Que fazer do Martim Moniz? É olhar para a Senhora da Saúde
Augusto Vasco Costa projectou os prédios da EPUL no Martim Moniz e diz que é "facílimo" resolver o problema da praça: basta dar à capela o destaque que merece.
No Verão de 1995, já decorridas algumas décadas de ideias, intenções, projectos, muitos avanços e outros tantos recuos, a câmara de Lisboa punha no título de uma exposição o que parecia ser um desespero suspirado: “Que fazer do Martim Moniz?” A malfadada praça continuava a ser uma dor de cabeça urbanística no coração da cidade e a construção de dois centros comerciais, na década anterior, parecia ser unanimemente encarada como o último dos disparates.
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No Verão de 1995, já decorridas algumas décadas de ideias, intenções, projectos, muitos avanços e outros tantos recuos, a câmara de Lisboa punha no título de uma exposição o que parecia ser um desespero suspirado: “Que fazer do Martim Moniz?” A malfadada praça continuava a ser uma dor de cabeça urbanística no coração da cidade e a construção de dois centros comerciais, na década anterior, parecia ser unanimemente encarada como o último dos disparates.
Na exposição apresentavam-se três cenários possíveis para uma futura intervenção. O arquitecto Augusto Vasco Costa foi vê-las e saiu de lá “perplexo e estupefacto”, como revelaria num artigo de opinião no PÚBLICO uns meses mais tarde.
A mesma estupefacção sente agora, volvidos 23 anos, ao olhar para a proposta da empresa concessionária da placa central da praça, que prevê um mercado construído com contentores. “Andamos nisto há mais de 40 anos e ainda não arranjámos uma solução?”, insurge-se Vasco Costa, que não compreende como é que um elemento tem estado quase sempre ausente da discussão sobre o Martim Moniz – a Capela de Nossa Senhora da Saúde.
Para o arquitecto, este pequeno templo construído no século XVIII e protagonista da popularíssima procissão que todos os anos junta milhares de pessoas e, mais recentemente, até o Presidente da República, é o verdadeiro ex-líbris da praça, por muito que as voltas do mundo o tenham tornado praticamente invisível. “Importante era fazer o enquadramento da capela e isso é facílimo”, sustenta.
Em 1995, depois de sair da exposição, Augusto Vasco Costa passou alguns dias a projectar uma alternativa ao que tinha visto, enviou-a ao então autarca Jorge Sampaio e depois explicou-a no tal artigo no PÚBLICO. Mais tarde, em 2015, quando os edifícios que projectou para o empreendimento EPUL da praça estavam praticamente prontos, debruçou-se novamente sobre o espaço público e apresentou nova ideia.
Em ambas, explica agora, há o denominador comum de valorização da capela. “A solução para a praça do Martim Moniz, se a queremos genuína, ímpar, não pode partir dos contentores, mas realçando esta capelinha centenária”, defende.
Na proposta de 2015, que mantém, sugere a criação de uma praça central com recurso aos quiosques actualmente existentes, que, em vez de estarem espalhados, seriam dispostos em redor de um largo no qual a capela se realçaria com “outra dignidade”. Presente está também a preocupação de atenuar o impacto visual muito marcante do Centro Comercial da Mouraria, que muitos já sugeriram implodir. Para Vasco Costa a implosão não é solução, pois trabalham ali dezenas de pessoas que seria preciso realojar ou podiam ficar desempregadas.
Para lá de uma reorganização dos quiosques, o arquitecto advoga pela existência de espaços verdes em ambos os topos – um mais denso junto ao Hotel Mundial e o outro, mantendo o lago em estrela, criando uma praça mais pequena a norte. Não só esta proposta destacaria a capela de outra forma e humanizava mais a praça como, argumenta, “era baratinha” e fácil de concretizar.
A ideia de 1995 era bem mais ambiciosa, também porque a situação da época era outra. O empreendimento da EPUL ainda não existia e o Hotel Mundial ainda não tinha sido ampliado, como veio a ser mais tarde. A visão era a mesma, as propostas mais arrojadas.
Vasco Costa recomendava então a divisão do Martim Moniz em três praças mais pequenas, não enquadradas por quiosques mas por prédios com três pisos, em que o térreo seria para comércio, o primeiro para escritórios e o superior para habitação.
Na sua óptica, isto permitiria atrair moradores, negócios, artesãos e, até, resolver um problema que, por estes dias, tem voltado à discussão: a insegurança. “A solução, como já muitos vêm alertando, passa pelas ‘unidades de vizinhança’, isto é, por um desenho urbano à escala das pessoas, onde todos se conhecem e a segurança primeira é feita pelos seus próprios moradores, 24 horas por dia, ‘olhos nos olhos’.”
Desviando o trânsito da frente do Centro Comercial da Mouraria para as suas traseiras, Costa criava uma galeria à parisiense para esconder o edifício e enquadrava o topo norte com dois imóveis. Do outro lado da praça, propunha que o Hotel Mundial tivesse uma fachada em meia laranja, completada por dois prédios mesmo em frente e assim originando uma praça redonda.
“Nós, lisboetas comuns, que moramos e trabalhamos em Lisboa, o que pretendemos, simplesmente, é ver o Martim Moniz, como outras zonas em ‘recuperação’, à escala da cidade, à nossa dimensão, para que seja um lugar onde todos nos sintamos bem, ‘onde apeteça viver, trabalhar e investir’”, argumentava então, aproveitando um slogan da época.
O que Augusto Vasco Costa defendeu em 1995 parece já quase impossível de concretizar, mas o arquitecto ainda tem esperança de que a proposta de 2015 seja considerada – ou pelo menos lance o debate. Que fazer do Martim Moniz? Este assunto não está fechado.