percebia o que estávamos a dizer.
Essas conversas deram para planear uma fuga...
Dão sempre. E deram para eu levar textos proibidos debaixo da camisola; um texto do Cunhal, por exemplo. E para levar livros de arte que ele estava autorizado a receber. Aprendi com eles alguma coisa de história da Pintura nesse sentido.
A fuga de Peniche acontece a 3 de Janeiro, de 1960. Recusou-se a fugir com eles. Porquê?
É verdade. Havia várias razões. Eu não queria volta à vida de funcionário do PC e tinha o meu projecto.
Esse projecto definiu-se na prisão.
Sim. E era escrever História e escrever para lá da História. Isto é, ser escritor. Se eu fugisse a vida teria de ser a clandestinidade, não podia ser outra.
Os outros não olharam muito bem a sua opção...
Não, não olharam.
Como ficou a sua relação com Álvaro Cunhal?
Ele tentou convencer-me duas vezes. Leu-me um livro que ficaria célebre, Até Amanhã Camaradas, que naquela altura se chamava A Mulher do Lenço Preto. E eu disse-lhe: "Desculpa, mas não".
Ele desculpou?
Mais tarde, sim. Na altura não. Ficámos isolados, os que ficaram. Completamente isolados.
Há outra história, é que casa em Peniche. Já tinha namorada quando foi para lá.
Já tinha uma companheira.
Era uma enfermeira que lutava para que as enfermeiras tivessem autorização para casar. Como é que nasce essa história de amor e como é que ela evolui para um casamento na prisão depois de ela própria ter estado presa?
Ela esteve presa quatro anos. E nem sequer era comunista. Acusaram-na de ser comunista por, no julgamento, ter defendido a situação das enfermeiras: como viviam, o que ganhavam, o horário de trabalho. Era infernal. E não podiam casar. Alguém me vem dizer: há uma enfermeira ligada a uma luta e a recolher assinaturas e a ter encontros para conseguir que aprovem o casamento das enfermeiras. Consegui um encontro com ela, no café Realto. Foi aí que a conheci e daí a namorarmos não demorou muito tempo. Só que passados poucos meses ela vai a uma sede do MUD Juvenil e quando chegou estava lá a PIDE. Foi tudo preso. Ela ainda comeu um bilhete para um jantar que ia ser feito, mas descobriram que era ela a casamenteira e ficou lá uns seis meses; armaram-lhe um processo sem pés nem cabeça e o juiz presidente do tribunal considerou que ela era comunista. Houve um grande movimento cá fora para a sua libertação e no julgamento participaram a Maria Lamas, a Maria Isabel Aboim Inglez, o Alexandre O'Neill, uma série de intelectuais e de enfermeiras. Houve inscrições nas paredes, etc. Isso só irritou ainda mais a PIDE e foi condenada a dois anos de prisão maior.
Foi presa antes de si.
Foi presa em 1953 e eu em 57. Quando saiu não me podia visitar. Só se fosse casada comigo.
Como foi o casamento?
Havia uma mesa, ela estava de um lado e eu do outro, separados. Estava o meu sogro, estavam os meus padrinhos de um lado —? o O'Neill e a Maria Amélia Padez — e estavam os meus cunhados do outro lado, que eram os padrinhos dela. O meu sogro começou a passear na sala e a dizer que não havia direito e, por fim, passaram-na para o meu lado. Lá estivemos até ao fim da refeição que o meu sogro tinha levado. Depois ela foi embora, levava uma grande companhia de Lisboa e foi dormir com a mãe nessa noite e eu fiz um poema, O Casamento Branco.
Tem esse poema?
Tenho. Não sei de cor. Hoje é muito difícil ficar com esses textos na cabeça, porque a História deu-me cabo da memória. É terrível. É uma sanguessuga. A memória é dominada pela informação brutal que nos cai em cima.
Sai de Peniche com a decisão de ser historiador...
E vou continuar as leituras e comecei a escrever. Escrevi quase ao mesmo tempo As Raízes da Expansão Portuguesa e A Revolução de 1383-85. Um foi censurado, o outro...
Foi polémico.
Fui ameaçado, porque havia gente conservadora que gostava do livro.
[pede licença para se ausentar por uns momentos]
Aqui estou outra vez, o cadáver adiado [risos]
[Conta a história de duas fotografias]. Aquela foi feita por uma companheira de presídio da minha mulher. Essa colega era da comissão Central do MUD Juvenil, mulher do Pedro Ramos de Almeida. Eu não tinha fotografia no julgamento, éramos 52 e o único que não tinha fotografia era eu. Ela fez-me o “boneco” e foi exactamente aquele “boneco” que apareceu depois numa fotografia colectiva.
Quando decide o que vai tratar na História, opta pela fundação, pela Idade Média. Porquê?
A decisão é um dos grandes problemas. É quase como o pintor que está a pintar e tem de compor, o que vai meter ali; ou o romancista. Tem de arranjar um enredo, só que em História o enredo não é inventado. Há protocolos de informação que se vão tirando dos documentos, dos depoimentos que existem mais na História Contemporânea. Depois desses protocolos é preciso começar a pensar qual é a importância para a evolução dos acontecimentos — porque a História é movimento. Nós, ao contar, queremos dar movimento e vamos pará-lo na descrição. Ao descrever, aquilo parou. E temos que ver o que é que parado traz em si a explicação do movimento anterior. É um trabalho muito complexo.
Nunca está feito.
Nunca. Isto é, nunca podemos dizer: isto é definitivo. Seria completamente dogmático. Claro que cair no cepticismo de que a História é puramente subjectiva é um discurso.
Tem dito que é um céptico.
Eu disse mesmo que era um manipulador, estou a trabalhar com as mãos. Mas não é manipulador no sentido de que vou alterar, ou quero enganar, fazer notícias falsas. Não é nesse sentido.
Estamos a falar de uma ciência humana que depende muito de ciências exactas...
A própria Física se renova, não é só a História. A metodologia avançou muito, mas o texto logo que acabou de ser escrito está morto; isto é, entrou no estado sólido. Já não está no estado líquido. Esse estado sólido vai sendo consumido, vai sendo destruído, ou envelhecido. Há sempre coisas novas que vão surgir na leitura de hoje daquilo que se escreveu no passado. Por exemplo, hoje não escreveria exactamente Comunas e Concelhos como escrevi.
O que mudaria?
A circunstância em que escrevi. Os livros no tempo do fascismo têm outra acutilância. Não estão zangados, mas estão com mais força na linguagem. Há épocas em que estão mais pacíficos. Não é que mude o que se quer dizer, mas estão menos zangados, digamos.
Quando olha para alguns dos seus livros mais marcantes, por exemplo a Revolução de 1383-85 consegue reconhecer-se naquela altura?
É um texto que continua absolutamente válido para mim passados 50 anos. Simplesmente os textos que se seguem — a discussão colectiva com as críticas que foram formuladas e a resposta a essas críticas — validam esse texto. E foi validado na década de 70, de 80 e agora não os alterei. Continuo a considerar válida aquela descrição. Hoje se fosse a escrever podia lá estar a mesma interpretação, mas a minha linguagem já não é exactamente igual.
O que tem agora que não tinha?
Se calhar não é tão forte como era. Era muito mais forte. Às vezes até eu me admiro. Mas um dos livros, ou ensaios que me deu muito gozo foi aquele em que conto a morte do inquisidor geral. Não me deu gozo o facto de ser neto de um homem que admiro muito na História e na cultura portuguesa, o D. João de Castro, o homem que se aproximou da concepção do método experimental moderno. É um tipo fabuloso. E este era neto. O que é que vou dar do neto? Ele era bispo da Guarda e vou apresentá-lo na hora da morte, dar os objectos que ele tinha à volta, o cuspidor de ouro, as imagens, dando-o depois como inquisidor, o que ele fez. Escrevi esse texto para um congresso sobre a Inquisição organizado por dominicanos; foi a intervenção final, estava muita gente, e aquilo levou-me a perder a memória. Acabei a intervenção sem memória. Li, e as pessoas que me conheciam mais de perto perceberam que eu não estava bem. Telefonaram para o Hospital de Santa Maria e fui para lá. Só de madrugada é que recuperei, mas houve um lapso de tempo desde as duas da tarde à madrugada do dia seguinte de que não recordo nada.
