Varsóvia: da sereia à palmeira, a arte de renascer
O século XX deixou cicatrizes profundas, mas Varsóvia mostrou ser uma fénix. Caminhamos pela história da cidade, do país, até da Europa, e não saímos incólumes – é impossível. Por estes dias, chamam-lhe a “capital da liberdade”; nós aprendemos o que lhe custou o epíteto.
Há uma lenda na origem de Varsóvia. São várias as versões da história que tem como protagonista uma sereia – de uma maneira ou de outra, é sempre capturada e acaba sempre devolvida à liberdade, ao rio Vístula. Todas terminam com a syrenka, agradecida, a prometer que voltaria sempre para proteger a aldeia. Que, entretanto, se fez cidade, com a sereia, armada de escudo e espada, como seu símbolo. Está no brasão de armas de Varsóvia, representada em vários locais da cidade e até Picasso se deixou envolver na lenda: desenhou a sua versão dela, com um martelo em vez da espada, na parede da casa de uns amigos varsovianos – eles tinham tanta gente a bater-lhes à porta para ver a obra que acabaram por pintar por cima dela, em 1953.
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Há uma lenda na origem de Varsóvia. São várias as versões da história que tem como protagonista uma sereia – de uma maneira ou de outra, é sempre capturada e acaba sempre devolvida à liberdade, ao rio Vístula. Todas terminam com a syrenka, agradecida, a prometer que voltaria sempre para proteger a aldeia. Que, entretanto, se fez cidade, com a sereia, armada de escudo e espada, como seu símbolo. Está no brasão de armas de Varsóvia, representada em vários locais da cidade e até Picasso se deixou envolver na lenda: desenhou a sua versão dela, com um martelo em vez da espada, na parede da casa de uns amigos varsovianos – eles tinham tanta gente a bater-lhes à porta para ver a obra que acabaram por pintar por cima dela, em 1953.
A lenda é-nos apresentada na Praça do Mercado da cidade velha, a estátua mais famosa da sereia bem no centro do quadrilátero de pedra escura irregular, fechado por pitorescos edifícios de várias cores. Parece um centro medieval, mas é na verdade o testemunho mais ostensivo da resiliência de Varsóvia: os números podem divergir ligeiramente, avisa o nosso guia, Jakob Wesolowski, ou melhor, Kuba, (“todos os polacos têm um diminutivo”), porém, 85% da cidade terá sido destruída durante a II Guerra Mundial. “No centro histórico nenhuma casa ficou com telhado.”
Ver as fotografias é perturbador, uma planície de tijolos, destroços, e, por um qualquer capricho, alguns edifícios, isolados, de pé, como que sublinhando a desolação. Chegou a pensar-se transferir a capital (não só pela destruição: dos cerca de 1,3 milhões de habitantes, restavam uns curtos milhares quando as tropas soviéticas chegaram), mas a decisão do governo comunista do pós-guerra foi a reconstrução. O centro histórico foi reproduzido; no resto, venceu o modelo de cidade moderna, feita de avenidas largas e muitos parques – é uma cidade verde, Varsóvia, e não apenas nas margens do Vístula, para onde, no Verão, todos os caminhos parecem conduzir: enche-se de bares pop-up, mercados e, do lado direito, pode beber-se fora de portas (o único espaço sem restrições, num país que proibiu o consumo de álcool nas vias públicas e depois permitiu que cada cidade definisse um espaço livre).
A sereia pode proteger Varsóvia, mas fá-lo por caminhos tortuosos. Deles se encarregará a nossa visita de dar nota. E o tom é logo no painel instalado na Praça do Castelo, porta giratória para a cidade velha: “Warszawa – Stolica Wolnósci, 1918-2018”, Varsóvia, Capital da Liberdade (se durante o dia pode passar despercebido, à noite, aceso, é paragem incontornável para fotos) levanta o véu de uma história turbulenta. Da cidade e do país que este ano celebra apenas os 100 anos da independência (na ressaca da I Guerra Mundial), que afinal é o “renascimento” da independência, que afinal não foi bem independência...; que em 2019 assinala os 80 anos do início da ocupação nazi e da II Guerra Mundial. Antes da II Guerra Mundial, 30% da população polaca pertencia a minorias étnicas e religiosas, Varsóvia era o seu espelho amplificado. “Foi isso que perdemos na guerra”, lamenta Kuba, “uma sociedade multiétnica”. Nada é simples na Polónia, onde o século XX se encarregou de deixar cicatrizes bem fundas e que vemos sub-reptício e óbvio, a querer cair no olvido e a ostentar-se.
