O jazz com vestígios de música indiana e hip-hop que Ohad Talmor traz ao Porto

Sábado, no Teatro Rivoli, o saxofonista e compositor Ohad Talmor partilha a música nova que escreveu para o portuense Coreto Porta-Jazz. Um dos momentos altos da nona edição do Festival Porta-Jazz.

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Quando se visita o site do saxofonista e compositor franco-israelita Ohad Talmor, e se coloca a lupa sobre as suas obras dedicadas a ensembles alargados, dá-se de caras com um par de exemplos de estudos que o músico escreveu para o seu Grand Ensemble: o primeiro é dedicado a Ligeti, um dos mais notáveis autores da música escrita do último século, de vincado perfil vanguardista; o segundo homenageia o seminal colectivo de hip-hop A Tribe Called Quest. “Um bom compositor rouba, como se sabe”, diz Ohad Talmor ao PÚBLICO. “E o que eu roubei destas pessoas faz parte da minha personalidade musical – tal como o Ligeti, por exemplo, foi buscar à música dos pigmeus e a outras fontes para criar o seu vocabulário. Sinto, por isso, que é normal retribuir esse reconhecimento.”

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Quando se visita o site do saxofonista e compositor franco-israelita Ohad Talmor, e se coloca a lupa sobre as suas obras dedicadas a ensembles alargados, dá-se de caras com um par de exemplos de estudos que o músico escreveu para o seu Grand Ensemble: o primeiro é dedicado a Ligeti, um dos mais notáveis autores da música escrita do último século, de vincado perfil vanguardista; o segundo homenageia o seminal colectivo de hip-hop A Tribe Called Quest. “Um bom compositor rouba, como se sabe”, diz Ohad Talmor ao PÚBLICO. “E o que eu roubei destas pessoas faz parte da minha personalidade musical – tal como o Ligeti, por exemplo, foi buscar à música dos pigmeus e a outras fontes para criar o seu vocabulário. Sinto, por isso, que é normal retribuir esse reconhecimento.”

É essa enorme amplitude estilística que Ohad Talmor traz consigo na música que compôs expressamente para o concerto desta noite com o Coreto Porta-Jazz, pelas 22h30, no Teatro Rivoli, Porto, na penúltima noite do nono Festival Porta-Jazz. Embora o convite que lhe foi dirigido por João Pedro Brandão (e pelo ensemble que é a extensão prática da associação portuense) não previsse a criação de material novo, Talmor não resistiu a ter à sua disposição esta singular formação de 12 elementos. Arregaçou as mangas e escreveu 35 a 40 minutos de música inédita, específica para as características do Coreto: “Ao escrever para eles”, explica, “optei por tentar algo de radicalmente diferente das coisas em que tenho trabalhado até agora. E estou muito feliz pela possibilidade de experimentar algumas destas ideias novas com eles.”

Essas ideias, concretiza Ohad Talmor questionado pelo PÚBLICO, não esquecem os ensinamentos fundamentais que o saxofonista colheu junto do seu mentor Lee Konitz e em concordância com os padrões do jazz moderno. “Só que gradualmente incorporei vocabulário vindo do Norte da Índia, da música clássica hindustani, até ao hip-hop, aos ritmos funk e elementos mais electrónicos”, concretiza. “E ultimamente também estive muito envolvido com o lado mais contemporâneo da escola americana, através de autores como Morton Feldman. E, por isso, comecei a tentar incorporar alguns destes sons e desta narrativa musical na minha escrita de jazz.” Sim, porque apesar de toda esta largueza de horizontes, o idioma criativo de Talmor continua a ser o jazz – por mais que as fronteiras entre géneros sejam cada vez mais porosas e menos relevantes. O Coreto, acredita o compositor, é assim o veículo perfeito para testar estes conceitos – “porque eles já vêm esticando no seu percurso os limites dessa escrita”.

Atracção orquestral

Formado enquanto pianista clássico, Ohad Talmor foi-se desviando, aos poucos, tanto do piano quanto da música clássica. Mas talvez venha desse passado longínquo a atracção muito particular pela música orquestral, explorando uma linguagem para grandes formações que foi caindo cada vez mais em desuso no jazz contemporâneo. “Desde que comecei a tocar que me senti atraído por estes sons”, confessa. “Sempre adorei orquestras e tenho até fotografias minhas em miúdo a fingir que dirigia”, ri-se. Apadrinhado por Konitz, Ohad foi dando largas a essa visão musical no Lee Konitz New Nonet e, logo depois, nos projectos partilhados Konitz-Talmor String Project e Konitz-Talmor Big Band. Escrever para esta escala, confessa, foi-se tornando uma extensão natural da sua personalidade musical, a ponto de se dizer “constrangido” quando escreve para pequenos grupos.

A reputação de Talmor como um dos mais estimulantes compositores a dirigir o seu trabalho para big bands acabou por aproximá-lo de colectivos como a Big Band de Lausanne (Suíça), a SoundScape Orquestra (Brasil) e a Orquestra Jazz de Matosinhos (Portugal). É precisamente na OJM que militam vários dos músicos fundadores e impulsionadores da actividade da Porta-Jazz e, consequentemente, do Coreto. Daí que Ohad Talmor garanta conhecer bem os protagonistas da música que se ouvirá este sábado no Rivoli. Embora não haja ainda planos concretos, é de esperar que este material venha a conhecer edição discográfica em breve. Para documentar esta experiência composicional de Talmor, mas também porque só assim se espalha a palavra. Dos autores e dos seus intérpretes.