Entre discotecas e igrejas, Berlim torna-se casa para os migrantes

Ali, Haidar e Joseph chegaram a Berlim à boleia da política de portas abertas aos refugiados da chanceler Angela Merkel. Três histórias que mostram que a integração é uma jornada de altos e baixos.

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Haidar Darwish numa performance no bar Silverfuture Alessia Cocca/Reuters

Ali Mohammad Rezaie não comemora o seu aniversário porque os seus pais afegãos nunca registaram a data em que nasceu. No entanto, sabe exactamente quando chegou a Berlim para pedir asilo: 15 de Outubro de 2015. Aquele dia mudou a sua vida. "Não foi um dia especial, estava cansado e tinha andado na estrada durante dois meses", disse à Reuters, recordando a sua viagem, por terra, pelos Balcãs. Desde então, Rezaie cantou num coro, fez estágios e teve trabalhos temporários, por exemplo, numa casa de repouso, numa padaria, em hotéis e restaurantes.

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Rezaie posa na mota dos amigos Chris e Jochen Hannibal Hanschke/Reuters

Está muito longe da aldeia onde nasceu há 26 anos. Tal como o mais de um milhão de pessoas que, desde 2015, se deslocaram para a Alemanha como migrantes, no âmbito da política de portas abertas aos refugiados da chanceler Angela Merkel. Hoje, a Europa divide-se em relação à chegada de migrantes ao continente e, em vários países, novos partidos de extrema-direita condenam esta realidade.

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Rezaie tem dado o seu melhor para tornar a Alemanha no seu lar, mas a integração é uma jornada de altos e baixos que vai para lá de encontrar um emprego e aprender alemão. Chris Wachholz foi a mulher que o ajudou. Conheceram-se no coro e, mais tarde, Chris convidou-o para cozinhar e praticar alemão na casa que partilha com o marido. Depois, a paixão em comum por motas consolidou a amizade.

“Conhecer esta família foi como ganhar uma oportunidade de celebrar o meu aniversário. Eles são como meus… pais”, confessa.

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O imigrante afegão com os seus amigos Chris e Jochen Hannibal Hanschke/Reuters

Mas o estatuto de imigrante impede-o de dar determinados passos. O seu pedido de asilo foi rejeitado e só pode permanecer no país como pessoa tolerada, o que significa que não será deportado, mas não está numa situação estável.Como consequência, é pouco provável que o trabalho temporário que arranjou a preparar comida e a fazer limpezas no lounge da Lufthansa, no aeroporto de Tegel, em Berlim, se torne permanente.

"Tenho um apartamento aqui. Conheço pessoas muito simpáticas. Se me deportarem, vou perder tudo", afirmou Rezaie. O seu medo é exacerbado porque os hazaras, o grupo étnico a que pertence, foram vítimas de ataques no Afeganistão.

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A descoberta da liberdade sexual

Muitos migrantes afirmam ser bem recebidos pelos alemães, mas outros dizem ter sofrido alguma hostilidade. Ao mesmo tempo, uma série de ataques de fanáticos religiosos deu azo a que alguns políticos argumentassem que os migrantes representavam uma ameaça para a sociedade alemã.

Contudo, para alguns, a mudança para a Alemanha significou uma nova liberdade. No ano passado, Haidar Darwish estava a dançar na SchwuZ, uma das mais antigas discotecas gay de Berlim, quando Judy LaDivina, estudante israelita e drag queen, se aproximou dele e pediu que participasse no seu espectáculo. Darwish nunca tinha dançado em palco na sua terra natal, na Síria, mas LaDivina convenceu-o a tentar.

"Actualmente, muitas pessoas perguntam-me quando e onde são as minhas actuações para que possam vir assistir aos espectáculos. Não é para me gabar", diz ele.

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Darwish trabalha ainda na Brunos, uma loja de moda e produtos eróticos que tem como principais clientes homens gays. "Descobri que o gerente da loja tinha ido aos meus espectáculos várias vezes e até dançámos juntos uma vez", comentou.

A liberdade sexual não foi a principal razão pela qual deixou a Síria em 2016 — afinal de contas, o país está em guerra — mas hoje é uma descoberta de que não abdicaria.

E uma liberdade inquietante

Para outros, no entanto, a busca pela liberdade tem sido inquietante. Joseph Saliba tinha nove anos quando o pai o mandou trabalhar para um amigo, que fazia restauros de madeira e mosaicos em Damasco. Apaixonou-se lentamente pela arte e mais tarde tornou-se num restaurador de madeira. O seu negócio estava em expansão quando a guerra na Síria começou em 2011.

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Joseph Saliba a trabalhar na Catedral de Berlim Fabrizio Bensch/Reuters

Com medo de ser convocado para o exército sírio, decidiu voar para a Europa há três anos. E quando, numa visita de estudo da sua turma de alemão, visitou a Catedral de Berlim, sentiu imediatamente uma conexão. Ofereceu-se logo para ser voluntário nos trabalhos de restauração da igreja, usando ferramentas que ele próprio criara. Um ano depois, foi-lhe oferecido um emprego remunerado. 

A igreja tornou-se um lar, mas a Alemanha não. As autoridades recusaram-se a entregar-lhe um documento de viagem e encaminharam-no para a embaixada síria em Berlim. Saliba disse que não queria entrar na embaixada do Governo de que fugiu e agora está a processar o Governo alemão para conseguir um passaporte para refugiados. "Eu fugi da falta de liberdade para obter liberdade aqui", disse ele. "Não encontrei essa liberdade aqui."

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Fabrizio Bensch/Reuters


Tradução de Raquel Grilo