Uma espécie de revivalismo?
Se começamos pela Praça Pilsudski não é por acaso: o nosso hotel tem vista para ela, a meio caminho entre a cidade velha e o coração da cidade nova, chamemos-lhe assim. É uma vasta esplanada que dá pista para a história recente da Polónia. O túmulo do soldado desconhecido é a única construção: é o monumento mais importante do país e é também o que resta do antigo palácio, destruído pela ira alemã que se seguiu à Insurreição de Varsóvia (1944). Diante deste, o monumento a João Paulo II. “Em cada cidade, vila, aldeia do país há um”, explica Kuba (“há até um grupo no Facebook com os mais feios”), mas este é especial: foi aqui que João Paulo II rezou a missa para meio milhão de pessoas na sua primeira peregrinação à Polónia, em 1979, ainda a Cortina de Ferro estava corrida – um feito que ainda hoje merece referência e que não poucos associam directamente ao esboroar do “muro”.
Desses tempos em que o Pacto de Varsóvia vigorava como contraponto da NATO, impõem-se ainda o teatro e ópera nacionais (a arquitectura realista soviética de inspiração neo-clássica ao serviço da arte e da cultura, agora lado a lado com o aço e vidro de Norman Foster ao serviço de escritórios e lojas de luxo), e o “nosso” hotel, Victoria, que foi uma espécie de arauto do regime comunista para uma modernidade que nos anos de 1970 se media pelo lobby e bar com as janelas envidraçadas. “Era uma montra para os estrangeiros”, conta Kuba.
E de praticamente qualquer ponto da praça a vista para o quase omnipresente em Varsóvia (e, metaforicamente, na Polónia) Palácio da Cultura e da Ciência, que se ergue como a longa sombra da história – “a prenda de Estaline” (a lenda conta que o líder da URSS propôs algo do género “agora escolha”: um metro ou o edifício), chamam-lhe os polacos, construído nos anos de 1950, é ainda hoje o edifício mais alto da Polónia (42 andares) e talvez o mais polémico.
Visto daqui, pouco mais parece que uma torre de relógio a esgueirar-se acima dos telhados. Mas na sua órbita, aos seus pés, vista desimpedida, é um colosso: as fachadas trabalhadas, as colunas, escadarias e estátuas incorporam elementos clássicos e aliam-se na escala superlativa de um admirável mundo novo, da promessa de uma sociedade mais justa e igualitária. Admire-se ou não a sua arquitectura, o certo é que o seu miradouro é irrecusável: oferece a melhor vista de Varsóvia e, dizem ironicamente os varsovianos, é a única maneira de não o ver.
Os habitantes de Varsóvia deixam o mirante para os visitantes e preferem usufruir de tudo o que o palácio oferece no seu interior, desde salas de teatro a bares com música alternativa. Algo que até está no ADN do Palácio da Cultura e Ciência – afinal, foi aqui que, em 1967, aconteceu o primeiro concerto de rock por detrás da Cortina de Ferro. Os Rolling Stones foram os protagonistas de um espectáculo descrito à época como um ovni que aterrara em Varsóvia e que deu origem a várias lendas urbanas. A mais persistente conta que o cachet da banda britânica terá sido pago em vodka, um vagão de vodka, do qual nem terão podido usufruir, uma vez que terá sido recambiado na fronteira britânica.
