Foi igreja de carmelitas e em breve será um laboratório de restauro que se pode espreitar
Para devolver à chamada Capela das Albertas o brilho de outros tempos, o Museu Nacional de Arte Antiga lança esta sexta-feira nova campanha de angariação de fundos. Objectivo: 300 mil euros e a obra concluída até ao final de 2020.
A separar a Capela das Albertas da sala contígua, onde estão a ser instaladas as vitrinas que hão-de receber as peças que farão companhia ao Presépio dos Marqueses de Belas, há agora umas cortinas de plástico. Mas em breve a vista estará desafogada para que quem chega possa acompanhar ao vivo e em tempo real o trabalho dos técnicos de restauro.
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A separar a Capela das Albertas da sala contígua, onde estão a ser instaladas as vitrinas que hão-de receber as peças que farão companhia ao Presépio dos Marqueses de Belas, há agora umas cortinas de plástico. Mas em breve a vista estará desafogada para que quem chega possa acompanhar ao vivo e em tempo real o trabalho dos técnicos de restauro.
“A ideia é fazer da Capela das Albertas um laboratório de restauro que recebe visitas, não interrompendo a dinâmica que começou pelos azulejos”, diz o director do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), António Filipe Pimentel. “É importante que o nosso público perceba como é que vamos valorizando as colecções, como é fundamental o trabalho dos conservadores-restauradores. E é ainda mais importante quando estamos a pedir-lhe que comparticipe esta intervenção com os seus donativos.”
O restauro desta pequena igreja do Convento de Santo Alberto (1585), a primeira casa feminina da Ordem dos Carmelitas Descalços em Portugal, começou em Março pelos painéis de azulejos historiados, com cenas das vidas de Cristo e de Santa Teresa de Ávila. A estes trabalhos entretanto concluídos — executados graças a um apoio de 25 mil euros da TEFAF, a feira de arte e antiguidades de Maastricht, uma das mais importantes do mundo no seu género — deverão seguir-se intervenções nos altares, nas paredes e nos tectos, onde há talha dourada, escultura, pintura e mais azulejo (mas desta vez de padrão). E isto sem esquecer a minúscula sacristia que fica por trás do altar-mor e a estreita passagem que nele dá acesso ao trono, a precisar dos cuidados de um conservador, como quase tudo o resto.
O ambicioso programa de revalorização, orçado em 300 mil euros, que até ao final de 2020 quer devolver aos visitantes esta capela considerada uma jóia do barroco — uma das “peças” mais singulares do museu, fechada há 11 anos por motivos de segurança — será objecto de mais uma das campanhas de mecenato a que o MNAA já habituou os portugueses.
Depois do sucesso do envolvimento de particulares, empresas e instituições na compra de Adoração dos Magos (Domingos Sequeira, 1828, 600 mil euros) e do retrato de José Maria da Fonseca Évora, frade que foi embaixador de D. João V em Roma e bispo do Porto (Maria Tibaldi, c. 1730, dez mil euros), assim como no restauro do Presépio dos Marqueses de Belas (Barros Laborão, 1796-1806, 40 mil euros), o MNAA e o seu Grupo de Amigos voltam a lançar o repto à participação cívica.
“A generosidade dos portugueses para com o museu tem ajudado a enriquecer as nossas colecções e a chegar onde não poderíamos chegar com o financiamento do Estado”, diz o director, lembrando que a nova campanha conta já com a participação de dois artistas que doaram obras — Jorge Molder e Alexandre Farto (Vhils). O primeiro é o autor da fotografia Cão, objecto de uma edição limitada a 19 exemplares que serão vendidos a mil euros cada. O segundo assina 6 de Maio, obra feita para a exposição Do tirar polo natural, que até 14 de Outubro mostrou no MNAA a evolução do retrato em Portugal. Esculpida em baixo-relevo numa parede que resultou das demolições do Bairro 6 de Maio, na Amadora, e mostrando parte do rosto de três moradores de gerações diferentes, poderá ser licitada até esta sexta-feira no site da leiloeira Palácio do Correio Velho, tendo uma base de licitação de 30 mil euros (60% do produto da venda reverterá para o museu, a Associação 6 de Maio ficará com os restantes 40%).
“Tivemos de definir uma verba para a campanha de restauro da capela, mas é natural que os 300 mil euros não cheguem porque quando se trata de património desta natureza, que durante séculos não foi mexido, as surpresas podem ser mais do que muitas”, acrescenta Pimentel. “Sabemos como começamos, mas não sabemos como vamos acabar.”
Conceição Ribeiro, restauradora do museu, dá um exemplo de como as coisas se podem complicar: “A talha assente no lado da parede exterior da capela está cheia de enfolamentos. Para a tratarmos teremos de a apear, o que é sempre uma operação arriscada. Essa parede ainda é a original, nunca foi mexida. Não sabemos como está, que problemas tem.” A estimativa de custos é, por isso, a mais rigorosa possível de acordo com as necessidades de intervenção que hoje se conhecem. “Só quando começarmos a mexer podemos ter uma noção mais exacta das infiltrações, da integridade dos materiais...”.
A construção da Capela das Albertas terminou no final do século XVI, mas a decoração do interior só foi dada por concluída cem anos mais tarde. Só que depois veio o terramoto de 1755 e a pequena igreja, assim como o convento, foi seriamente afectada. O que chegou até à actualidade é o resultado, no plano ornamental, de “sucessivas campanhas de obras que documentam três séculos de evolução de arte portuguesa”, pode ler-se num texto de sala que está já colocado na igreja para que o visitante compreenda melhor o espaço que está a ser objecto de restauro.
“Esta capela, que faz parte do museu desde 1911, é uma jóia em si mesma, mas ajuda também a contextualizar muitas peças que temos espalhadas pelas nossas salas”, conclui Pimentel. “Não podia continuar fechada. Faz parte da história do próprio museu, vem nos guias turísticos, os portugueses e os estrangeiros perguntam por ela."