Em 2150, a Terra poderá ser tão quente como há 50 milhões de anos

Cientistas dos EUA e do Reino Unido fizeram projecções do clima do nosso planeta através de referências geológicas do passado. Conclusão: se as emissões de gases com efeito de estufa não abrandarem, a Terra poderá estar tão quente como na época do Eoceno.

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Uma subida média global de 13 graus multiplicaria fenómenos meteorológicos extremos. Na imagem (de arquivo), o Rio Loire, em França, durante um período de seca em 2011 Reuters/STEPHANE MAHE

Há 50 milhões de anos – durante a época do Eoceno – as temperaturas globais médias da Terra eram 13 graus Celsius mais elevadas do que no século XX. Caso não se reduzam as emissões de gases com efeito de estufa, este pode ser o cenário do nosso planeta em 2150, alerta um estudo publicado esta segunda-feira na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

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Há 50 milhões de anos – durante a época do Eoceno – as temperaturas globais médias da Terra eram 13 graus Celsius mais elevadas do que no século XX. Caso não se reduzam as emissões de gases com efeito de estufa, este pode ser o cenário do nosso planeta em 2150, alerta um estudo publicado esta segunda-feira na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

“Podemos usar o passado como um parâmetro para compreender o futuro”, começa por dizer John Williams, da Universidade do Wisconsin-Madison (Estados Unidos) e um dos autores do trabalho, num comunicado da sua instituição. Juntamente com outros cientistas dos Estados Unidos e do Reino Unido, John Williams andou atrás no tempo para projectar o futuro.

Para tal, fizeram-se projecções climáticas (desde 2020 até 2280) através de dois cenários baseados no quinto (o último) relatório de avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas de 2014, assim como em diferentes modelos de simulação do clima. Quanto aos cenários, no mais gravoso (RCP8.5) as emissões de gases com efeito de estufa não descerão. Já no cenário intermédio (RCP4.5) as emissões de gases com efeito de estufa reduzir-se-ão ligeiramente ou estabilizarão.

Depois, teve-se em conta seis marcos geológicos: o início do Eoceno (há cerca de 50 milhões de anos), meados do Plioceno (entre há 3,3 e três milhões de anos), o último período interglaciar (entre há 129 mil e 116 mil anos), meados do Holoceno (há seis mil anos), a era pré-industrial (antes de 1850) e o início do século XX.

Usando modelos climáticos diferentes, o clima da Terra ficará parecido com o verificado em meados do Plioceno já em 2030 no cenário mais gravoso, enquanto no cenário intermédio isso acontecerá em 2040.

Há cerca de três milhões de anos, durante o Plioceno, o clima era árido: as temperaturas globais médias da Terra eram 1,8 a 3,6 graus Celsius mais elevadas do que hoje. “Durante esta altura, não havia grandes mantos de gelo no hemisfério Norte e o nível do mar era 20 metros mais elevado do que hoje” descreve ao PÚBLICO Kevin Burke, também da Universidade do Wisconsin-Madison e autor do estudo. “Por volta de 2030 com o cenário RCP8.5, o interior dos continentes será o primeiro a alcançar climas como o do Plioceno”, lê-se no artigo científico.

Se as emissões de gases com efeito de estufa se mantiverem (cenário intermédio), o clima da Terra daqui a 100 anos será ainda como o de meados do Plioceno. Mas, se essas emissões subirem, em 2100 começará a assemelhar-se com o clima do início do Eoceno e terá já as condições dessa época por volta de 2150. “Se as emissões continuarem a subir, isso deverá rebobinar o relógio do clima em cerca de 50 milhões de anos, resultando num clima futuro como o do Eoceno”, ilustra Kevin Burke.

Durante o Eoceno, além das temperaturas globais médias serem 13 graus Celsius mais elevadas do que as do século XX, nessa altura os dinossauros já se tinham extinguido (desapareceram da Terra há 65 milhões de anos) e os mamíferos tinham-se espalhado pelo planeta. Não havia gelo permanente nas regiões polares e o Árctico tinha florestas pantanosas como aquelas que existem agora no Sul dos Estados Unidos. E haveria cerca de 1400 partes por milhão (ppm) de dióxido de carbono na atmosfera. Hoje a concentração atmosférica de dióxido de carbono já alcançou as 400 ppm.

Tal como se sugeria em 2030, também no século XXII o aumento da temperatura começará a notar-se primeiro no centro dos continentes e só depois se expandirá. “[A cidade de] Madison aqueceu mais do que Seattle, mesmo estando à mesma latitude. Quando se lê que se espera que [o planeta] aqueça três graus Celsius este século, em Madison deve esperar-se que a temperatura global média suba aproximadamente o dobro”, explica John Williams.

Além disso, em 2280, no cenário mais gravoso, surgirão “climas geologicamente novos” em 8,7% do planeta, sobretudo no Leste e Sudeste asiático, no Norte da Austrália e na costa das Américas. No cenário intermédio estes novos climas afectarão apenas 1,5% da Terra.

Desacordo na conferência do clima

No artigo, os cientistas destacam que se espera que estas alterações climáticas ocorram a um “ritmo significativamente acelerado” e que, por exemplo, os fenómenos extremos serão mais frequentes e intensos. “Talvez o mais preocupante seja a forma imediata como vimos que os climas do Plioceno e do Eoceno serão os mais parecidos [com os do futuro]. Estamos a andar para um futuro que se assemelha mais a esses períodos”, refere Kevin Burke.

“As grandes mudanças são definitivamente uma característica da emergência do Antropoceno [época geológica sem estatuto oficial e que representa o impacto que a humanidade tem na transformação da Terra] e uma diferença fundamental entre os climas de um futuro próximo e do passado geo-histórico”, refere-se no artigo.

Como tal, Kevin Burke considera: “Actualmente, a sociedade está a enfrentar desafios sem precedentes, por isso temos de perceber o que o futuro nos reserva. Podemos usar o clima do passado como uma espécie de ‘laboratório natural’ para aprender como poderá ser.”

O cientista considera que as acções individuais são um primeiro passo “excelente” para que o cenário mais gravoso não seja alcançado, tal como o uso de transportes públicos e uma melhor gestão do lixo e do consumo. “Deve-se reconhecer que este é um problema de hoje – não do futuro – e que é crítico.”

John Williams assinala ainda que se tem feito algum esforço para se transitar dos combustíveis fósseis para fontes de energia mais “limpas” e sem carbono. Mas frisa que é preciso mais. Até sexta-feira, na 24ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP24), que decorre em Katovice, na Polónia, discutem-se medidas a tomar para enfrentar as alterações climáticas.

Mas nem todos os países parecem estar empenhados da mesma forma. Durante o fim-de-semana, a Arábia Saudita, os Estados Unidos, a Rússia e o Kuwait – todos exportadores de petróleo – rejeitaram uma moção de apoio ao relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas sobre os impactos da subida da temperatura em 1,5 graus Celsius, apresentado no início de Outubro. Esse relatório mostra que, se a temperatura se limitar a 1,5 graus em relação ao período pré-industrial, os efeitos do aquecimento global podem ser atenuados. Os quatro países apenas “tomaram nota” da existência do relatório, uma moção que, devido à falta de consenso, ainda não foi aprovada.