Se a rejeição de tudo o que tinha o selo comunista foi a regra nos anos imediatamente após a queda do regime, parece que a sociedade cada vez mais se reconcilia com esse passado. O mais evidente exemplo é a quantidade de tours por Varsóvia que desenterram as relíquias comunistas. Contudo, também existem outros sinais mais ou menos subtis: o próprio Palácio da Cultura e da Ciência já foi incorporado no marketing da cidade: vêmo-lo em muitos souvenirs, desde os vulgares ímanes a meias; a vodka, associada a esses anos e cujo consumo decaiu de forma acentuada, está de regresso; e os bar mlecznys, “bares de leite”, que nos tempos do pós-guerra e de racionamento de carne serviam refeições à base de produtos lácteos (nutritivos e de baixo custo) voltaram, ultrapassada a vaga de chegada de franchises estrangeiras, com o mesmo conceito de comida barata e caseira. Porém, não se pense que Varsóvia actual tem algo a ver com a cidade cinzenta dos racionamentos – essa fase está ultrapassada e o patinho feio é cada vez mais uma cidade cosmopolita. Até à mesa: se os bares de leite reentraram nos hábitos (com menus variados), quando a ordem é para sair à noite os restaurantes internacionais são indispensáveis para as novas gerações (“os pais continuam a preferir convidar amigos para casa”): a cozinha asiática, “tailandesa, vietnamita e japonesa” e a italiana, “sempre”, são as preferidas.
Subúrbio de Cracóvia
É comum ouvirmos em Varsóvia comparações com Cracóvia – “a rivalidade é muito grande porque Cracóvia foi capital muito tempo” – e muitas delas desaguam na “idade”. “Varsóvia é uma cidade muito moderna”, nota Kuba, que não se cansa de sublinhar que o que vemos ou foi reconstruído ou tem no máximo 200 anos. “É o extremo se compararmos com Cracóvia, onde cada lugar tem 400, 500 anos.” E se na antiga capital “tudo passa pela cidade velha”, em Varsóvia “o centro deslocou-se para a cidade nova”. Os varsovianos não vão à cidade velha.
É precisamente pelo “subúrbio de Cracóvia” que caminhamos até ao centro histórico de Varsóvia. A Krakowskie Przedmiescie é uma das mais antigas avenidas de Varsóvia (século XV) e fazia parte do antigo “Caminho Real”. Podemos percorrê-la em vários modos, destacando, por exemplo, os edifícios “sobreviventes”, como o Palácio Presidencial, que albergou a Deutsche Haus (casino e restaurante da Wermacht), o palácio onde Napoleão conheceu Maria Walewska (agora o Ministério da Cultura), a Igreja de Santa Ana, também conhecida com a “igreja dos estudantes” (ao domingo há uma missa específica para eles) e uma das preferidas para casamentos. É uma das muitas igrejas, algumas com mosteiros ainda em funcionamento, “pequenas aldeias”, que se alinham regularmente nesta rua onde só passam transportes públicos (no Verão, nem estes circulam), em namoro com restaurantes, cafés e lojas várias, sobretudo de souvenirs. E muitas estátuas: numa celebra-se o poeta nacional, Adam Mickiewicz, cuja obra-prima é Senhor Tadeu – “Temos de saber de cor, odiamos”, brinca Kuba. É o poeta nacional da Polónia, mas também da Lituânia e da Bielorrússia, esclarece (do tempo em que a Polónia foi parte, a mais forte, da República das Duas Nações com a Lituânia – o que, pelas fronteiras actuais, incluía os territórios da Biolerrússia e Letónia, e partes significativas da Estónia e Ucrânia). Na verdade, escreveu Lituânia, a minha pátria... – “mas em polaco”, sublinha Kuba.
Caminhamos por réplicas de quadros de Canaletto (os originais veremos no castelo): fazem uma espécie de crónica visual do final do século XVIII nesta zona da cidade – são tão detalhados que foram usados para a reconstrução desta zona da cidade. E pelos bancos de Chopin: o compositor e pianista é um dos filhos dilectos de Varsóvia que não se cansa de evocá-lo. Nos “seus” bancos, ouvem-se trechos da sua obra, há o seu museu, uma universidade com o seu nome, locais emblemáticos da sua (curta) vida, alguns dos quais nesta órbita. O mais emblemático será a Igreja de Santa Cruz, onde foi baptizado e descansou o coração: Chopin morreu em Paris e se o seu corpo não pôde regressar a Varsóvia, como era sua vontade, veio o coração, numa jornada feita de peripécias várias.
Quem quiser conhecer mais Chopin, o Chopin Point é um dos vários locais que na capital oferece concertos. É pequeno, mas Chopin até preferia assim. “Gosto de pensar que ele desfrutaria deste local”, afirma a proprietária, Basia Kotarba. No espaço, que quer mostrar o homem além da música, serve-se (e vende-se) café ao gosto do compositor (“Ele bebia muito café quando vivia aqui. Brincamos dizendo que, depois, em Paris, passou a beber vinho e morreu rápido”), e usam-se algumas das suas obsessões (como o chocolate belga) e preferências (as violetas, por exemplo) para “cozinhar” um menu particularmente guloso (veja-se o chantilly, brownie, leite de coco, violeta e mel que se juntam numa taça). Na mini-soirée a que assistimos, a música vai soando, ora leve, despreocupada, ora carregada, quase fúnebre. “Desperta em mim emoções fortes e dá-me um certo sentido de identidade, porque compôs muitas peças folk, temas polacos tradicionais”, descreve o pianista de 23 anos.
A outra margem
Se Chopin gostava muito de café, não é segredo para ninguém o longo romance dos polacos com a vodka – wodka, ou “aguinha”, sinal da propensão dos polacos para os diminutivos. Não são poucos os que reivindicam a Polónia como o berço da bebida destilada e em 2018 Varsóvia abriu o que se afirma ser o primeiro museu da vodka do mundo – e uma das grandes novas atracções da capital. O local é uma antiga destilaria do século XIX, que teve de ser estabelecida para responder a um súbito aumento da procura: o consumo do exército russo estacionado em Varsóvia superava a capacidade de produção das fábricas da cidade e arredores.
O museu está integrado num dos mais visíveis esforços de recuperação do antigo património industrial da cidade. A antiga Fábrica Koneser, enorme complexo de tijolos vermelhos característicos de Varsóvia, alberga agora escritórios, bares, restaurantes, lojas e, em breve, chegará um hotel; não muito longe, a Soho Factory foi a pioneira, com o Museu do Néon a servir como bandeira. São exemplos da gentrificação do bairro de Praga, durante séculos uma cidade distinta que mirava Varsóvia do lado direito do rio Vístula. Foi uma das zonas da capital mais poupadas pela destruição da II Guerra Mundial e agora está na moda, com a segunda linha do metro a chegar, as casas a serem renovadas e a serem vendidas por preços altos. Os habitantes de sempre convivem com os recém-chegados, endinheirados, cafés, bares, galerias de arte, lojas conceptuais e centros comerciais surgem por entre o comércio tradicional (e algumas das poucas barbearias resistentes na cidade); os edifícios pré-guerra, tantos em tijolo, muitos em estado de conservação duvidoso, estão lado a lado com os de betão, que também já ganhou o ar acastanhado das coisas gastas. Na Rua Mala, filmou-se o gueto de Varsóvia para o filme O Pianista, as casas sobreviventes, nunca restauradas, parecem apropriadas. “Daqui a três, quatro anos, tudo vai mudar, creio”, reflecte Kuba. “Vão chegar as lojas vintage, os bares, os cafés.”
Porém, ainda se mantêm vivas as tradições e o folclore local, neste bairro-cidade que durante muito tempo foi um dos enclaves preferidos pelos judeus, impedidos de viver dentro das principais cidades. No final do século XVIII uniu-se oficialmente a Varsóvia, contudo os habitantes ainda hoje se sentem “diferentes”: “Quando atravessam o rio continuam a dizer que vão a Varsóvia”, exemplifica Kuba.
Mundo novo
De regresso a “Varsóvia”, então, seguimos finalmente pela “cidade velha”, Stare Miasto, o terreno fértil para turistas, que ostenta orgulhosamente uma placa no chão com o reconhecimento da UNESCO como Património da Humanidade, exemplo notável de reconstrução, a primeira numa escala tão grande. A Praça do Castelo, o início da Krakowskie Przedmiescie, é a nossa porta, é a porta oficial, aliás, com o rei Sigismundo III no alto da sua coluna. Por aqui, a concentração de músicos de rua é maior e o tijolo vermelho tão característico de Varsóvia ao longo dos séculos anda à solta: mostra-se nos troços muralhas, exibe-se no castelo, que foi obliterado pelos alemães durante a II Guerra Mundial. “Os alemães fizeram questão, foi um símbolo da destruição da independência”, avalia Kuba, descrevendo a meticulosa colocação de bombas de 70 em 70 centímetros. A reconstrução não se deu na ressaca da guerra, ao contrário do que aconteceu em redor, mas apenas na década de 1980, com donativos populares. “O governo comunista quis deixar em ruínas como símbolo da velha ordem”, explica. Agora, guarda alguns tesouros artísticos (e não só) e, mais importante na psique nacional, porventura, volta a simbolizar um país independente.
Entramos em território “medieval”, ruelas e pedras, umas e outras desalinhadas. A verdadeira máquina do tempo varsoviana é uma sucessão de edifícios em arco-íris indisciplinado, com gárgulas que nos vigiam os passos, os rés-do-chão não raras vezes ocupadas por comércio – cafés e sítios de waffles e crepes, bares rústicos onde a cerveja também pode ser servida quente (a par do vinho), lojas pequenas (com abundância de souvenirs, mas não só) e algumas joalharias (âmbar a brilhar nas montras, não fosse a Polónia um dos maiores produtores mundiais), decoração invariavelmente acolhedora com um toque retro, até chegarmos à Praça do Mercado ocupada por esplanadas dos muitos restaurantes que aqui competem pelos melhores pieroggi ou sopas zurek. A Catedral de Varsóvia, ou Catedral de São João Baptista, sobressai pela dissonância – não foi reconstruída no estilo original – e preserva a memória da sua destruição com as lagartas do tanque carregado com explosivos que foi lançado contra ela incrustadas numa parede exterior.
Da cidade velha à cidade nova é um passo curto entre a cidade reconstruída e a cidade renascida. Na cidade renascida – os varsovianos diriam duas vezes: da II Guerra Mundial e do período comunista – constrói-se o que será o prédio mais alto da União Europeia e o arquitecto Daniel Liebskind desenhou o edifício com os apartamentos mais caros da Polónia. As lojas de marcas polacas destacam-se orgulhosamente, como a Empik, “tipo Fnac”, a Reserved, “chamam-lhe a H&M polaca”, e pelo meio apontam-se as antigas lojas comunistas – as marcas de luxo, como a Gucci, a Louis Vuitton, YSL, estão no Vitkac, que os varsovianos chamam “caixão”, pela cor negra (espelhada). Entre prédios com cicatrizes que parecem saídos da era industrial, passamos por edifícios barrocos e neo-clássicos, polidos, e na órbita da Praça das Três Cruzes se a neoclássica igreja de São Alexandre atrai imediatamente a vista, é a história que já não se vê que prende a atenção. A ironia: onde hoje vemos um concessionário da Ferrari e o Centro para a Banca e a Finança foi o quartel-general do Partido Comunista polaco - a “heresia” prossegue com mais lojas de luxo e bares de cocktails.
Este é um mundo novo em Varsóvia, não só porque estamos na Rua Nowy Swiat (literalmente Novo Mundo), uma das preferidas dos locais para ver e ser visto: por entre um homogéneo conjunto neo-clássico (a rua foi totalmente arrasada durante a II Guerra Mundial), lojas, bares, restaurantes e a antiga casa do escritor Joseph Conrad. Na intersecção com a avenida Jerozolimskie, na rotunda que tem o nome do general De Gaulle (que, enquanto jovem, terá sido um frequentador de um café aqui na zona – donuts eram a sua escolha), uma visão inesperada: uma palmeira. Não é verdadeira, é uma declaração artística. A “palmeira” era para ter sido uma instalação breve a representar a invisibilidade do nome da avenida Jerozolimskie, Jerusalém, e do vazio da comunidade judaica em Varsóvia, mas desde 2002 que permanece no local. Depois de se estranhar, entranhou-se nos varsovianos e é comum usarem-na como ponto de encontro. É agora também um símbolo da cidade, ainda que não oficial. Da sereia à palmeira, vemos um pouco do que Varsóvia andou para aqui chegar.
A Fugas viajou a convite do Turismo da Polónia