Pagamento ao FMI exige prazo médio da dívida elevado
Foram cinco as condições acertadas entre o Governo e as autoridades europeias para que o pagamento antecipado do que restava da dívida ao FMI pudesse ser concretizado.
Para além de uma almofada financeira confortável, Portugal comprometeu-se também com os seus parceiros europeus a manter as suas emissões de dívida com um prazo médio superior a seis anos e meio, como parte dos requisitos para poder amortizar antecipadamente o resto do empréstimo que ainda tinha a pagar ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
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Para além de uma almofada financeira confortável, Portugal comprometeu-se também com os seus parceiros europeus a manter as suas emissões de dívida com um prazo médio superior a seis anos e meio, como parte dos requisitos para poder amortizar antecipadamente o resto do empréstimo que ainda tinha a pagar ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Quando, em 2011 com os mercados fechados, o país recorreu ao financiamento da troika, o Estado português recebeu o dinheiro em partes iguais de três instituições: do Fundo Monetário Internacional, do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) e do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF). Nessa altura, ficou definido que sempre que quisesse antecipar o pagamento a uma das partes, as outras duas teriam o direito de exigir um pagamento proporcionalmente igual.
Por isso, quando Portugal começou a pagar antes de tempo a dívida ao FMI (o empréstimo que tinha taxas de juro mais altas e maturidades mais curtas), teve de pedir autorização aos seus parceiros europeus (que tomam as decisões do FEEF e do MEEF) para suspenderem a aplicação dessa regra.
Foi o que aconteceu agora, quando o Governo decidiu pagar antecipadamente os cerca de 4,7 mil milhões de euros que ainda devia ao FMI e cujo pagamento estava agendado para o período entre 2021 e 2023. Os parceiros europeus aceitaram mais uma vez suspender a regra, dizendo que o pagamento antecipado ao FMI até melhorava a capacidade de Portugal para fazer face às outras dívidas, mas, tal como já tinha acontecido no passado, definiram determinadas condições, por forma a sentirem-se mais protegidos como credores.
Neste caso, de acordo com os documentos usados para fundamentar a decisão de suspender a aplicação da regra, foram definidas cinco condições. A primeira é a de que as taxas de juro suportadas com os empréstimos do FMI sejam mais altas do que a taxa de juro da dívida que o país consegue obter nos mercados, algo que acontece neste momento, já que os juros do FMI estão em 0,86% e nos mercados são de 0,42% para uma maturidade idêntica de 3,61 anos.
A segunda condição é a de que o prazo médio da dívida portuguesa (excluindo os empréstimos da troika) seja de pelo menos seis anos e meio. No seu boletim mensal de Novembro, o IGCP apontava para um valor de 6,4 anos. E a terceira condição é a de que as emissões realizadas para financiar o pagamento antecipado da dívida ao FMI sejam feitas a um prazo igual ou superior a cinco anos.
A quarta condição está relacionada com a almofada financeira que o Estado português deve manter, para se precaver contra choques futuros. É exigido que o Tesouro tenha guardado um valor equivalente a pelo menos 40% das necessidades de financiamento dos 12 meses seguintes.
Por fim, a quinta condição, é a de que Portugal proceda, entre 2020 e 2023, a um pagamento antecipado de 2000 milhões de euros ao FEEF (de um valor que está previsto amortizar em 2025). Isto só acontecerá, contudo, se for considerado na altura que beneficia a sustentabilidade da dívida do país.
Estas condições estão explicitadas na documentação tornada pública na sua página de internet pelo parlamento alemão (que teve de dar o seu acordo) e que inclui a carta do ministro das Finanças português ao presidente do Mecanismo de Estabilidade Europeu (MEE), Klaus Regling, a pedir a suspensão da regra, uma análise conjunta da Comissão Europeia, do BCE e do MEE sobre o pedido de Portugal e as informações prestadas pelo MEE ao Grupo de Trabalho do Eurogrupo.
O PÚBLICO pediu ao Ministério das Finanças os documentos completos do acordo definido entre Portugal e as autoridades europeias, mas não obteve resposta.
Quando anunciou a concretização do pagamento ao FMI esta semana, Mário Centeno deu conta das poupanças de 100 milhões de euros esperadas com os juros (e que em Outubro, a Comissão, o BCE e o MEE estimavam em 80 milhões de euros), revelou que neste momento a almofada financeira corresponde a 44% das necessidades de financiamento dos próximos 12 meses, e referiu a possibilidade de, mais tarde, Portugal vir também a antecipar o pagamento de 2000 milhões de dívida ao FEEF.
A exigência de manutenção de uma almofada financeira confortável e de um prazo médio da dívida superior a seis anos e meio mostra como as autoridades europeias tem preferência por uma estratégia de gestão da dívida mais prudente, que dê ao Estado uma maior capacidade para fazer face a dificuldades futuras de acesso aos mercados. No relatório realizado pelas entidades europeias ao pedido português é afirmado que a estratégia de substituir a dívida do FMI por dívida com prazos mais largos “pode implicar custos com juros mais elevados no curto prazo, mas certamente iria reduzir os riscos no longo prazo”.
Em contraponto, uma estratégia que apontasse para reduções mais acentuadas e imediatas dos encargos com juros assentaria numa redução dos prazos médios da dívida e na diminuição dos excedentes de tesouraria acumulados, como defendido em 2017 pelo grupo de trabalho sobre a sustentabilidade da dívida formado por deputados do PS e Bloco de Esquerda e académicos.
Com a substituição do que restava do empréstimo do FMI por emissões de dívida com prazos superiores a cinco anos, aquilo que irá acontecer é que, entre 2021 e 2024, Portugal ficará com menos dívida para amortizar. Em particular, o esforço de amortização de dívida de médio e longo prazo previsto para 2021 era de 18,9 mil milhões de euros, reduzindo-se agora para 17,1 mil milhões, mesmo assim bastante acima dos valores projectados para 2019 e 2018.
O ano de 2025 é outro em que as necessidades de financiamento sobem, neste caso por causa do primeiro pagamento agendado ao FEEF, de cerca de 3500 milhões de euros, e que pode também vir a ser antecipado durante os anos imediatamente anteriores.