Dormir no Maxime, no quarto de Carmen e Lola

Foi cabaret, dancing, boite, recebeu a “sociedade elegante”, apresentou bailarinas espanholas, Raul Solnado, Julio Iglesias, José Cid. Teve altos e baixos. Hoje, o Maxime é um hotel, onde dormimos com as memórias de uma Lisboa de outros tempos.

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“Hoje à noite, o acontecimento de que todos falam! Uma data festiva para a sociedade elegante." Era assim que um anúncio publicado nos jornais nos últimos dias do mês de Novembro de 1949 dava conta da grande novidade da vida nocturna da capital: a abertura do Maxime Dancing, na Praça da Alegria, Lisboa.

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“Hoje à noite, o acontecimento de que todos falam! Uma data festiva para a sociedade elegante." Era assim que um anúncio publicado nos jornais nos últimos dias do mês de Novembro de 1949 dava conta da grande novidade da vida nocturna da capital: a abertura do Maxime Dancing, na Praça da Alegria, Lisboa.

O edifício, novo em folha e da autoria do arquitecto João Simões, ocupava uma das esquinas da praça. Um texto no Diário de Lisboa, citado no blogue Restos de Colecção (que inclui também várias imagens que contam a história do Maxime ao longo do tempo), referia o “moderno luxo” do novo dancing e descrevia como no “vasto salão inaugurado” se faziam ouvir “duas orquestras em dois palcos”, enquanto na pista se sucediam “números coreográficos”.

Os anos voaram e muita coisa passou pelo Maxime. Os tempos de glória e luxo deram lugar a alguma decadência e depois a decadência tornou-se interessante. O dancing atravessou momentos menos bons, mas, bem ou mal, a cidade nunca o esqueceu. Já lá iremos, à história do icónico clube. Mas antes paremos um pouco na actualidade. Estamos, hoje, no final de Novembro de 2018, 69 anos depois da noite da inauguração, à porta do Maxime, com uma mala na mão.

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O restaurante do Maxime Nuno Ferreira

O edifício é o mesmo, agora recuperado, a entrada continua a fazer-se pela esquina e reconhecemos até o nicho do antigo bengaleiro. O velho Maxime é agora um hotel, propriedade do grupo Hotéis Real, mas não quer esquecer o que foi. Entremos, então.

O antigo balcão continua lá, elegante como sempre, assim como as grelhas de metal trabalhadas que separam os espaços. É aí o bar, frente ao salão agora transformado em sala de jantar mas onde, todas as sextas e sábados entre as 20h30 e as 23h30, acontece o espectáculo Madame Liz Bonne, uma criação de Roger Mor, que inclui um jantar pelo chef do Maxime, Luca Bordino (jantar e espectáculo 65€ por pessoa, já esgotado até ao final do ano).

Na sua versão hotel, o Maxime cresceu e ocupa agora todo o edifício na esquina da Praça da Alegria. Subimos até ao nosso quarto – um dos cinco temáticos – para descobrir que o partilhamos com duas irmãs bailarinas espanholas. Carmen e Lola olham-nos a partir de um grande quadro sobre a cama. Há outras fotos delas nas paredes, um leque de plumas, um corpete e um chapéu a espreitar de gavetas, uma caixa de vidro com cartas de admiradores.

Não há, contudo, motivo para alarme. Elas não irão aparecer, nem sequer para trocar de roupa, durante a nossa estadia. Não são reais, personificam apenas as muitas cantoras e dançarinas espanholas que noutros tempos deixavam o seu país e se aventuravam até Lisboa para tentar a sorte em cabarets como o Maxime. O nosso quarto é o Dressing – noutros andares há outros temas, o Bondage, o Burlesque, o Bar e o Stage, e aí contam-se outras histórias de uma Lisboa que se inspirava nas modas vindas de Paris para animar os seus espaços nocturnos.

Na altura da inauguração do Maxime Dancing (não confundir com o Maxim’s, que existiu nos Restauradores entre 1908 e 1939), a palavra cabaret já tinha sido substituída por outra, também de origem francesa: boite – e o Maxime era “a boite mais chique do país”, com “selecção rigorosa” e, por isso, o espaço ideal para se frequentar “depois de sair do teatro ou do cinema”, sobretudo do Parque Mayer, que fica mesmo ao lado.

Para além das duas orquestras que alternavam e animavam a casa até às cinco da manhã, nessa noite de inauguração brilhava no palco Anita de Montilla, espanhola a quem chamavam a “bailarina dos pés de bronze” e a dupla portuguesa Linda & Constant.

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O bar, que manteve o antigo balcão Nuno Ferreira

Em Dezembro de 1952, o Maxime seria também palco da estreia profissional de Raul Solnado, no espectáculo O Sol da Meia-Noite, mais tarde da primeira apresentação do Miúdo da Bica, de Alfredo Marceneiro, e durante as décadas seguintes receberia artistas como a famosa bailarina espanhola Maria Del Sol, Celeste Rodrigues, “uma voz favorita do fado”, ou a “extraordinária vedeta da canção” Mary Merche, além de António Calvário, Simone de Oliveira, Tony de Matos e até um jovem Julio Iglesias.

Com o passar do tempo, a decadência chegou, inevitavelmente, e a sofisticada boite mudou de estilo e de clientela até acabar por fechar. Mas não era ainda o fim. Em 2006, Manuel João Vieira fez renascer o Maxime porque tinha passado o tempo suficiente para o que fora triste se ter tornado kitsch. Foi nesse novo Maxime que José Cid relançou também a sua carreira e, entre música e humor, o espaço tornou-se uma referência para uma geração mais nova.

Mas também esta fase chegou ao fim, e em 2011, mais uma vez, o Maxime vê-se obrigado a fechar as portas. É então que o grupo Hotéis Real entra em cena e recupera todo o edifício, inaugurando no final deste ano o Maxime Hotel com os seus 75 quartos e restaurante aberto ao público em geral (tal como o pátio, The Boudoir, situado no primeiro andar, e onde se pode tomar uma bebida ou comer um snack).

Da janela do nosso quarto vê-se a Praça da Alegria e, se quisermos, podemos imaginar essa noite, há quase 70 anos, em que os lisboetas fizeram fila para participar nessa “data festiva para a sociedade elegante” e conhecer “a boite mais chique do país”. Da parede, Carmen e Lola olham com nostalgia para a noite lá fora. O Maxime delas não é o nosso – mas o novo Maxime quer celebrar o lugar de onde veio e a história que o trouxe até 2018.

“Irreverência” à mesa com Luca Bordino

Quando foi convidado para ficar à frente da cozinha do Maxime Restaurante Bar, Luca Bordino, nascido em Portugal filho de mãe francesa e pai italiano, sentiu “um peso incrível nos ombros”. Este é um espaço com história e ele queria que isso fizesse também parte da sua cozinha. “Tenho uma vertente muito asiática e italiana, mas não podia deixar de ter aqui os clássicos”, diz. “Há quatro gerações que conheceram o Maxime, apesar de, durante esse tempo, este espaço ter sido muitas coisas diferentes”.

A ligar à memória do passado está, por exemplo, o prego. “O Maxime tinha um prego muito famoso, que era servido às tantas da manhã. Nós mantemos o prego Maxime’s Bon Vivant, mas acrescentámos mais algumas coisas, rúcula, cebola caramelizada, um molho à portuguesa, queijo da Ilha, uma mistura de mostardas.”

O prego faz parte da carta de snacks e pratos leves (Bite Me), servida todos os dias das 12h30 às 18h30 e aos domingos e segundas das 19h30 às 23h, e que tem coisas como Pumpkin Passion (creme de abóbora com tempura de vegetais, 5€), Loudly Crunchy (frango crocante com maionese de sriracha, 7,5€), Are You Peeking At Me, Chicken? (guiosa de frango, gengibre e alho francês, 6€) ou Martini Bijoux (camarões com Martini, malagueta, alho, lima e coentros, 12€) ou ainda tostas e sanduíches e as sobremesas, com propostas como All You Need is Chocolate (demi-cuit de chocolate, merengue de malagueta, gelado artesanal de manjericão e pimenta da Jamaica, 7€), ou Bombe Lisbonne (merengue italiano, mousse de ginja, maracujá, fofo de cacau e morango, 7€).

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Bacalhau à Brás, versão Luca Bordino dr

De terça a quinta, entre as 19h e as 23h, entra em cena a carta de jantar (Taste Me), podendo-se provar, entre outras coisas, um Raw Fetiche (ceviche de peixe branco, beterraba, sour cream e compota de cebola roxa, 12€), um Magret Madness (carpaccio de magret de pato fumado, óleo de pinhão, pistácio caramelizado, maçã Granny Smith e pickle de malagueta verde, 13€). Os pratos principais podem ir de um Hidden Secret (agnolotti recheado com queijo de cabra, molho de cenoura, gema curada, cogumelos e parmesão, 14€) a um Portuguese Wonderland (a versão de bacalhau à Brás de Luca Bordino, 15€).

“Percebi que andavam à procura de uma pessoa com um registo um bocado diferente”, explica Luca, de 29 anos, que trabalhou com Igor Martinho e com Chakall, e passou por Singapura, Indonésia, Filipinas e Nova Zelândia. “Não estamos aqui para repetir o que toda a gente faz. Os nossos clientes gostam de encontrar o que conhecem mas feito de outra maneira. Querem irreverência.”

A Fugas esteve alojada a convite dos Hotéis Real