Sabe porquê?
Não.
Neste momento há muita gente a fazer revisionismo histórico. Já tem falado sobre o assunto, já defendeu por outro lado a existência de um Museu dos Descobrimentos...
O problema não é do museu. Não haver museu é não focarmos e não ensinarmos aos portugueses o que foi o período áureo da História de Portugal, um pequeno país, uma anedota de país, que são 89 mil quilómetros quadrados esteve na vanguarda do planeta. Chamem-lhe o que quiserem. Houve descobrimento. O Atlântico Sul foi descoberto pelos portugueses; os europeus descobriram os americanos e toda a África ao Sul do Equador, e deram a descobrir a si próprios que não se conheciam. Mas isso é o menos. O que quero é que nesse período ponham as navegações dos portugueses e o que eram as sociedades que os portugueses organizaram e toda a verdade dentro do museu. Ponham os povos contactados; como eram e como ficaram. O museu deve ter essas facetas todas. Esse museu deve existir e é essencial para uma cidade como Lisboa. Lisboa foi a cidade desta epopeia.
Acabou de escrever o 6.º volume da sua História de Portugal. Já começou o 7.º?
Já. Estou a acabar o [Marquês] Pombal.
Já tem data?
Não, nem quero datas, porque o período agora é muito mais complexo para mim. Por um lado, na universidade dei menos este período que estou agora a dar. E é o período de revoluções, o dos jesuítas e o do Pombal. É um período muito contraditório.
Continua a escrever poesia?
Às vezes, mas é muito raro. A minha intenção é fazer uma breve antologia dos poemas que acho mais significativos. Há alguns que não vou publicar e eram significativos. Por exemplo, um poema que foi traduzido em chinês na altura, Até Logo, dedicado à prisão e à minha mulher. "Há seis meses dissemos até logo, era uma tarde fria de Novembro, uma tarde como qualquer outra, gente regressando do trabalho, lancheiras, malas, rugas profundas no rosto. Até logo, disseste... " e continuava o poema. Mas esse não vou pôr.
Porquê?
Não sei, só se o mutilar.
Sei que está cansado, não falámos da relação com Alexandre O'Neill que foi muito importante para si...
Muito intensa. Uma das casas onde dormi no MUD Juvenil foi em casa do O'Neill.
E chegaram a ter um projecto poético conjunto.
Fazer poemas em conjunto. Estávamos em plena loucura, mesmo na minha clandestinidade ele foi lá arriscar. Eu pedir para ele ser meu padrinho de casamento e ele arriscou ir a Peniche. Eu tinha lido um poema dele, Toma Lá Cinco! [Encolhes os ombros, mas o tempo passa... / Ai, afinal, rapaz, o tempo passa! / Um dente que estava são e agora não, / Um cabelo que ainda ontem preto era..."] É um poema que me comoveu imensamente.
E fez um poema a Cunhal.
O Neruda tem um poema, A Lâmpada Marinha, dedicado a dois heróis meus naquele tempo — e ainda hoje são —, o Cunhal e o Militão Ribeiro. E eu, nessa altura, influenciado pelo poema do Neruda, escrevi um poema ao Cunhal. Em Peniche havia o ataque ao culto da personalidade, e quando eu lhe leio o poema ele diz-me: “Eh pá, podia-te dar para pior." E eu rasguei o poema e hoje estou arrependido. Desapareceu como desapareceu outro, Crime em Braço de Prata, por causa da explosão que houve em Braço de Prata que matou uns cinco ou seis jovens do MUD Juvenil. Escrevi um poema que tem uma palavra do O'Neill. Como é que começa? “A cabeça de Ilídio está no meio do largo, a rebotalho de carne e sangue". O rebotalho é do O'Neill.