Cantigas de amor e de maldizer do Porto pelos Conjunto Corona

Hip-hop, humor e calor, numa relação de grande cumplicidade com o público, é aquilo que se espera este sábado da apresentação do novo álbum dos Conjunto Corona na cidade que os viu nascer há cinco anos.

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Um percurso ascendente. É assim que pode ser caracterizado o itinerário até agora do Conjunto Corona, projecto do Porto que já lançou quatro álbuns em cinco anos. O último, editado há um mês, Santa Rita Lifestyle, anda agora a ser apresentado ao vivo. No último fim-de-semana estiveram no MusicBox, em Lisboa, e este sábado é a vez do Hard-Club no Porto.

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Um percurso ascendente. É assim que pode ser caracterizado o itinerário até agora do Conjunto Corona, projecto do Porto que já lançou quatro álbuns em cinco anos. O último, editado há um mês, Santa Rita Lifestyle, anda agora a ser apresentado ao vivo. No último fim-de-semana estiveram no MusicBox, em Lisboa, e este sábado é a vez do Hard-Club no Porto.

Numa época em que tanto se diz que as novas gerações só se interessam por canções avulsas, eles fazem tudo ao contrário. Lançam álbuns com conceito e universo, ao mesmo tempo que dão muita atenção ao objecto físico, que tem sido diferente ao longo dos anos. Praticam um hip-hop elástico e sensorial, que foge aos padrões mais normalizadores do género, marcado por uma atitude irónica perante a realidade. Tudo o que é de natureza local, portuense, ao nível do sotaque, palavras ou personagens que povoam os temas, lhes atribui uma identidade precisa. Os seus temas tanto expõem algum escárnio perante as visões foleiras do Porto, como ao mesmo tempo são declarações de amor à cidade. Talvez por isso, em algumas circunstâncias, acabam por gerar mais curiosidade fora dali.

“Ainda este último concerto, no MusicBox, foi uma celebração fantástica e uma festa imensa. Já não tocávamos em Lisboa há alguns meses, estivemos parados a preparar o álbum e a recepção foi mais do que calorosa. No Porto, claro que também somos sempre muito bem recebidos, mas é natural que estejam familiarizados com a nossa linguagem, enquanto em Lisboa, ou Braga, por exemplo, existe outro tipo de curiosidade em entender aquilo de que falamos nas músicas, ao nível do calão e expressões do dia-a-dia que trazemos para a nossa música.”

Quem o diz é rapper Logos, metade dos Conjunto Corona, na companhia do músico-produtor dB, que ao longo dos últimos anos têm arquitectado vários discos à volta da personagem Corona, nascida da imaginação dos dois, a partir da sua observação de alguns dos bairros mais populares do Porto. Em particular, o penúltimo álbum, Cimo de Vila Velvet Cantina, acabou por lhes conferir uma grande aceitação, que é agora reforçada no novo registo. “Há aqui muito trabalho. Lançamentos constantes, muita presença ao vivo, sinergias com o público. Nós próprios sentimos que vamos melhorando e experimentando coisas novas de álbum para álbum, mantendo a identidade, mas tentando fazer algo diferente e melhor.”

Um dos traços mais distintivos dos seus temas é a forma como a ironia, e às vezes o sarcasmo, é utilizada. Há uns anos David Byrne dizia que a ironia, na música, era uma das figuras de estilo mais difíceis de ser apreendida pelo público. Logos ri-se da alusão. “A nós não nos interessa muito isso. Tentamos apenas ser coerentes com o nosso trabalho e sujeitamo-nos às mais diversas interpretações, embora sintamos que temos dois tipos de públicos distintos: aquele que acredita piamente no que estamos a dizer e um outro mais aberto a outro tipo de interpretações e que não é tão literal. Há uma linha ténue entre sermos apenas palhaços ou um projecto com pés e cabeça. Não a atravessamos. Fazemos o que queremos, como queremos, e isso é que interessa.”

Por norma o processo criativo surge com uma ideia ou uma temática. No caso do novo álbum de originais, o personagem Corona descobriu a religião e também parte à descoberta dos arredores do Grande Porto, por causa da gentrificação. “A partir de uma ideia que desenvolvemos o David explora um universo musical e passa ali uma série de meses a fazer pesquisas, criando instrumentais, enviando-me depois uma quantidade considerável.” De seguida, diz ele, durante meses vai ouvindo a música, apontando esboços e “para aí durante um mês [dedica-se] à escrita”.

O hip-hop singular que fazem não se esgota no som, estendendo-se ao formato dos discos. Depois da cassete, VHS e pen dentro de uma caixa de comprimidos, o novo registo foi editado numa raspadinha (que inclui um código para descarregar o álbum) à venda apenas na Meifushop, loja digital da editora Meifumado. “Não há dúvida de que as pessoas consomem a música de forma digital”, diz, “mas a verdade é que estes formatos inesperados fazem com que as vendas sejam mais elevadas.”

Ainda assim, é ao vivo que o grupo tem vindo a ganhar cada vez mais admiradores. Por norma as suas actuações são extenuantes e vivenciadas com entusiasmo pelo público. “Existe realmente uma grande simbiose hoje em dia com as pessoas”, declara Logos. “Em palco as coisas ganham outro dinamismo, talvez pelas minhas influências punk e também do Kron Silva – que nos acompanha nos concertos. Foi um momento da história da música que seguimos com atenção e acabamos por transportar essa adrenalina. Para nós é fantástico a troca de energia com as pessoas.”