Os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem
Os direitos humanos tal como estão plasmados na Declaração são uma aspiração longínqua para centenas e centenas de milhões de homens e mulheres.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem é um marco na longa marcha da Humanidade em direção a um mundo melhor. Consagra direitos como tendo caráter universal, o que equivale a dizer que os direitos que constam na Declaração aplicam-se em todo o lado, não são para serem exercidos em função de fronteiras. É, pois, uma nova Magna Carta que abraça a Humanidade.
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A Declaração Universal dos Direitos do Homem é um marco na longa marcha da Humanidade em direção a um mundo melhor. Consagra direitos como tendo caráter universal, o que equivale a dizer que os direitos que constam na Declaração aplicam-se em todo o lado, não são para serem exercidos em função de fronteiras. É, pois, uma nova Magna Carta que abraça a Humanidade.
A Declaração resulta, por um lado, dos ensinamentos retirados da barbaridade da guerra mundial levada a cabo pelo nazi-fascismo e, por outro lado, constitui uma aspiração de toda a Humanidade, que vem do fundo dos tempos, à liberdade, à democracia, ao progresso social, à paz e à segurança.
Emanando da Assembleia-Geral da ONU, a sua aplicação/cumprimento depende sempre da boa vontade dos Estados e da capacidade de os cidadãos se mobilizarem para defender os direitos aí consagrados.
Hoje, nenhum Estado às claras coloca em causa a Declaração, o que mostra o seu impacto dentro da comunidade internacional. O que não significa que não haja Estados que violem grosseiramente algumas normas, impedindo o exercício do direito de criar associações ou partidos políticos, o livre exercício da religião ou a liberdade de não praticar qualquer religião, o direito de sair ou regressar ao país de origem; não impedindo situações de verdadeira servidão, de discriminações religiosas, chegando mesmo a incentivá-las, de prisões arbitrárias, antes praticando-as, o livre exercício do direito de expressão e reunião livre sem quaisquer constrangimentos.
As forças mundiais hoje dominantes têm como objetivo desmantelar direitos, enquanto há 70 anos o mundo movimentava-se para afirmar o primado de um conjunto de direitos que fazem parte da Declaração. Nos nossos dias proclama-se urbi et orbi a existência de direitos a mais, sendo necessário restringi-los.
Vale a pena recuar no tempo até à revolução francesa de 1789 de onde surgiu pela primeira vez a ideia. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão adotada pela Assembleia Constituinte em 20, 21, 23, 24 e 26 de agosto de 1789 é constituída por 17 artigos que incidem sobretudo sobre o conjunto dos direitos e liberdades individuais e não contém praticamente direitos de caráter social.
Essa Declaração teve como principal objetivo dar corpo às aspirações da burguesia triunfante, enterrando o ancien régime monarca/feudal em que a nobreza detinha um conjunto de privilégios que já não faziam sentido face à evolução do processo produtivo e das relações sociais, de onde emergia o peso da burguesia.
Esta nova classe necessitava da liberdade de se poder consolidar e aprofundar no domínio das relações da produção; não aceitava as prerrogativas atribuídas à nobreza e daí a aprovação da Declaração.
Os 149 anos que medeiam entre a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na revolução francesa e a Declaração Universal dos Direitos Humanos na Assembleia-Geral da ONU dão conta dos avanços de um texto para o outro.
Enquanto no primeiro a ênfase era colocada nos direitos individuais, no segundo mantêm-se esses direitos, mas aparecem já todo um conjunto de direitos novos que se pretendem universalizar.
Estão neste caso os direitos ao ensino e à educação, ao emprego, à saúde, à habitação.
Entretanto, à medida que a globalização se tornou dominante e o sistema financeiro cercou o mundo, as questões em torno dos direitos humanos assumiram crescente relevo na cena internacional.
Foram explorados até à náusea na questão do direito de ingerência que permitiria a um conjunto de países agrupados na NATO intervir em certas situações e segundo determinadas conveniências.
Como se sabe, esteve muitas vezes em cima da mesa a opção de intervenção militar para impedir a violação de direitos humanos, sobretudo durante o consulado de George W. Bush (filho) que ameaçou os países do chamado “eixo do mal” ou países párias.
Todos recordarão a vergonhosa intervenção militar capitaneada pelos EUA no Iraque que levou à destruição do país, sendo que assentou numa cruel mentira e, quando desmascarada, Bush e Condoleezza Rice logo agulharam alegando que estavam a defender os direitos humanos naquele país.
Com o novo ciclo politico aberto com Donald Trump na presidência dos EUA, este enfoque parece ter mudado radicalmente. Trump diz colocar a América “first”. Como todos os líderes das potências em declínio, faz da reafirmação da grandeza da América um objetivo capaz de dar resposta à crise que o país vive, sobretudo em setores profundamente afetados pela crise industrial e agrícola.
O retorno ao grande país dos sonhos é contraditoriamente martelado por Trump pela demagógica campanha em defesa dos americanos e em detrimento e até da repressão aos emigrantes, como se não fosse, ele mesmo, filho de emigrante. É como se a América não fosse um país de emigrantes que arrasaram praticamente os nativos.
Com Trump, os EUA fecham-se ao mundo numa visão nacionalista fundamentalista em que o que conta é a América; tudo o resto são ameaças a essa grandeza.
Para tanto, Trump escolheu parceiros como Netanyahu de Israel, deslocando a embaixada para Jerusalém, e o príncipe Mohammed Bin Salman, o carniceiro de Khashoggi, declarando um relacionamento com a Arábia Saudita à prova daquele monstruoso crime.
O confronto do nacionalismo exacerbado com o multilateralismo, ou seja, o confronto entre os interesses egoístas de um Estado com os interesses multilaterais e globais de todos os Estados que constituem a comunidade internacional, está hoje em pleno na atualidade internacional. Mesmo quando alguns, no plano interno, se servem do nacionalismo e, no plano externo, defendem o multilateralismo, talvez quiçá por tática.
Concomitantemente, a nível global prossegue a política de austeridade impondo sacrifícios aos de baixo e grandes benefícios a uma minoria. É contra este estado de coisas que a revolta tomou conta das ruas de França.
É este o mundo que vivemos. Um mundo em que as 225 maiores fortunas somam um total de mais de um bilião de dólares, o que equivale aproximadamente aos rendimentos anuais de dois mil e quinhentos milhões de pessoas mais pobres do mundo e que representam cerca de 42% da população mundial.
A seca deste ano no Afeganistão é tão dura que as famílias vendem os filhos para minguar a fome.
Os direitos humanos tal como estão plasmados na Declaração são uma aspiração longínqua para centenas e centenas de milhões de homens e mulheres.
Estes 70 anos corresponderam a grandes avanços, mas à nossa frente perfilam-se desafios gigantescos.
O primeiro é impedir que as forças retrógradas destruam estes direitos conquistados.
O segundo é impedir que os fanáticos do império da força conduzam o mundo para uma terceira guerra mundial. A paz é o direito dos direitos, o supremo direito a viver.
O terceiro é erradicar a pobreza extrema que impede que mais de metade da Humanidade possa ter uma vida com o mínimo de dignidade.
A quarta é diminuir as desigualdades que levam a que uma ínfima minoria de pessoas tenha mais rendimentos que 50% da Humanidade.
O quinto é dar força ao direito internacional e às Nações Unidas, impedindo que os conflitos saiam desse quadro como pretendem as potências mais fortes.
Muitos outros desafios haverá. A conciliação entre os direitos e as liberdades individuais e os direitos sociais, económicos, culturais e ambientais é o caminho para um mundo melhor e mais humano.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico