A hora da verdade não chegou apenas para May
Para a líder britânica, a alternativa a adiar o voto era chegar a Bruxelas com uma colossal derrota. O Conselho Europeu de quinta-feira segue-se ao espectáculo de divisão dos europeus sobre o Pacto Global para as Migrações. O “Brexit” é apenas a manifestação mais dramática dos enormes riscos que a Europa enfrenta.
1. A hora da verdade chegou também para os líderes da facção antieuropeia radical dos tories e, sobretudo, chegou para Jeremy Corbyn, o líder do Labour, que não pode mais esconder-se por trás de uma hábil ambiguidade sobre o que pensa do lugar do Reino Unido na Europa e no mundo. Quanto a Boris Johnson e aos ministros, ex-ministros, dirigentes e ex-dirigentes do Partido Conservador que ganharam o referendo prometendo o paraíso aos britânicos, a realidade começa finalmente a atravessar-se no seu caminho. Se May cair vão ter de esclarecer o que pretendem. Não vale a pena regressar a Bruxelas com as suas propostas impossíveis. Não é mais possível iludir o custo de uma saída sem acordo. Os sucessivos relatórios sobre o inevitável impacto do “Brexit” na economia britânica não são, como acusam os mais radicais, uma forma de manipular a vontade dos deputados e dos eleitores. São uma realidade tão óbvia que até quem nunca leu um livro de economia consegue alcançar. A queda do PIB pode ser maior ou menor, podem discutir-se as vírgulas ou até os dígitos, mas haverá um custo.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
1. A hora da verdade chegou também para os líderes da facção antieuropeia radical dos tories e, sobretudo, chegou para Jeremy Corbyn, o líder do Labour, que não pode mais esconder-se por trás de uma hábil ambiguidade sobre o que pensa do lugar do Reino Unido na Europa e no mundo. Quanto a Boris Johnson e aos ministros, ex-ministros, dirigentes e ex-dirigentes do Partido Conservador que ganharam o referendo prometendo o paraíso aos britânicos, a realidade começa finalmente a atravessar-se no seu caminho. Se May cair vão ter de esclarecer o que pretendem. Não vale a pena regressar a Bruxelas com as suas propostas impossíveis. Não é mais possível iludir o custo de uma saída sem acordo. Os sucessivos relatórios sobre o inevitável impacto do “Brexit” na economia britânica não são, como acusam os mais radicais, uma forma de manipular a vontade dos deputados e dos eleitores. São uma realidade tão óbvia que até quem nunca leu um livro de economia consegue alcançar. A queda do PIB pode ser maior ou menor, podem discutir-se as vírgulas ou até os dígitos, mas haverá um custo.
2. Quanto a Jeremy Corbyn, a sua promessa de negociar com Bruxelas um outro acordo de saída, pleno de benefícios sociais para os britânicos, também faz parte das quimeras que envolveram desde o início as negociações. Como se refere em Bruxelas, se May não conseguiu ficar com o bolo e comê-lo, Jeremy Corbyn não teria mais sorte. O líder trabalhista, que não é um adepto da União Europeia, tem conseguido navegar entre dois mundos: o dos que, no seu partido, nunca quiseram sair e vêem com bons olhos outro referendo; e os que pensam que é impossível voltar para trás, até porque foram eleitos em circunscrições onde venceu o Leave. O que os une é a oportunidade de chegar ao poder. O líder do Labour quer eleições já, mesmo que saiba que provavelmente não as vai ter. Novas eleições obrigariam Corbyn a enfrentar, também ele, o seu momento da verdade: o que diria o seu programa eleitoral sobre o "Brexit"? A solução que agora oferece é como a que May tentou inicialmente, ainda que noutros termos: manter-se na União Aduaneira mas com “capacidade de decisão sobre os futuros acordos de comércio” negociados pela União. “A única maneira de manter o comércio sem fronteiras com o Mercado Único é fazer parte dele, como hoje”, escreve Jonathan Freedland no The Guardian. A “ambiguidade construtiva” com que Corbyn jogou até agora acabou.
3. Theresa May fez o que pôde, numa sucessão de erros de avaliação e de impreparação, numa decisão que alguns analistas consideram a mais importante desde o fim da II Guerra. Negociou o melhor acordo possível numa situação extremamente difícil de crescentes divisões domésticas e (até agora) inquebrantável unidade europeia. A questão politicamente mais melindrosa, a fronteira entre as duas Irlandas, só podia encontrar a solução que encontrou: adiar o problema para melhores dias. De resto, o acordo conseguido abre as portas a um período de transição que será, esse sim, decisivo. É nessa altura que Londres e Bruxelas terão de negociar um acordo de livre comércio que fixe os termos das relações económicas e comerciais entre os dois lados e uma parceria que possibilite a cooperação em domínios tão cruciais como a defesa e a política externa. Para May, a alternativa a adiar o voto era chegar na quinta-feira a Bruxelas com uma colossal derrota. Nos últimos dias, multiplicou-se em contactos com os seus principais parceiros europeus para avaliar a sua margem de manobra para conseguir uma “interpretação” adicional do “backstop” para a Irlanda, capaz de atenuar as resistências internas. Não se vê o que o Conselho Europeu possa fazer neste momento. “Se se tratasse de convencer uma ou duas dezenas de deputados [britânicos] a mudar o sentido de voto, ainda era possível uma tentativa”, diz um diplomata português. “Mudar [a opinião de] 100 é uma impossibilidade”.
4. Como começa a ser regra, este Conselho Europeu realiza-se em condições que não eram sequer imagináveis há quinze dias. Emmanuel Macron enfrenta a maior crise política do seu mandato, ainda sem fim à vista e com profundas implicações europeias. Angela Merkel recuperou margem de manobra, com a eleição da candidata da sua preferência para suceder-lhe à frente da CDU. O espectáculo de divisão dos países europeus sobre o Pacto Global para as Migrações (assinado ontem por 164 países em Marraquexe) é mais um exemplo do profundo mal-estar que mina os fundamentos da integração. Foi a imigração que envenenou o "Brexit" desde a primeira hora, levando May a fazer da rejeição da livre circulação de pessoas o centro da negociação com Bruxelas. Os britânicos não querem imigrantes europeus? Não sabemos. O que sabemos é que ninguém está em condições de rir do vizinho do lado. O “Brexit” é apenas a manifestação mais dramática dos enormes riscos que a Europa enfrenta.