Salome quer empresas a promover os direitos humanos
Os direitos económicos e sociais têm sido o foco da CiDA – Civil Development Agency, uma organização não-governamental da Geórgia que sensibiliza as empresas a melhorar a vida dos grupos mais vulneráveis do país. A directora executiva, Salome Zurabishvili, recebeu a Bolsa Sakharov em 2017.
“Sem as empresas, não é possível melhorar a situação dos direitos humanos”, vinca Salome Zurabishvili, activista da Geórgia. Foi a partir desta evidência – de que a sociedade civil e o Estado não podem fazer tudo sozinhos – que esta jovem advogada especializada em direitos humanos dinamizou um projecto de responsabilidade corporativa que já abrange mais de cem empresas no seu país.
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“Sem as empresas, não é possível melhorar a situação dos direitos humanos”, vinca Salome Zurabishvili, activista da Geórgia. Foi a partir desta evidência – de que a sociedade civil e o Estado não podem fazer tudo sozinhos – que esta jovem advogada especializada em direitos humanos dinamizou um projecto de responsabilidade corporativa que já abrange mais de cem empresas no seu país.
É nesta plataforma empresarial que a CiDA – Civil Development Agency tem alicerçado a maioria dos seus projectos de promoção de direitos humanos nos últimos anos. “É um aspecto que tende a ser ignorado. Mas se queremos um desenvolvimento sustentável e inclusivo - argumenta a directora executiva desta ONG - isso não pode ser atingido sem as empresas, porque elas controlam uma boa parte da economia do país”. Salome é também coordenadora, desde 2016, da rede UN Global Compact na Geórgia, uma iniciativa internacional que incentiva a adesão voluntária das empresas a princípios de sustentabilidade. Na Geórgia, há 32 que já assinaram o compromisso.
A lógica é simples: quanto mais empresas participam, mais pessoas se protegem. “Algumas destas empresas têm mais de 2000 ou 3000 funcionários”, lembra Salome Zurabishvili. “Quanto mais empresas envolvemos – deduz - maior cobertura temos do país”. Esta organização não-governamental, criada em 2002, tem procurado expandir o seu alcance a todo o território nacional, dinamizando projectos para a revitalização económica de zonas de fronteira (com o Azerbaijão) ou promovendo acções para a capacitação de ONG de dimensão mais local.
Todas as empresas colaboram com a associação “de forma diferente”, mas partilhando valores comuns de protecção dos direitos humanos e de prevenção da discriminação no local de trabalho, através de projectos que visam a integração de pessoas com deficiência, a capacitação das mulheres ou a inclusão de ex-presidiários e minorias étnicas.
A disseminação de boas práticas e estratégias de integração é feita através de consultoria, acções de formação ou conferências temáticas. Uma das últimas conferências, realizada no passado dia 10 de Dezembro, congregou mais de 90 empresas e 150 gestores de topo, e focou a importância da igualdade de género para o crescimento do país e o papel do sector privado no empoderamento das mulheres. De resto, garantir que as mulheres têm a sua autonomia (nomeadamente pela via económica) e beneficiam do desenvolvimento do país tem sido uma das principais linhas de acção do trabalho desta activista georgiana.
Uma vocação precoce
O interesse de Salome Zurabishvili no papel que as empresas podem desempenhar em prol dos direitos humanos não é de agora. Remonta a 2013, quanto a advogada escolheu como tema da sua tese de mestrado, defendida na Universidade de Lund, na Suécia, o papel da responsabilidade corporativa em países em transição. O estudo de caso focava a desigualdade, com base na religião, género e deficiência, em locais de trabalho no Myanmar. O passo seguinte era tentar fazer a diferença no terreno.
O desejo de se tornar advogada e de proteger os direitos humanos vem ainda mais de trás: Salome tinha apenas 15 anos quando identificou a sua vocação e, aos 16, entrava na Faculdade de Direito. Pouco depois de concluir a licenciatura, já estava embrenhada na área, trabalhando directamente com diferentes ministérios do governo da Geórgia e organizações internacionais na preparação de relatórios oficiais para as Nações Unidas sobre o progresso do país em matéria de direitos humanos. “Estava sempre bem informada sobre o que se passava no país e também no resto do mundo”, salienta a jovem advogada, que partilha com a recém-eleita presidente da Geórgia o nome e apelido, mas não qualquer parentesco.
Também por esta proximidade que foi cultivando com diferentes forças da sociedade, a activista lamenta que na Geórgia a desconfiança e o descrédito mútuo ainda prevaleçam, muitas vezes, na relação entre o governo e a sociedade civil. Ainda assim, admite, como a CiDA trabalha na área dos direitos económicos e sociais – e não em temas “mais sensíveis, como os direitos políticos, por exemplo” – acaba por ter uma relação facilitada com as autoridades. “Esta divisão não é benéfica para o país”, insiste. “Os diferentes stakeholders deviam coordenar o seu trabalho para melhorar a situação. Cada sector tem algo a oferecer” em prol dos direitos humanos, considera.
A falta de consenso político em torno da reforma do sistema eleitoral do país e suspeitas de interferência do governo em meios de comunicação social têm sido alguns dos principais motivos de alerta sobre o país de organizações internacionais como a Human Rights Watch.
Reforçar a sociedade civil onde ela é mais precisa
No âmbito da sua política de promoção dos direitos humanos em países terceiros, a União Europeia tem financiado diversos projectos da CiDA, nomeadamente na área da responsabilidade corporativa e da reabilitação de ex-reclusos. A participação no programa de formação da Bolsa Sakharov, organizado pelo Parlamento Europeu, foi mais uma oportunidade para Salome Zurabishvili partilhar a sua visão inclusiva e os bons resultados que tem alcançado junto de decisores à escala europeia. “Temos uma cooperação muito boa”, afirma. Com os colegas activistas dos vários cantos do mundo, também “aprendeu muito” sobre temas que lhe interessam, como a cibersegurança ou a liberdade de informação em contexto eleitoral.
Ainda assim, a advogada não deixa de apontar oportunidades de melhoria na cooperação com a Europa. O que mais a preocupa é o sistema de distribuição de fundos de apoio à sociedade civil deixar de lado as pequenas organizações de base, mais próximas do terreno e das pessoas, privilegiando antes grandes fundações e organizações internacionais. Um mecanismo de atribuição de pequenas subvenções “teria melhores resultados e fortaleceria a sociedade civil em zonas onde a população mais precisa dela”, vaticina.
O apoio político é tão ou mais importante que o financeiro. “É muito importante que a UE pressione para que as obrigações a que o governo [georgiano] se comprometeu, [na área dos direitos humanos] sejam cumpridas”, defende ainda.