Células nervosas atacam os músculos das “pernas inquietas”

Estudo publicado na revista Journal of Physiology propõe uma nova abordagem terapêutica para as pessoas que sofrem com a síndrome das pernas inquietas.

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AFR GENERIC/ JESSICA HROMAS

O nome diz (quase) tudo. É fácil perceber do que sofrem as pessoas com síndrome das pernas inquietas. Trata-se de uma perturbação neurológica, reconhecida como uma doença há apenas 15 anos, que é caracterizada por uma necessidade incontrolável de mexer as pernas. Por causa disso, os doentes queixam-se de noites mal dormidas, formigueiros e, por vezes, de dolorosas sensações de cãibras. Os estudos indicam que o problema é causado por mecanismos genéticos, metabólicos e do sistema nervoso central. Um estudo publicado na revista Journal of Physiology, mostra, pela primeira vez, além da desregulação no sistema nervoso central, também as células nervosas atacam os músculos. A descoberta pode garantir um novo alvo terapêutico, acreditam os cientistas.

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O nome diz (quase) tudo. É fácil perceber do que sofrem as pessoas com síndrome das pernas inquietas. Trata-se de uma perturbação neurológica, reconhecida como uma doença há apenas 15 anos, que é caracterizada por uma necessidade incontrolável de mexer as pernas. Por causa disso, os doentes queixam-se de noites mal dormidas, formigueiros e, por vezes, de dolorosas sensações de cãibras. Os estudos indicam que o problema é causado por mecanismos genéticos, metabólicos e do sistema nervoso central. Um estudo publicado na revista Journal of Physiology, mostra, pela primeira vez, além da desregulação no sistema nervoso central, também as células nervosas atacam os músculos. A descoberta pode garantir um novo alvo terapêutico, acreditam os cientistas.

“Realizamos este estudo porque os sintomas indicavam um papel do sistema nervoso periférico na síndrome das pernas inquietas (SPI). Essa era a nossa suspeita quando começámos o estudo”, refere ao PÚBLICO Dirk Czesnik, investigador na Escola Médica da Universidade de Gotinga, na Alemanha, e um dos autores da investigação realizada com a Universidade de Sydney, na Austrália, e a Universidade Vanderbilt, nos EUA. No comunicado da Sociedade de Fisiologia, uma sociedade científica internacional fundada no Reino Unido, com o título “Importante descoberta para o tratamento da síndrome das pernas inquietas”, adianta-se que o estudo “envolveu a medição da excitabilidade nervosa de células nervosas motoras de pacientes que sofrem de SPI e indivíduos saudáveis”.

A vontade incontrolável de mover as pernas é o sintoma mais óbvio da doença, mas os doentes apresentam uma série de queixas sobre os seus efeitos secundários. As insónias e dor nos membros inferiores são as queixas mais comuns. “Mais de 80% das pessoas com SPI sentem as pernas a repuxar ou a contrair-se incontrolavelmente, geralmente à noite”, refere o comunicado.

Na investigação, os cientistas mostram que os movimentos involuntários das pernas na SPI são causados pelo aumento da excitabilidade das células nervosas que existem nos músculos das pernas, o que aumentar o número de sinais enviados entre as células nervosas. “A excitabilidade dos neurónios motores periféricos contribui para a fisiopatologia da síndrome das pernas inquietas”, conclui-se no artigo que analisou 34 casos de doentes (11 homens e 23 mulheres) que não estavam a ser submetidos a nenhum tratamento e que comparou os resultados obtidos num grupo de 38 pessoas saudáveis (19 homens e 19 mulheres).

“Os nossos resultados sugerem pela primeira vez um aumento na excitabilidade de neurónios motores na SPI que poderia aumentar a probabilidade de movimentos das pernas. As propriedades anormais encontradas nos axónios [motores e não nos sensoriais] são consistentes com outras descobertas que indicavam que o sistema nervoso periférico fazia parte da rede envolvida na síndrome das pernas inquietas”, lê-se no artigo.

“Direccionar a maneira como as mensagens são enviadas entre as células nervosas para reduzir o número de mensagens para níveis normais pode ajudar a evitar que os sintomas da SPI ocorram”, argumentam os autores do estudo no comunicado da Sociedade de Fisiologia, acrescentando que esse objectivo pode ser alcançado com o desenvolvimento de fármacos eficazes no bloqueio dos mecanismos usados para a comunicação entre as células nervosas.

Doença desde 2003

Mas um tratamento deste género não teria um efeito (indesejado) noutras partes do corpo com músculos e as mesmas células nervosas? “Sim, é verdade. É possível que os efeitos colaterais ocorram noutras partes do corpo. Isso terá de ser investigado em estudos clínicos”, responde Dirk Czesnik ao PÚBLICO. O investigador adianta ainda que o próximo passo da investigação passa pela procura e estudo dos mecanismos agora identificados mas em doentes com síndrome de pernas inquietas que já tenham sido submetidos a tratamento.

Os tratamentos actualmente disponíveis para esta doença passam por fármacos que controlam o nível de neurotransmissores que foram identificados com tendo influência no problema. A dopamina, usada pelos neurónios para comunicarem entre si, é um dos neurotransmissores afectados por esta síndrome, exigindo que os doentes tomem medicamentos (que já existem no mercado para doentes com Parkinson, por exemplo) para aumentar os níveis desta substância no cérebro.

Em 2013 uma equipa de investigadores nos EUA divulgou um estudo que demonstrava que os doentes com SPI também apresentavam alterações nos níveis de um outro neurotransmissor, o glutamato. Estima-se que, nos EUA e na Europa, a síndrome das pernas inquietas – que pode ser ligeira ou grave, segundo os casos – afecta uns 5% da população em geral e até 10% das pessoas com mais de 65 anos.

Foi o neurologista sueco Karl Ekbom quem descreveu os primeiros 53 casos desta doença neurológica em 1945, embora os primeiros relatos, de um médico britânico chamado Thomas Willis, remontem ao século XVII. Os critérios internacionais de diagnóstico da síndrome das pernas inquietas, que também é conhecida como doença de Willis-Ekbom, só surgiram em 2003.